À SUA PROCURA

Por João Cândido da Silva Neto | 27/04/2011 | Literatura


À SUA PROCURA


Caminhando a esmo eu teimava em vislumbrar uma tênue silhueta que estava lá. Estava sim, podia avistá-la. A ânsia de alcançá-la me fazia prosseguir sem parar, embora já avançasse resfolegante, à beira da exaustão.
O Sol, com sua luz esmaecida, já se omite no ocaso. E uma brisa rápida e passageira é o único sopro de esperança. Em volta um silêncio infinitamente volumoso. Os passos trôpegos indicam a direção, mas a incerteza da trajetória se orienta pela bússola da ansiedade inquieta.
O objetivo não está claro, a ansiedade apenas indica que é para lá; mas inexoravelmente grande se tornou a necessidade de prosseguir.
A consciência tenta alimentar a esperança antes que, alquebrado, o corpo se prostre exangue.
As nuvens desapareceram; as sombras só existem na também árida paisagem dos sentimentos já quase desfalecidos. Saudades de uma manhã chuvosa; desejo de sentir o calor do Sol matinal, de ver os insetos pousando nas flores ainda orvalhadas.
Não tenho a coragem de olhar para trás. Sei que me depuro a cada trecho do caminho; imundícies se desprendem da minha bagagem e vão ficando semi-enterradas no solo arenoso e estéril que, indiferente, registra minhas pegadas.

O sofrimento apura...
A solidão incentiva a busca...
A inquietação sustém a caminhada.


Fauna e flora desapareceram.
Seria Primavera? Haveria flores.
Seria Inverno? Sentiria frio.
Seria Outono? Colheria frutos.


À frente mais areia para pisar. No deserto não se cultivam flores...
As aventuras irrequietas do passado formatam agora o caos que se afigura colossal, como escombros de mim mesmo a vagar.
O orgulho se desmorona; a exaltação se desmoraliza.
Resquícios de mágoas apodrecem; brotam sinais de arrependimento no lodo da incompreensão.
O sonho elabora um cântico que parece balouçar nos estertores da calma violada. Tento afagar a dor que insiste em repelir a suavidade; clamo pela ternura que, denotando neutralidade, dá-me as costas, insensível aos meus langorosos apelos. Do fundo da alma não emergem confortos de bálsamo; do coração exaurido não aflora uma prece consoladora.
Como extrair um milagre da areia cálida, onde a vida se confirma como apenas um enigma indecifrável?
Contemplo o céu sedento, sem nuvens a boiar. Firmamento límpido a cansar-me a mente esperançosa. Se ao menos pudesse apressar o passo...
Vem-me à mente, acuadas, nostálgicas sensações de diáfanos desprendimentos, saudosos solilóquios de muda e eloquente contemplação.
Sonhos desconexos invadem-me de assalto e permanecem pululando na consciência como peças de um quebra-cabeça que as emoções, atordoadas, desistiram de tentar montar.
Na etérea lassidão do meu coração sentimentos desarmonizados me embriagam, conturbando a frágil perenidade em que acredito e que me alimenta.
Tento, por uma fresta do tempo, dar uma espiadela no passado, mas uma densa bruma causa-me vertigens de desconsolo e náuseas de inoportuno desconforto. Sei que me resta a esperança, mas esta é um rio que corre solitário, sem afluentes e a expectativa de chegar à sua foz é uma ideia que amedronta.
Faltam-me as forças, deito-me exausto. Uma brisa suave me afaga; uma claridade rósea e lilás me envolve. Percebo agora, após lenta e estafante caminhada, que uma relva florida serve-me de aconchegante leito em forma de coração.
Relaxo e sinto um pulsar ritmado. Uma paz imensa me invade; uma luz argêntea me ilumina agora...
Deixo-me tomar pela calma e suavidade daquele momento. Olho em volta e reconheço meu corpo. Percebo que naquela busca ansiosa pela paz e felicidade, o conforto de que necessitava era o refúgio oferecido pelo meu próprio coração.
Fizera uma longa e cansativa viagem, mas o precioso alento estava ali mesmo, dentro de mim, pulsando ininterruptamente ? tum, tum, tum...

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Os primeiros raios de Sol, atrevidos, já penetram pela vidraça.
Os pássaros entoam seu cântico matinal, saudando a manhã que desperta como uma criança que, sentada no berço, esfrega o nariz com os punhos fechados para espantar um restinho de sonolência.
Uma renovada energia marca aquele momento de suave e poético reencontro. A vida retoma seu curso. A noite é só uma pausa. Pausa que restaura as forças e realimenta os sonhos. Sonhos que determinam o rumo e o ritmo da vida. Vida que se extingue e se renova, renascendo dos sonhos que fenecem enquanto se fortalecem, produzindo as cinzas-semente de áureo despertar; sonhos aonde você vem na minha direção. Onde posso avistar sua figura a caminhar ao longe, muito longe, no final desta extensa planície desértica que penosamente percorro.
Os sonhos morrem e renascem. Neste interminável sonhar busco a perenidade do meu sonho. Vou alternando longas caminhadas com rápidos descansos. A cada busca paro no meu coração. Nele eu relaxo, descanso, recomponho as forças, acordo e... vejo-me aqui, sentado diante da tela deste computador.