A terceirização da mão-de-obra no setor elétrico brasileiro e a precarização de salários e segurança no trabalho

Por ALESSON RICARDO MENDES ARAUJO | 21/06/2018 | Direito

RESUMO

O processo de terceirização no Brasil constitui-se em prática lícita, desde que obedecidos os trâmites legais. Essa modalidade de contratação ganha mais espaço a cada dia, pois proporciona diversas vantagensao empregador, como redução de custos e possibilidade de terceirizar as atividades periféricas, possibilitando assim maior atenção as atividades fim da empresa . Contudo, hoje, sãoos princípios do direito do trabalho e a súmula 331 do TST as principais formas de regulaçãoa respeito do assunto. Dessa forma, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 4330/04 que visa regular de forma completa a terceirização no Brasil. Portanto, o presente trabalho apresentará o processo de terceirização no Brasil e as principais mudanças que poderão ocorrer em relação a essa modalidade de contratação no setor elétrico apresentando as principais propostas apresentadas no Projeto de Lei 4330/04 e as possíveis formas de prejuízo em relação aos empregados deste setor.Em um segundo momento apresentará questões relacionadas ao não atendimento por parte das empresas terceirizadas em relação às Normas de Saúde e Segurança nos ambientes de trabalho e por fim destacaremos dentre estes casos, como o Projeto de Lei 4330/04 poderá contribuir para a precarização dos salários e o aumento expressivo das jornadas de trabalho.

Palavras-chave: Terceirização. Projeto de Lei. Precarização. Saúde e Segurança. Salário.           

INTRODUÇÃO

O advento do capitalismo e o desenvolvimento de todas as suas fases até os dias atuais são fatores de extrema relevância para a análise da terceirização em nosso país e a consequente precarização das condições de trabalho. A precarização do trabalho é consequência da reorganização da divisão internacional do trabalho, que surgiu com a Terceira Revolução Industrial iniciada em 1930 e que caracteriza a fase atual do capitalismo (KOURY, 2014, p.02).

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, com o surgimento de um Estado Democrático de Direito, surgiram novas propostas de interpretação constitucional, devido diversas modificações sociais, econômicas, políticas e culturais do país. Diante de tais propostas, houve a necessidade de uma maior aproximação entre o texto constitucional e os anseios sociais, principalmente em relação às garantias dos direitos fundamentais. Aliado a isso, sérias transformações ocorreram também nas prerrogativas infraconstitucionais, apresentando assim um rol de mudanças significativas em diversas áreas do direito, entre elas, as legislações trabalhistas que visam assegurar maiores direitos à classe trabalhadora ou mesmo normas regulamentadoras ligadas a aspectos de prevenção, controle e mitigação de riscos decorrentes de atividades laborais.

Nesse contexto, o projeto de lei 4330/2004 que visa regulamentar a terceirização apresenta entre suas propostas a possibilidade de terceirização de todos os seus serviços, ou seja , tanto atividades meio como atividades fim. Hoje, a terceirização na maioria das vezes efetua tais contratações para atividades secundárias, o que em tese se justifica, pois a terceirização surgiu inicialmente como uma forma de suprir necessidades relacionadas às atividades que as empresas não conseguiam suprir tecnicamente, ou como nas palavras do experiente professor e auditor trabalhista Hélio Bittencourt “Eu terceirizo as atividades das quais desconheço”.

 O projeto de lei apresenta no § 2º do artigo 2º: “não se configura vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo”. Portanto, caso aprovada, haverá comprometimento direto de qualquer possível reação por parte do Judiciário trabalhista brasileiro contra a precarização dos direitos dos trabalhadores terceirizados no setor elétrico.

Desta forma, o presente artigo assim será quanto a estrutura: no primeiro capítulo será analisada a terceirização no setor elétrico brasileiro como forma de promoção de redução salarial e desintegração de benefícios sociais dos empregados, apresentando os aspectos negativos do supracitado projeto de lei, ligando-os a realidade negativa do setor elétrico brasileiro; no segundo, será abordado o atendimento deficitário das Normas de Saúde e Segurança e o alto índice de acidentes de trabalho no setor elétrico brasileiro ; no terceiro, realizaremos o estudoda terceirização como forma de descaracterização sindical dos trabalhadores.

1.A terceirização no setor elétrico brasileiro como forma de redução de custos e aumento de lucros dos empresários.

