A TEORIA DOS JOGOS E SUA (IN)APLICABILIDADE AOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
Por Túlio Licinio Curvelo Garcia | 15/08/2011 | DireitoA TEORIA DOS JOGOS E SUA (IN)APLICABILIDADE AOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
Uma análise à luz dos institutos despenalizadores alienígenas: guilty plea, plea barganing e non contendore.
Túlio Licinio Curvelo Garcia
Súmario: Introdução; 1. A Teoria dos jogos; 1.1.O dilema do prisioneiro enquanto espécie de problema da Teoria dos Jogos; 2. Da competência de conciliação de conflitos dos Juizados Especiais Criminais e os institutos despenalizadores previstos na legislação pátria; 2.1 Pesquisa de campo; 2.2.O instituto da delação premiada como instrumento de política criminal do Estado; 3. Os institutos despenalizadores do Direito Comparado e sua possível aplicação na realidade processual brasileira; 3.1 Os Juizados Especiais Criminais e a (in)aplicabilidade dos institutos despenalizadores estrangeiros no Brasil: guilty plea, plea barganing e non contendore; 3.2 A utilização dos institutos despenalizadores alienígenas na delação premiada; 4. Análise das teorias econômicas das penas; 4.1. Política Criminal economicista: função dissuasória da pena e a sua relação com as penas alternativas (JECs); Conclusão; Referências bibliográficas
RESUMO
O presente trabalho trata da atuação dos Juizados Especiais Criminais na realidade processual brasileira, explicando os meios utilizados por este para fazer as conciliações. Estuda-se, portanto, os institutos despenalizadores estrangeiros, explicando a sua (in)aplicabilidade, relacionando-os com a Teoria dos Jogos, e também com o Dilema do Prisioneiro.
PALAVRAS-CHAVE
Teoria dos Jogos. Dilema do Prisioneiro. Juizados Especiais Criminais. Delação premiada. Guilty plea. Plea Bargain. Non contendere. Teoria economicista.
INTRODUÇÃO
A máquina judiciária brasileira encontra-se cada vez mais acumulada de processos, tendo em vista a morosidade para a resolução dos conflitos. Foi recepcionado pela Lei 9.099/99 a criação dos Juizados Especiais, que tem a competência para julgar causas pequenas e infrações de menor potencial ofensivo. Para isso, vale-se de medidas despenalizadoras, como por exemplo a transação.
O sistema de acordos já existia no Direito Comparado, como nos Estados Unidos, que usa institutos próprios para solucionar as lides. De início, será feita uma relação entre a conciliação com a teoria dos jogos, explicando as estratégias dessa teoria e sua aplicabilidade no direito, através do Dilema do Prisioneiro.
Ademais, far-se-á uma conexão com as teorias economicistas que tentam explicar o crime, demonstrando a relevância que estas detêm no mundo jurídico, além de introduzir um estudo da necessidade de penas alternativas, em virtude da pena privativa de liberdade ser estigmatizante e não-ressocializadora, enfatizando a relevância das medidas despenalizadoras tomadas pelos Juizados Especiais Criminais.
1. A Teoria dos jogos
Aplicada em diversas áreas acadêmicas, a teoria dos jogos é uma análise da lógica matemática no processo de tomar determinada decisão que envolva conflito de interesses, determinando a melhor estratégia para cada jogador, e assim, conduzindo aos objetivos almejados (ALMEIDA, 2006, P.1). Logo, tem a finalidade de prever as estratégias dos demais jogadores, observando se há ou não colaboração entre os jogadores.
Em outras palavras, "a teoria dos jogos, por meio da matemática, equaciona os conflitos, onde o foco são as estratégias utilizadas pelos jogadores." (ALMEIDA, 2006, P.1).
O relato histórico da Teoria dos Jogos teve início quando John Von Neumann (matemático húngaro-americano) provou o teorema minimax, afirmando sempre haver solução racional para cada problema. Em 1944, publicada a obra "Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico", foi desenvolvida uma teoria de jogos, em que o comportamento depende da interação entre os agentes, com a elaboração de estratégias e tomadas de decisões (ALMEIDA, 2006, P.2). Em verdade, nesse período que começou-se a utilizar a mencionada teoria.
Essa teoria, apesar de advir do viés matemático, é multidisciplinar, ou seja, é utilizada também na biologia, psicologia, ciência da computação, dentre outros. Porém, o que irá interessar na pesquisa, é a sua correlação no âmbito jurídico. Exemplo de que essa teoria é de fato aplicada em searas completamente diversas, os engenheiros elétricos Rosane Caldeira e Sérgio Oliveira (2010, p.1) explicam os cinco elementos básicos que caracterizam um jogo, quais sejam: os jogadores, o conjunto de regras do jogo, a estratégia do jogo, o resultado do jogo e a função de utilidade dos jogadores.
De acordo com (CALDEIRA E OLIVEIRA, 2010, P.1), os jogos podem ser não-cooperativos ou cooperativos, sendo que no primeiro jogo "cada jogador defende seus próprios interesses, montando estratégias para alcançar o maior benefício, enquanto que nos jogos cooperativos, o conjunto de ações possíveis está associado a grupos de jogadores (ou coalizões)." No caso do Dilema do Prisioneiro, que será abordado a seguir, é um exemplo de jogos não cooperativos.
Para Fernando Barrichello (2009, P.1), "o ganho ou a perda de uma decisão depende obrigatoriamente da movimentação dos dois concorrentes, tornando a tomada de decisão muito mais complexa." Desta forma, cada jogador necessita saber quais os ganhos e perdas de cada combinação, de modo a descobrir quais são as hipóteses possíveis a serem usadas pelo jogador adversário na tomada da decisão.
