A TEORIA QUEER E AS POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA NO CENÁRIO BRASILEIRO
Por brenda cardoso mendes | 29/10/2017 | DireitoRESUMO
O presente trabalho busca utilizar-se da teoria queer a fim de compreender as noções de sexo, gênero e sexualidade que dinamizam a sociedade contemporânea, com enfoque especial na filósofa americana Judith Butler, considerada ícone da mencionada teoria. Sujeitos não héteros sempre fizeram parte da sociedade, mas apenas no século XXI passaram a ser efetivamente notados. É partindo do conceito de heteronormativadade, ou seja, da heterossexualidade enquanto fato culturalmente imposto que a teoria queer busca compreender tais conceitos inicialmente expostos. Remetendo ao mundo jurídico, a lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, se apresenta enquanto um marco na história da luta feminina brasileira pela defesa de igualdade de gênero. É nesse sentido que este trabalho objetiva, de modo geral, analisar a possibilidade de ampliação do âmbito de aplicação da lei 11.340/2006 com base no estudo desenvolvido pela teoria queer. De forma mais específica, visa primeiramente apresentar os principais pontos discutidos pela teoria queer para então correlaciona-los com a lei 11.340/2006. Por fim, esta pesquisa é dedutiva quanto à abordagem, exploratória quanto aos objetivos e bibliográfica em relação aos procedimentos2. Dedutiva pois parte dos conceitos utilizados pela teoria queer para aplicá-los ao caso específico da lei 11.340/2006. Exploratória porque tem como objetivo ir além da aplicação usual da dita lei e bibliográfica pois utiliza-se basicamente de material já elaborado como artigos, revistas, teses, etc3. Por fim, é jurisprudencial quanto a linha metodológica já que visa repensar o modo de aplicação da lei em relação à sociedade.
Palavras-chave: Teoria Queer. Gênero. Sexo. Heteronormatividade.
1 INTRODUÇÃO
A teoria queer surge no fim da década de 80 no Estados Unidos, visando estudar as questões de sexo, gênero e sexualidade das minorias, tais como gays, lésbicas, transexuais, etc. Queer significa “estranho” em inglês, daí buscar entender porque esses grupos são necessariamente e comumente vistos como os desviados/esquisitos do restante da sociedade. No entanto, não é correto afirmar que há um sujeito específico que seja foco da pesquisa, já que ao longo da mesma nota-se que é impossível encontrar uma definição do que seria a teoria queer, tendo em vista que é intrínseco de sua proposta não delimitar o campo de estudo8.
Um dos conceitos bases dessa teoria diz respeito à heteronormatividade que, de modo simples, seria a imposição social da heterossexualidade enquanto o modelo a ser seguido, definindo o binômio macho/fêmea como o correto e tudo aquilo diferente como o desviante9. A sexualidade aparece então enquanto dispositivo histórico do poder10, regulando a sociedade a partir de normas, comportamentos e práticas impostas.
Não há dúvidas de que a ciência do direito trata-se de uma construção histórica e social, dessa forma, as práticas jurídicas permanecem em constante mudanças, seguindo os avanços da sociedade. A lei 11.340/2006, por exemplo, comumente denominada de lei Maria da Penha, explicita a luta das mulheres por igualdade material perante os homens, já que a igualdade formal resultante do texto legal de nada adiante se não aplicada na prática11. Esta lei configura um marco na história da luta feminina em busca de proteção, independência e reconhecimento.
No entanto, visto que a sexualidade é um instrumento de poder social, não é possível afirmar que o direito, independente do momento histórico, fora construído sobre bases imparciais ou livres dos ideais dominantes de sua época. É nesse sentido que se questiona: quais as implicações da influência heteronormativa na edição e aplicação da lei Maria da Penha?
Essa pesquisa demonstra-se relevante diante da necessidade de reconhecimento de pessoas que fogem do padrão heterossexual imposto pela sociedade, afirmando que estas não podem igualmente deixar de ser protegidas pelo direito. A motivação pessoal das pesquisadoras surgiu a partir da percepção de casos em que, pelo fato da vítima de violência doméstica não ser uma mulher, não poderia ser abarcado pela lei 11.340. Ainda que a doutrina e parte da jurisprudência tenha se manifestado contra esse entendimento, faz-se necessário a defesa e reconhecimento desta minoria.