A terceirização do setor elétrico brasileiro é apenas uma das várias consequências do avanço do capitalismo, principalmente após 1930, com o início da revolução tecnológica.

Em países em desenvolvimento, como o Brasil, existe um campo fértil ligado a super exploração de trabalhadores e significativa redução salarial com motivações de ordem econômica e política. Desta forma, há quem defenda o Projeto de lei 4330/04 como proposta de empresários, enquanto outros defendem que são reivindicativas de trabalhadores.

Segundo Silva Peixe apud Carcanholo(2009), a superexploração da força de trabalho é característica estrutural que demarca a condição dependente de um país. Diante disso, a situação econômica brasileira atual poderia ser uma das justificativas do Projeto de Lei 4330/04, ou seja, uma forma de legitimação da terceirização em nosso país.

Apesar do Projeto de lei 4330/04 estar em tramitação no Congresso Nacional, há muito tempo o processo de terceirização ocorre no setor elétrico:

A terceirização tem sido adotada há muito tempo no Setor Elétrico Brasileiro. Atualmente,cerca de metade da força de trabalho no setor é empregada por empresas prestadoras deserviços (Fundação Coge, 2010). A terceirização intensificou-se a partir da segunda metadeda década de noventa até meados da década passada, quando a terceirização passou a apresentar uma tendência de estabilização (ACENDE BRASIL, 2012).

A partir da década de 90, mais precisamente, a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, uma série de privativações ocorreram em diversos segmentos da economia em todo o país. A partir desse período intensificou-se o processo de terceirizações no setor elétrico, que em dias atuais abrange cerca de 40% de todas suas atividades (DIEESE, 2015).

Importante salientar o grande vácuo normativo existente sobre a questão devido a  omissão legal acerca do assunto, visto que a legislação na atualidade não estabelece quais as atividades que podem ser alvo do processo, nem quais procedimentos devem ser observados pelas empresas do setor elétricoque fazem uso do instituto. Perante o limbo normativo, os trabalhadores podem contar apenas com o enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho como alternativa no momento de reclamação de seus direitos trabalhistas (PORTAL E- GOV, 2016).

Durante o processo de terceirização no setor elétrico brasileiro o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços executa suas atividades sem que exista a ligaçãojustrabalhista. Esse vínculo existente só terá vínculo fixado a uma entidade interveniente.

Portanto, a Terceirização resulta em uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista:

[...] O obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido. (DELGADO, 2002, p. 417).

Desta forma, a existência de abusos trabalhistas têm caminho facilitado, pois em tempos de crise, como a que vivemos na atualidade, a terceirização surge como um alternativa viável aos empresários, que buscando aumentar seus lucros, tem nesse processo a oportunidade de reduzir salários e desvincular-se de obrigações legais trabalhistas, transferindo-as as empresas contratadas.

A súmula 331 do TST buscou regulamentar a terceirização no país. Torna-se mister salientar seus principais aspectos:

Excluídas as quatro situações-tipo que ensejam a terceirização lícita no Direito brasileiro, quais sejam, a) contratação de trabalho temporário; b) atividades de vigilância; c) atividades de conservação e limpeza; d) serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, não há na ordem jurídica dopaís preceito legal a dar validade trabalhista a contratos mediante os quais uma pessoa física preste serviços não-eventuais, onerosos, pessoais e subordinados a outrem (arts 2º, caput e 3º,caput, CLT) sem que esse tomador responda juridicamente, pela relação laboral estabelecida. (DELGADO, 2002, p.442).

As atividades-fim e atividades-meio são os diferenciais a nível de caracterização da terceirização lícita ou ilícita em nosso país, mas caracteriza-las não é tarefa fácil. A CLT, em seu artigo 581, § 2º dispõe que se entende por atividade-fim a que caracterizar a "unidade do produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam exclusivamente em regime de conexão funcional". Contudo, a distinção entre atividade-meio e atividade-fim é complicada, justamente pela ausência de definição detalhada do conceito de cada uma.

Em termos práticos, a identificação da atividade-fim da empresa é feita pela análise do seu contrato social. Se o trabalhador executaalguma atividade que contribua para a produção do objeto social da empresa, este não presta serviço terceirizado e poderá ter o vínculo empregatício com o tomador de serviços reconhecido, conforme determinado pela Súmula 331 do TST.

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