Tendo isso por base, a decisão de cada um não é independente, pois está vinculada à combinação de tomadas de decisão para alcançar um equilíbrio, denominado equilíbrio de Nash . Logo, o principal dessa teoria é se colocar no lugar do outro jogador, imaginando qual a melhor tática a ser usada sopesando ganhas e perdas, e assim, tomar a melhor decisão.
1.1.O dilema do prisioneiro enquanto espécie de problema da Teoria dos Jogos
Como já dito, o Dilema do Prisioneiro é um exemplo de jogo não cooperativo, em que cada um visa alcançar seu próprio interesse. Isso justifica pelo fato de que nesse exemplo, são retratados dois criminosos que foram presos, sendo que a polícia tem provas suficientes para condená-los, mas, no entanto, os separa e oferece o mesmo acordo para ambos.
Esse acordo consiste na seguinte idéia: se um dos prisioneiros confessarem (trair) e o outro silenciar, o primeiro sai livre e o segundo cumpre pena de 10 anos; se os dois ficarem em silêncio, ambos pegam 1 ano de condenação; e por fim, se os dois confessarem (trair), levam 5 anos de condenação, cada um.
Analisando todas as combinações de ações, fica evidente que, independente da decisão do outro criminoso, sempre será mais vantajoso trair o comparsa, pois implica nas menores penas. Essa linha de raciocínio chama-se estratégia dominante, em que visa os benefícios sem depender das decisões alheias.
Vale comentar que existe outra situação que é mais benéfica ainda, segundo a qual se ambos ficaram silentes, respondem apenas por 1 ano, entretanto, na teoria dos jogos em virtude do equilíbrio de Nash isso não é praticado, sendo então trair a melhor opção (escolha racional). Por tal motivo, Fernando Barichello (2010, p.2) afirma existir um equilíbrio ineficiente, pois a melhor combinação (ambos silenciar e ter 1 ano de pena) é ineficaz, e nesse sentido, o autor segue afirmando que o dilema do prisioneiro se transforma, em verdade, num dilema de confiança.
Isso se justifica pelo fato de que o dilema está exatamente em que os criminosos têm que tomar uma decisão sem tem ciência do que será decidido pelo outro. Logo, o dilema do prisioneiro está em confiar ou não no parceiro. Adiante, será feita uma relação dessa teoria com os Juizados Especiais Criminais.
2. Da competência de conciliação de conflitos dos Juizados Especiais Criminais e os institutos despenalizadores previstos na legislação pátria
O artigo 98, I, da Constituição Federal, prevê a possibilidade de criação de Juizados Especiais, providos por juízes togados, competentes para conciliação, julgamento e execução tanto de causas cíveis (de menor complexidade), quanto nas causas penais (infrações penais de menor potencial ofensivo), sendo ainda permitida a transação. Logo, os Juizados Especiais são constitucionais, uma vez que sua criação é prevista na Carta Magna. Além disso, os Juizados são tratados pelas leis: 9.099/95, 10.259/01 e 11.313/06.
A Lei 9.099/95 trouxe um sistema próprio de justiça penal e, de acordo com o art. 61, desta lei, a competência dos Juizados está restrita às infrações penais de menor potencial ofensivo: as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, podendo ser cumulada ou não com multa. O fato de abranger apenas essas infrações se justifica pelo fato de que esses Juizados visam à celeridade, baseando-se nos princípios da oralidade, informalidade, economia processual, objetivando sempre a reparação do dano sofrido por outro meio que não a pena privativa de liberdade (art. 62), de modo a desburocratizar e simplificar a solução do conflito.
Aqui não serão estudados todos os detalhes previstos em lei sobre os Juizados, bem como os demais aspectos processuais que não interessam ao tema central do trabalho, qual seja: a competência dos Juizados e os institutos despenalizadores brasileiros.
Além de evitar o cárcere, os Juizados têm como finalidades principais a transação e a conciliação, que podem ocorrer antes da formulação da acusação, isto é, na audiência preliminar, ou então na audiência de instrução e julgamento.
A conciliação, prevista no art. 73 da Lei 9099/95, é o meio pelo qual se obtêm um acordo entre as partes, que pode ser entre vítima e autor do fato para a reparação do dano, ou entre Ministério Público e autor do fato no que pertine aos aspectos criminais, e deve ocorrer sempre diante de juízes togados e leigos, bem como dos conciliadores (GRINOVER, 2005, p. 67). Assim, a conciliação traz celeridade na resolução do problema, além de diminuir o número de processos, e deixa o Judiciário com mais disponibilidade para resolver as demais situações.
No que tange à transação penal, prevista na Constituição Federal (art. 98, I) e possível nas ações públicas privadas, consiste em concessões mútuas entre as partes. Nas palavras de Cezar Bittencourt (2006, p. 732):
A transação penal vem sendo apontada como uma das mais importantes formas de despenalizar na atualidade, sem descriminalizar, aduzindo-se, entre outras razoes, as de procurar reparar danos e prejuízos sofridos pela vitima, ser mais econômica, desafogar o poder judiciário, evitar os efeitos criminólogos da prisão.
A liberdade para transacionar antes da acusação é restrita, só podendo ocorrer em casos de opção entre pena de multa ou pena restritiva, fixação de valor da pena de multa e a espécie, o tempo e a forma de cumprimento da pena restritiva (GRINOVER, 2005, p. 68). Além de trazer benefícios para o autor do crime como para o que sofreu a lesão, tais como evitar os elevados custos com a burocrática máquina judiciária, o Estado também é favorecido, pois deixa as autoridades policiais livres para se ocuparem com casos mais graves, facilitando a distribuição de tarefas entre os servidores públicos. Apesar de favorecer todos os pólos da relação, o legislador deixou várias lacunas nos ordenamentos que tratam esta, e que não foram preenchidas pelas leis criadas posteriormente.
