À SOMBRA DO FLAMBOIÃ

Por Lourdes Neves Cúrcio | 31/07/2009 | Contos

            Sentada ao pé de um frondoso flamboiã, fixo meu olhar em suas flores de uma tonalidade laranja, muito viva e vibrante, que esbanja alegria, energia e jovialidade. Com os olhos perdidos na árvore, fico imaginando que aquelas flores grandes e chamativas representam as alegrias de minha vida, a fé, a esperança, a saúde, a família, a amizade, etc. A cada ano, essas flores desabrocham com total beleza e vigor, servindo-me de estímulo, renovando minhas forças e tornando meus dias mais belos e amenos.

            Cada folha estorricada que se desprende do flamboiã representa as minhas esperanças perdidas, meus sonhos não realizados, minhas frustrações, desilusões e decepções. Antes, aquela folha de mau aspecto era verde, viçosa e se prendia segura ao galho, mas foi murchando e secando com o tempo, foi perdendo paulatinamente o viço e a vitalidade e acabou caindo por terra. A exemplo dessas folhas secas desprendidas da árvore e lançadas ao solo, devo também eliminar de meu interior todos os sentimentos sórdidos e negativos, como o ódio, o rancor, a inveja e a vingança, que empobrecem meu espírito e aniquilam a minha existência. Não há motivo algum para que esses terríveis sentimentos me atinjam e, muito menos, que permaneçam retidos em mim.

            O tronco que te ergue e te sustenta, flamboiã, representa para mim a garra, a persistência e a determinação que devo ter diante das atribulações da vida; vejo que você é uma árvore forte que resiste com firmeza às intempéries da natureza. Tal qual o vendaval que sopra violentamente e tenta derrubar-te; a chuva torrencial que tenta sufocar-te; o sol forte que insiste em queimar suas folhas e flores e a seca que muitas vezes tenta maltratar-te, surgem também em minha vida a dor, o sofrimento, a tristeza, o fracasso e o desânimo, mas eu não posso me deixar abater e tenho que me esforçar ao máximo para suportá-los com paciência e resignação e vencê-los com sabedoria. Penso então na primavera e nas muitas floradas que estão por vir, adquiro forças e sigo em frente.

            As gotas de orvalho que deslizam ao longo de seu tronco, flamboiã, são como as lágrimas que rolam insistentemente pela minha face quando relembro os momentos tristes já vividos. A sombra com que você a todos presenteia, indistintamente, representa as palavras de conforto, alento e otimismo com que devo presentear a meu próximo; você me mostra que não devo ser egoísta, mas devo repartir com meus semelhantes um pouco do que sou e do que tenho. Assim como vê, flamboiã, consegue retirar do solo a seiva que lhe dá sustento, também eu preciso retirar da vida todos os bons exemplos; como você foi um dia plantado e cultivado, devo também plantar boas sementes e cultivar dentro de mim sentimentos nobres como o amor, a amizade, a fraternidade, a justiça e a gratidão; assim como você necessita de terra, chuva e sol o suficiente para manter-se assim tão viçoso, preciso também do meu próximo, pois sou um ser gregário e, conseqüentemente, incapaz de viver isolado. As suas folhas secas que são levadas ao léu pelo vento e não mais retornam, são como as traições, ofensas, maledicências e injúrias por mim recebidas, as quais devo permitir que voem para bem distante, até que sejam totalmente dissipadas no infinito...

            Flamboiã, observo a firmeza de suas raízes e penso então que igualmente firme deve ser a minha fé, pois ela é a bússola que me norteia, fazendo com que eu prossiga meu caminho sem pensar em desistir, apesar dos inúmeros obstáculos que surgem inesperadamente. Assim como você recebe e absorve toda a energia da luz solar que o mantém saudável, devo também ser receptiva às oportunidades que a vida me oferece de fazer o bem e estender a mão aos que necessitam do meu auxílio. Assim como seus galhos bailam lentamente ao ritmo da brisa suave, eu quero me deixar embalar pelos sonhos mais puros e reconfortantes. Assim como você me escuta, silencioso e paciente, devo ouvir um pouco mais as pessoas que de mim se aproximam; às vezes, por falta de tempo ou até mesmo por desinteresse, eu sou incapaz de dar a essas pessoas um pouco da atenção de que elas necessitam.

            Diante de tudo isso, flamboiã, chego à conclusão de que você é para mim um belo exemplo de vida. Você já suportou inúmeras dificuldades ao longo de toda a sua existência, mas continua vigoroso, me abrigando em sua sombra, me inspirando e embalando meus sonhos. Por mais que o tempo passe, você não se degenera; seus galhos fartos são braços fortes e seguros, prontos para me proteger e me abrigar quando eu necessitar de um pouco de consolo e de refúgio.

            De repente, um barulho estridente interrompe subitamente meus pensamentos; olho ao redor e vejo uma revoada de pássaros se aproximando do flamboiã. Certamente eles vêm à procura de um abrigo seguro para a noite que se aproxima...