Dentre as características da transação ressalta-se que esta é personalíssima, pois é exclusivo do acusado, uma vez que ninguém pode realizar a transação em nome do autor do fato; é voluntária, já que a vontade do acusado em transigir perante a proposição do Ministério Público tem que ser escolhido por si mesmo, tendo ciência das conseqüências de sua escolha; é formal, o acordo tem que ser feito perante juiz e defensor constituído; e por fim, é tecnicamente assistida, isto é, o acusado tem que ser orientado pelo defensor constituído (BITENCOURT, 2006, p. 736). Ressalta-se que a transação não pode ser feita ex officio.
Apesar de todos os argumentos expostos, há quem se oponha ao instituto da transação, sob os argumentos que esta fere o direito fundamental previsto no art. 5º, LIV, de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, pois aplica pena sem processo. Outro fundamento é que a transação vai de encontro com o princípio da presunção de inocência, ampla defesa, bem como o da igualdade processual, pois neste último os indivíduos que não pudessem ou não quisessem compor os danos ficariam de fora desse benefício do acordo penal.
Entretanto, essa corrente é minoritária e são arduamente criticados, pelos seguintes motivos: a transação não afronta a o devido processo legal, já que é uma técnica de defesa que visa a situação mais favorável, evitando inclusive processo, e por conseqüência, o risco da condenação (GRINOVER, 2005, P. 46). Além disso, segue Ada Pelegrini (2005, p. 47) no dizer de que o princípio da inocência não é ferido, uma vez que durante o acordo o acusado continua sendo considerado inocente, bem como o da igualdade, tendo em vista que a falta de reparação não incide na impossibilidade de transigir.
No mesmo sentido (PEDROSA, 2010, P. 15):
No Brasil, frise-se, inexiste, expressamente, a aceitação, ou sequer a discussão a respeito da culpa no momento da aceitação da transação penal.22 Concordar com a transação é um direito do envolvido, não uma obrigação. Ele, obrigatoriamente, deverá estar assistido e orientado por defensor. A transação é instituto criado pela Constituição da República. Há vantagens superiores às desvantagens (não poder usar o benefício nos próximos 5 anos) para o envolvido.
Ademais, está previsto na Carta Magna, em seus direitos fundamentais, especificamente no art. 5º, XLVI, d, a possibilidade de penas sociais alternativas, sendo, portanto, cláusula pétrea.
Vale ressaltar que a Lei 9099/95, além de prever a transação, contempla outras três medidas despenalizadoras. Como já dito, esses institutos pretendem evitar ou suavizar o cárcere, mas não descriminalizam o fato delitivo (abolitio criminis). Cita-se a composição civil, contemplada no art. 72 da referida lei:
Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.
Segue o art. 74, § único, que nas infrações de menor potencial ofensivo de iniciativa pública ou privada, resultará extinta a punibilidade desde que haja a composição civil. As outras duas medidas são a exigência de representação da vítima em casos de lesão culposa e lesão dolosa leve (art. 88), e a suspensão condicional do processo nos casos de crimes que não tenha pena mínima superior a um ano (art.89). Luiz Flávio Gomes (2006, p. 4), ao comentar sobre as medidas despenalizadoras, elenca ainda outra medida descarcerizadora prevista na mencionada lei, qual seja, a não admissão de prisão em flagrante nas infrações de menor potencial ofensivo. Sobre o assunto, o jurista explana:
A lei 9099 ao não admitir o flagrante exclui as fases do lavramento do auto e o recolhimento ao cárcere, mas a captura e condução coercitiva continuam plenamente.(...) Há de se conter o infrator, que será levado até a delegacia e lá, ao invés do flagrante será lavrado o TC. Flagrante só será lavrado quando o sujeito se recusar a ir a juízo (salvo no caso de drogas: aqui ele sempre será liberado).
Explicando as medidas expostas anteriormente, a primeira comentada, inexistente até a criação da Lei 9.099/95, quer dizer que a representação para ação penal relativa aos crimes de lesão corporal leve e lesões culposas é condição da ação, ou seja, é requisito obrigatório que deve ser preenchido.
A suspensão condicional do processo merece destaque, vide que a lei é muito omissa ao tratar desse assunto, reservando apenas um artigo para esse instituto (art. 89). Tanto a suspensão como a transação têm o objetivo: evitar o cárcere; porém estas medidas não se confundem, posto que na transação penal, com base no art. 85, o acusado assume a culpa e sofre sanção, que pode ser convertida em pena privativa de liberdade. Já na suspensão do processo, não existe culpa, assim como não há penalização, sobretudo ser transformada em pena de prisão.
Se algumas das condições forem descumpridas, o processo será reiniciado sem que haja presunção de culpa. Vale ressaltar que a suspensão condicional do processo não se confunde com a suspensão condicional da execução da pena (sursis), pois o que se suspende aqui é o próprio processo, e sendo cumpridas todas as condições durante o período de prova, extingue-se a punibilidade. Logo, a suspensão é um ato personalíssimo, pois depende do consenso do réu, voluntário, já que este não é obrigado, e tecnicamente assistido.
Nesse sentido, Cezar Bitencourt (2006, p. 750) enumera duas vantagens da transação em relação à suspensão do processo: primeiro, não há obrigação de reparar o dano como condição de admissibilidade, enquanto que na suspensão é requisito indispensável; segundo, quando a sanção aplicada na transação for multa, nota-se grande celeridade, pois é definida já na audiência preliminar, enquanto que na suspensão seria necessário vários anos para cumprir as condições necessárias.
Em outra obra, desta vez delimitada a estudar os Juizados Especiais Criminais, Cezar Bitencourt (2005, p. 55) comenta sobre a relação entre transação e suspensão:
Com efeito, a transação penal e a suspensão do processo representam somente novos paradigmas na busca da solução dialética de parte dos conflitos sociais por meio do consenso, assegurando-se sempre a primariedade do autor do fato, sem aplicar-lhe uma condenação com todos os efeitos.
Diante de todos os argumentos já comentados, nota-se a importância que os Juizados Especiais Criminais têm no âmbito do Poder Judiciário. Nas palavras de Marcelo Campos (2010, p. 170), "a criação dos JECs, portanto, representou a criação de um mecanismo que teria por objetivo ?desafogar? a justiça julgando as chamadas causas pequenas e os delitos de menor potencial ofensivo". Assim, como constatado através da pesquisa de campo exposta a seguir, ocorre a agilização de processos penais, sendo então os Juizados, a alternativa mais eficaz e menos onerosa.
2.1. Pesquisa de campo
Para um melhor entendimento de como funciona na prática forense tudo o que fora abordado anteriormente, realizamos uma pesquisa de campo no dia 28/10/2010, às 10:30, nos Juizados Especiais Criminais Federais, localizado na Justiça Federal. Entrevistamos a servidora pública Raquel Madeira Reis, técnica judiciária, que trabalha na vara criminal dos JEFs, e serão abordados aqui os pontos principais e que mais tem relação com o assunto tratado no artigo científico.
De início, perguntamos se ocorre de fato na prática forense a celeridade e simplificação trazidas pelas leis 9099/95 e 10259/01, princípios estes almejadas pelos juizados ocorriam na realidade. Ela nos disse que sim, tendo em vista que são obedecidas todas as regras basilares, tais como: oralidade e economia processual, além de estimular a desburocratização da máquina judiciária.
Num segundo momento, indagamos sobre as dificuldades que os servidores encontravam, se por um número pequeno de funcionários, falta das partes nas audiências, ou qualquer outro empecilho na hora da realização do acordo. Para nossa surpresa, a funcionária alegou que não detectou nenhuma dificuldade, uma vez que os servidores eram engajados em solucionar os conflitos com celeridade, bem como tanto autor como réu, na maioria das vezes, sempre compareciam às audiências, visto que o maior interesse é deles em receber as benesses e ter a lide resolvida.
Quando perguntado sobre as conseqüências do descumprimento da transação penal, a funcionária alegou que a conseqüência é o oferecimento da denúncia, afirmando que:
Salvo engano, já li que, a rigor, não seria mais cabível denúncia após a homologação da transação penal, ainda que descumpridos os termos desta. Por isso os juízes costumam homologar a transação com a condição de cumprimento das obrigações transacionadas, o que, segundo os mais garantistas, seria uma praxe sem amparo legal. Contudo, considerando que o prazo prescricional dos crimes submetidos a esse procedimento é exíguo e que a transação penal não interrompe a prescrição, geralmente quando se propõe a denúncia, a pretensão punitiva acaba prescrevendo, ainda que somente ela pena em concreto.
Por fim, retomando a discussão entre transação e suspensão condicional do processo, perguntamos à Raquel, em sua opinião, qual era mais vantajoso, embora ambos tenham o mesmo objetivo, qual seja: obstar o encarceramento. A resposta da servidora foi no sentido de, visando o lado do réu, a transação penal seria melhor, posto que não tem denúncia e que a prescrição corre sem interrupções, além de que as condições, em geral, serem mais brandas.
2.2.O instituto da delação premiada como instrumento de política criminal do Estado
A delação premiada ou colaboração espontânea, instituto originário da experiência estrangeira, em especial aos países da Common Law, tem utilização no Brasil tanto no âmbito da Justiça Estadual quanto na Justiça Federal, chegando também aos tribunais questões acerca deste assunto. Não sendo este instituto de justiça negociada próprio do sistema processual penal brasileiro, há que se considerar alguns entraves em sua aplicação em nosso sistema, mormente o conflitos com os princípios constitucionais referentes ao processo penal.
A delação pode ser conceituada como "a imputação que o acusado de um crime efetua, sem se desonerar da responsabilidade pelo fato, em detrimento de seu(s) comparsa(s) na empreitada delituosa, culminando na descoberta de outro ou outros crimes" (NOGUEIRA, 2010, p. 16). Na delação premiada, há uma recompensa ao delator pelas informações prestadas.
Assim, deve esse instituto estar em consonância com o princípio da presunção de inocência, pois o juiz deve apresentar elementos probatórios suficientes para a condenação, e a mera delação processual isolada não preenche as exigências de certeza necessárias para um julgamento. O princípio da inocência tem dupla função, como regra de juízo e como regra de tratamento do investigado, pois atua antes de se iniciar o procedimento penal e exige que o início das investigações se embase em notitia criminis minimamente razoável (PEREIRA, 2009, p. 192).
Para que as revelações dos imputados tenham eficácia em suas colaborações processuais, é necessário que especifique o objeto, submetendo esse elemento de prova ao contraditório (trazer ao processo declarações do beneficiário da delação, permitindo que a defesa produza prova em contrário), além do que o colaborador não é obrigado a responder todas as perguntas formuladas pela defesa. Entretanto, quanto mais silenciar, menos valor probatório terá a sua delação. Ademais, deve ter algum elemento externo que indique a veracidade.
A delação premiada no Brasil foi regulamentada pelas Leis n 9.034/1995, 9.613/1998, 9.807/1999 e 11.343/2006, enquanto nos EUA, nas décadas de 80 e 90, o instituto passou a ser amplamente utilizado na luta contra o terror.
Embora criadas as leis acima citadas, há ainda um déficit legislativo acerca da matéria e conseqüente ausência de nitidez dos contornos do instituto. A delação premiada pode ter sua natureza diferida conforme o fim a que se destina. Tem-se na prática a utilização casuística do instrumento, visto que por vezes a delação pode ser proposta na audiência, pelo próprio juiz ou mesmo pelo modo escrito, resultante de amplas tratativas entre o MP e o acusado/defesa, vislumbrando um contrato. Há, entretanto, discordâncias acerca dos procedimentos tais como o fato de alguns juízes não reconhecerem ao MP a possibilidade de negociar termos e condições, e também de não se acharem vinculados a respeitar um acordo homologado por outro magistrado e seguido em sua totalidade pelo acusado.
Por isso, a delação é alvo de muitas críticas, tais como (PRADO, 2006, p.4):
A arquitetura da delação premiada, por sua vizinhança com a transação penal, guarda ainda outro elemento que em conexão com uma política criminal de penas cada vez maiores, tem potencial para prejudicar a apuração dos fatos, em processo público e em contraditório. O recrudescimento das penas, ditado pelo movimento de lei e ordem, facilita a "sedução" da delação, esgrimindo-se no campo do concreto com uma pena de efeito simbólico, que de fato nunca caberia ou seria aplicada, mas que, do ponto de vista da estratégia de convencimento, se converte em poderoso aliado.
Embora apresente vários problemas e lacunas legais, a delação é utilizada no sistema processual penal como meio de prova, seguindo os princípios constitucionais e processual, de modo à manter a essência do Estado Democrático de Direito.
3. Os institutos despenalizadores do Direito Comparado e sua possível aplicação na realidade processual brasileira
Neste tópico serão analisados os principais institutos despenalizadores aplicados no direito estrangeiro, relacionando-os com os institutos já existentes no Brasil, explanados no tópico anterior, e a (im)possibilidade de serem aplicados na realidade processual brasileira.
3.1 Os Juizados Especiais Criminais e a (in)aplicabilidade dos institutos despenalizadores estrangeiros no Brasil: guilty plea, plea barganing e non contendore
O Poder Judiciário já é caracterizado por sua morosidade excessiva, acumulando processos, e retardando a solução dos processos judiciais. Esse foi um dos motivos especiais para a necessidade de criação dos Juizados, que como já visto, objetivam a conciliação, o julgamento e a execução de causas menos intensas.
Essa idéia de fazer acordos já era praticada no direito anglo-saxão, sobretudo nos Estados Unidos, antes da entrada em vigor da Lei 9099/99, e demais ordenamentos legais que vieram a tratar dos JECs. Sobre o assunto (KARAM, 2004, p. 37):
A tendência de estabelecimento da consentida submissão à pena, em procedimentos abreviados, concretiza-se, no Brasil, como em outros países, sob a influência da experiência norte-americana encontrada na fórmula indicada pela expressão plea bargaining.
O plea bargaining, de origem norte-americana, está diretamente relacionado com a teoria dos jogos, pois a situação aqui é que o Ministério Público não tem provas suficientes para a condenação e o acusado não tem álibi para provar a inocência. Logo, faz-se um acordo para se estabelecer a pena, e cada "jogador", no caso o Ministério Público e o acusado, irão defender seus interesses utilizando suas próprias estratégias com o intuito de alcançar os melhores benefícios para si.
No que tange à titularidade da proposição da ação (GOMES, 2001, P. 1.) no plea barganing é do Ministério Público, entretanto, o modelo estadunidense deste órgão é maior se comparado ao brasileiro, pois pode ainda conduzir a investigação policial, declinar a propositura de ação sem precisar de aprovação do Poder Judiciário, entre outros. Portanto, esse instituto adota o sistema de barganha.
A transação penal aplicada no Brasil diverge em vários aspectos do plea barganing, e sobre o assunto (PEDROSA, ano, p. 15) afirma: "equiparam a nossa transação penal com figuras alienígenas, principalmente com o norte-americano plea bargaining.Os institutos são parecidos, mas não idênticos. Ilusão de interpretação."
A primeira diferença a ser comentada é que nesta o Ministério Público pode deixar de oferecer acusação em troca da confissão de um crime menos grave ou da colaboração do suspeito para a descoberta de co-autores, enquanto que naquela isso não pode ocorrer (GRINOVER, 2005, P. 68). O Ministério Público tem que obedecer aos parâmetros estabelecidos, devendo ser cumpridas todas as condições para a transação.
Da mesma forma, a suspensão condicional do processo em nada se assemelha do plea barganing, pois neste existe uma vasta possibilidade de transação sobre os fatos, a qualificação jurídica, as conseqüências jurídicas e outros, enquanto que na suspensão a transação visa exclusivamente o avanço ou não do processo (GRINOVER, 2005, P. 255). Ademais, de acordo com o art. 89, § 1º, qualquer ato tem que ser celebrado na frente do juiz, além da presença do Ministério Público quando necessário, enquanto que no sistema norte-americano o acordo pode ser feito fora do processo (extraprocessual). Luiz Flavio Gomes (2006, p. 7) elenca ainda outra diferença entre o plea barganing e a suspensão condicional do processo, pois na primeira pode ser aplicada a pena de prisão consensuada.
Para corroborar o entendimento de que tratam-se de institutos diversos (GRINOVER, 2005, p. 254):
Na suspensão condicional do processo há uma espécie de transação, mas isso não se confunde com o plea bargaining norte-americano. (...) poderíamos realçar sua similitude com a denominada conformidade processual. (...) A suspensão penal, além de se suspender ou se encerrar imediatamente o processo, há também aceitação da imposição de uma pena. (...) Na suspensão processual existe aceitação de algo que se reflete imediatamente sobre o processo. Não se transige a respeita da pretensão punitiva estatal diretamente, que resulta incólume no momento da transação. Cuida-se, portanto, de uma via despenalizadora indireta ou processual.
Como cada qual cede um pouco, aí esta a transação processual que caracteriza a suspensão condicional do processo, pois o acusado abre mão de várias garantias com o propósito da punibilidade ser extinta.
Sobre o assunto (DI CARLI, 2009, p. 16), não adianta importar teorias e aplicar soluções prontas, uma vez que o instituto originário da experiência estrangeira é o common Law, e o sistema brasileiro não tem a lógica da justiça negociada, portanto, a simples transposição do plea bargaining entraria em choque com certos princípios constitucionais no que tange ao processo penal.
Sobre o guilty plea, outro instituto anglo-saxônico, é o meio de defesa na situação em que o acusado admite perante o juízo que cometeu o ato ilícito. Aqui, todas as provas foram colhidas e o acusado será condenado, fazendo então um acordo, e ele assume a culpa. No art. 89, que regula a suspensão condicional do processo, o acusado não admite culpa, tendo em vista que a culpabilidade nem mesmo é alvo de discussão na suspensão, pois a simples concordância em suspender o processo não implica em reconhecer a culpa, e se houver provas insuficientes, haverá a absolvição com vistas ao princípio da presunção de inocência (GRINOVER, 2005, P. 256.)
Partindo para a prática da guilty plea na realidade, nos Estados Unidos, esse instituto, que representa a declaração de culpa e a renúncia ao direito de ser processado pelo tribunal do júri, acaba em cerca com 90% dos casos, o que faz da guilty plea instrumento indispensável no sistema criminal norte-americano (DI CARLI, 2009, p. 16).
Portanto, com base em todos os fatores estudados, os institutos alienígenas são diferentes dos institutos nacionais em seus aspectos principais e basilares, sobretudo as tarefas do Ministério Público, que aqui permanece subordinado ao princípio da legalidade processual, agindo dentro dos parâmetros alternativos (discricionariedade regrada) e em consonância com o Poder Judiciário. Sendo assim (GRINOVER, 2005, p. 48):
Convém esclarecer, desde logo, que a lei, no âmbito do Juizado Especial Criminal, ao lado de favorecer a "conciliação", reservou pouco espaço para a tão difundida "barganha penal". No que concerne à transação que leva à aplicação imediata da pena, não estamos próximos nem do guilty plea (declarar-se culpado) nem do plea bargaining (que permite amplo acordo entre acusador e autor da infração sobre os fatos, a qualificação jurídica e a pena.
Como já visto, nosso sistema em muito se difere do plea bargaining e do guilty plea, sendo mais próximo de outro instituto estrangeiro, qual seja: non contendere, no qual o acusado não contesta a imputação e nem assume a culpa ou se diz inocente. A principal diferença entre o non contendere e o guilty plea pertine aos efeitos civis da resposta do imputado, pois no primeiro a indenização será discutida, enquanto no segundo ele terá que pagar obrigatoriamente (GRINOVER, 2005, p. 256). Em análise à lei 9.099/95, nota-se que, com base no art. 89, § 1º, a reparação do dano é condição para a suspensão do processo, adotando então o modelo consensual.
Por fim, ressalta-se que apesar da suspensão condicional do processo ter se inspirado na probation, instituto anglo-saxônico, não se confunde com este, pois o que se suspende nele é a sentença condenatória e pode acontecer de nem ser instaurada a instrução processual, requisito este necessário para a suspensão, além do que o que se suspende aqui é o processo e não a sentença (GRINOVER, 2005, p. 253).
Assim, apesar dos institutos alienígenas comentados terem introduzido no mundo do direito a possibilidade de fazer acordos, evitando o acúmulo de processos e lentidão para serem solucionados, eles em muito se diferem das medidas despenalizadoras instituídas no Brasil, tendo em vista ter uma realidade processual totalmente diferente, a começar pelo fato de que aqui utiliza-se o sistema da civil Law, enquanto nos Estados Unidos, é aplicado o sistema da common Law, além das diferentes atribuições que o Ministério Público tem no território nacional.
3.2 A utilização dos institutos despenalizadores alienígenas na delação premiada
Depois de analisado as medidas despenalizadores aplicadas no Brasil com os institutos alienígenas oriundos do direito anglo-saxão, faz-se necessário fazer agora uma abordagem da delação premiada com esses meios do Direito Comparado. Já foi comentado que a delação premiada é a colaboração espontânea, ou seja, o aproveitamento das declarações do imputado como elemento de prova, que deve estar de acordo com os princípios constitucionais e processuais.
Quanto às possibilidades de utilização do plea bargain em relação à delação premiada, DE CARLI (2009, ano 17, n 203, p. 16) assevera que essa delimitação é complicada, pois a natureza dessa medida pode variar de acordo com o fim a que se destina. Logo, pode ser utilizado nos seguintes exemplos:
a) reduzir o tempo de solução de um caso penal, propiciando uma resposta mais rápida para o réu e para a sociedade (redução da impunidade) e priorizando os recursos da máquina judiciária para processar apenas os casos mais complexos e/ou relevantes [...]
b) como técnica especial de investigação, quando um membro de uma organização criminosa (estrategicamente importante mas jamais seu líder) irá apontar à polícia judiciária e ao MP os caminhos para elucidação do crime e obtenção das provas [...]
c) para permitir o julgamento de um maior número de autores de crimes internacionais, dentro de uma ótica de justiça restaurativa [...]
Segundo a mesma autora, quanto à primeira função citada, nos EUA a guilty plea (declaração de culpa e renúncia ao direito de ser processado por um tribunal do júri) soluciona cerca de 90% dos casos, como já explanado, elevando o instituto a parte essencial do sistema de administração da justiça criminal norte-americana. Quanto a segunda técnica descrita, a autora relembra que tal procedimento é recomendado por organismos internacionais tais como ONU e o GAFI (Groupe d?action Financière e previsto nas Convenções de Palermo e Mérida, às quais o Brasil manifestou adesão.
Ao importar o instituto estrangeiro, é imperioso pensá-lo e aplicá-lo de maneira a preservar os princípios da jurisdicionalidade pátrios, tais como do direito da defesa, da garantia do sistema acusatório e da presunção de inocência.
Para analisar a aplicação do instituto em nosso país, é necessário que se analise como tal procedimento se desenvolve nos países de criação ? common Law. Por exemplo, nos EUA há padrões mínimos no que se refere a plea bargaining. Há a recomendação de que as Cortes não interfiram nas discussões entre acusadores, defensores e imputados e que no caso de alcance de um acordo, este deverá ser encaminhado ao conhecimento da Corte, podendo rejeitá-lo ou aceita-lo. Caso de aceitação da corte, haverá vinculação aos seus termos, adotando no julgamento. Em caso de rejeição do acordo, deverá informar as partes da sua não vinculação aos seus termos. Na opinião de DE CARLI (p. 17):
A solução americana, neste ponto, parece adequada, porque preserva a independência do magistrado (permitindo-lhe aceitar ou não o acordo) ao mesmo tempo em que garante os direitos do acusado: a prova obtida através do acordo de colaboração do qual o imputado posteriormente desistiu (em razão da rejeição pela Corte) não poderá ser usada contra ele em qualquer juízo cível ou criminal.
No direito processual penal brasileiro, há ainda vastas indagações sobre a aplicabilidade do instituto, tais como sujeito que propõe o acordo, se apenas o MP ou o Juiz também; existência do acordo sem concordância e participação do MP; forma oral ou escrita do acordo; necessidade de homologação judicial; possibilidade do acordo após prolação da sentença; alteração ou rejeição do acordo pelo juiz; desistência do acordo pelo acusado; alcance do acordo em outros processos; a questão do sigilo; controle do acordo; direitos dos corréus delatados; benefícios possíveis; possibilidade de firmar acordo sem assistência de advogado; validade de prova produzida através de um acordo de delação; âmbito e efeitos do acordo, entre muitas outras questões. Tendo em vista as críticas sofridas pela delação premiada, ressalta-se o dizer de Nogueira (2010, p. 17), relacionando-a com o plea bargain: "Seu insucesso não pode, em qualquer hipótese e sobre qualquer pretexto, ser compensado com barganhas para a elucidação de crimes" (grifo nosso)
Por isso, a negociação e o acordo de delação premiada devem obedecer os princípios do direito de defesa, da garantia do sistema acusatório e da presunção de inocência, bem como, respeitar os padrões jurisdicionais brasileiros, sem utilizar técnicas que afrontem a realidade processual nacional.
4. Análise das teorias econômicas das penas
Existem várias teorias que tentam explicar o delito através de postulados econômicos, fazendo então uma ligação entre o direito penal e a economia. Gary Becker é o principal expoente da teoria econômica dos delitos e das penas, que analisa o comportamento humano delitivo a partir de estudos microeconômicos, bem como as políticas criminais como forma de combate a estes atos.
A idéia central dessa teoria é que (CAMPOS, 2010, P. 46):
Os indivíduos contrastam os custos e benefícios esperados de suas ações quando decidem pelas condutas conformes ou contrárias à lei, comparando-as com os resultados do seu tempo de trabalho no marco legal, considerando a possibilidade de apreensão, condenação, a severidade da punição e uma maior ou menor propensão do indivíduo ao ?risco? de cometer um ato ilegal.
Logo, na concepção de Becker, cometer "um crime resulta na maximização da utilidade esperada em que o indivíduo calcula os futuros ganhos da ação criminosa, probabilidade de detenção" (CAMPOS, 2010, P. 46) entre outros fatores. Explicando melhor, o indivíduo calcula os ganhos do ato ilícito com os ganhos no mercado legal, e sendo assim, se a renda do mercado de trabalho for menor, ele opta pelo crime.
Para que haja essa escolha, são elencados os fatores positivos e os fatores negativos, sendo os primeiros, a renda, o salário, etc., e os negativos são aqueles que desestimulam o cálculo pelo crime, como por exemplo, a eficiência da polícia, a severidade das sanções, por exemplo.
No que tange às punições, Becker se posiciona no sentido de (CAMPOS, 2010, P. 48) propor a otimização das condições e dos recursos, de modo que se minimizaria os custos sociais do delito em prol de um suposto maior bem-estar da sociedade, e considerando a concepção de Becker, alguns custos de punição são altos, propondo inclusive a punição através de multas.
Continuando sobre a temática do custo-benefício (GUIMARÃES, 2007, p. 28-29):
A relação do custo benefício é, portanto, uma constante a ser levantada em consideração tanto pelo indivíduo ? potencial infrator ? como pelo Estado, na elaboração e aplicação de políticas criminais. [...] Assim, é bom que se frise, no cálculo a ser feito por aquele que tem propensão à delinqüência seriam utilizados elementos monetários e não monotários.
Portanto, para a teoria do crime, nas situações em que a ofensa causar mais prejuízo externo do que ganho para o criminoso, o dano da ofensa pode ser minimizado com punições altas, com o intuito de eliminar todas as ofensas ocorridas. Vale ressaltar que os fundamentos das teorias economicistas já foram abordados anteriormente pro Bentham.
4.1. Política Criminal economicista: função dissuasória da pena e sua relação com as penas alternativas (Juizados especiais criminais)
A teoria economicista dos delitos e das penas a partir dos fundamentos da economia, tenta explicar as causas do crime e o melhor meio ? o mais barato ?no âmbito do Direito Penal material, instrumental e da execução penal, de se opor a tais comportamentos. (GUIMARÃES, 2006, p.75)
Tal teoria parte do pressuposto de que toda atitude deve ser praticada diante de uma análise de custo benefício, não só apenas os indivíduos dispostos a cometer um crime, mas também o Estado no momento de punir o infrator da lei. Este, portanto, deve realizar este cálculo, de forma a punir o delinqüente utilizando-se a menor quantidade de recursos possíveis.
Como bem elucida o promotor de justiça Cláudio Guimarães (2006, p.92), um delito gera não apenas custos diretos suportados pela vítima, pois há também custos indiretos, estes arcados pelo Estado, que incluem os gastos com a manutenção do sistema de justiça criminal e dos estabelecimentos prisionais. Sendo assim, segundo a teoria economicista, muito mais vantajoso para o Estado é a aplicação de multas pecuniárias, sempre que possível:
A doutrina economicista dá um lugar de destaque para a aplicação das penas pecuniárias como carro-chefe de sua política criminal, posto que os custos gerados com a sua imposição serão sempre muito mais reduzidos que aqueles oriundos da aplicação da pena de prisão.[...]A pena de multa chega a ser considerada como um fator que anula os custos sociais carreados pelo delito, haja vista que ao lado de seu baixo custo de imposição e arrecadação, funciona como um compensador para a vitima ou para o resto da sociedade dos prejuízos causados pelo crime, de forma direta se transfere renda do sancionado para aqueles que sofreram tais prejuízos.
Desta feita, percebemos que é mais vantajoso para o Estado e para as próprias partes a solução do conflito através da mediação, em detrimento da imposição de pena privativa de liberdade, como aduz (RIBEIRO, 2006, P.201):
Buscar a efetiva resolução do conflito hoje considerado de natureza penal implica, necessariamente, também buscar uma redefinição do papel do direito penal e dos mecanismos por ele postos em movimento na abordagem das disputas, sobretudo no que diz respeito à conveniência da privação de liberdade como resposta predominante ? cuja utilidade ressocializadora já se revelou falaz, diante do resultado estigmatizante que provoca. (grifo nosso).
Com a transação e/ou a imposição de multas há "a concreção punitiva, impede a impunidade e, consequentemente, desestimula a prática delitiva, afastando, pois, a necessidade de utilização do terrorismo penal, pela via do extremo rigor das penas, como forma de intimidação". (GUIMARAES, 2007, P. 34), corroborando o Direito Penal como ultima ratio.
As transações em determinados crimes realizadas nos Juizados Especiais Criminas devem ser priorizadas e aperfeiçoadas, pois no dizer de Guimarães (2006, p. 92):
a pena privativa de liberdade deve ser aplicada de forma bastante comedida em razão dos altos custos financeiros que a mesma acarreta para a sociedade. A construção, equipamento e manutenção das instalações penitenciárias, além da perda econômica que se supõe manter milhares de pessoas inativas e alheias ao processo produtivo, posto que alijadas de suas profissões habituais desautorizam o indicativo de política criminal alicerçado na aplicação da pena de prisão.
No mesmo sentido, ao comentar sobre a relevância da mediação/conciliação para desburocratizar a máquina judiciária, Ribeiro (2006, p. 188) afirma:
Recorrer à mediação, portanto, implica em superar as funções operativas, míticas e políticas do sistema jurídicos, isto é, em superar o imaginário normativista, para, em seu lugar, fazer surgir a possibilidade de uma resolução de conflitos que atenda à satisfação de todas as partes envolvidas, baseada em uma proposta auto-regulada, com apoio de um mediador, que as auxilia no sentido de interpretar e transformar a situação problemática em que se encontram envolvidas.
Diante disso, pode-se concluir que é de mais valia em crimes que não envolvam direitos indisponíveis, de menor potencial ofensivo, a liberdade do infrator, em função de ser muito mais barato. Para o Estado, a transação realizada nos Juizados Especiais Criminais e a aplicação de penas pecuniárias ao infrator são mais benéficas do que privação, além do que para a vítima também é melhor, pois terá o seu prejuízo ressarcido pelo delinqüente.
Conclusão
Nesse diapasão, tendo em vista a relevância que os institutos despenalizadores tem diante da seara judiciária, entende-se que os operadores estão diante de um novo paradigma, atuando como os instigadores da conciliação nos Juizados Especiais Criminais, rechaçando a concepção de que o sistema processual penal não se adequa às novas medidas utilizadas na jurisdição alienígena. Assim, através da conciliação, transação, suspensão condicional do processo e demais medidas, é possível solucionar com mais celeridade os conflitos sociais, observando os princípios da oralidade e economia processual.
Como já dito, apesar de se referenciar aos modelos anglo-saxônicos, tais como plea bargain, guilty plea e non contendere, os institutos nacionais são dotados de características próprias e algumas ainda, diferentes daquelas adotadas pelo Direito Comparado. Dentre as três medidas citadas, o non contendere é o que mais se aproxima na realidade processual brasileira.
Por fim, acredita-se que o direito penal tem que se adequar ao mecanismos necessários para a desburocratização da máquina judiciária, aplicando assim, as penas alternativas, tendo em vista que a pena privativa de liberdade tem caráter meramente repressivo, sem atingir seu fim: a ressocialização.
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