A SITUAÇÃO DE PRECARIEDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DO MARANHÃO

Por José Enéas barreto de Vilhena Frazão | 07/08/2010 | Direito

A SITUAÇÃO DE PRECARIEDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DO MARANHÃO .

José Enéas Barreto de Vilhena Frazão .

Sumário: Introdução; 1 Acesso à Justiça; 2 A situação da defensoria pública no estado do Maranhão; 3. Uma visita à defensoria pública do Estado do Maranhão 4. Uma análise dos dados divulgados pelo Ministério Público, acerca das defensorias públicas no país; 5. Conclusão. Referências Bibliográficas.

Resumo
Neste desenvolvimento visa-se demonstrar a atual situação da defensoria pública no estado do Maranhão, e verificar se esta tem desempenhado seu papel com a devida eficiência, fazendo também uma análise dos dados estatísticos divulgados pelo Ministério da Justiça, e analisando, ao longo do trabalho, as garantias constitucionais que dizem respeito à defensoria pública. Demonstrar-se-á também os dados obtidos em visita à defensoria pública do estado do Maranhão, feita no dia 06 de Novembro de 2008.

Palavras ? chave
Defensoria pública; Apanhado Histórico; Garantias constitucionais. Acesso à Justiça.

Introdução.

Inegavelmente, tem-se por defensoria pública, teoricamente, o meio mais eficaz de democratização da justiça e da garantia do acesso a esta por parte das populações mais necessitadas.
Antes de tudo, devemos lembrar que o direito de acesso à justiça por todos os cidadãos é em verdade uma garantia constitucional, já que se encontra prevista no artigo quinto da carta de 1988, que versa sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, mais precisamente em seu inciso LXXIV, que dispõe que "o estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Mais adiante, em seu artigo 134, a constituição reafirma o compromisso estatal de democratização do acesso à justiça, tratando da defensoria pública, quando diz que esta "é instituição essencial á função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5° LXXIV". Sobre esses direitos, tomamos palavras de Celso Ribeiro Bastos, que afirma que:
Dá-se o nome de liberdades públicas, de direitos humanos ou individuais, àquelas prerrogativas que tem o indivíduo em face ao Estado Constitucional ou do Estado de Direito. [...] Em nossa época é quase que obrigatório fazer constar em todo texto constitucional uma declaração de direitos que dizem respeito ao próprio homem.

Portanto, se a própria constituição federal trata de abarcar para si, enquanto lei suprema, matéria relativa ao acesso à justiça percebemos que tal é a importância desta, de modo que o legislador constitucional verificou a necessidade de incubrir-lhe com as garantias proporcionadas pela rigidez com a qual conta o texto constitucional. A matéria se torna ainda mais relevante quando levamos em conta a pobreza e a miséria em que se encontra imersa a maior parte da população.
Trazendo ao âmbito estatal, quando se fala da realidade maranhense, a situação é ainda mais complexa, já que falamos do estado mais pobre da federação. A constituição do estado do Maranhão reforça o garantismo de acesso à justiça democrático, já que em seu artigo 109 - que é de fato uma espécie de cópia do artigo 134 da constituição federal - diz que "a defensoria pública é instituição essencial á função jurisdicional do estado e incumbe-lhe a assistência jurídica integral e gratuita, bem como a representação judicial em todas as esferas e instâncias daqueles que, na forma da lei, sejam considerados necessitados".
Reconhecendo a importância funcional da defensoria pública, e seu status de garantia constitucional em âmbitos federal e estatal, o presente desenvolvimento tentará fazer uma análise da defensoria pública no estado do Maranhão, com base em dados estatísticos do ministério da justiça e da defensoria pública do próprio estado, porém, faremos antes, um apanhado histórico.

1. Acesso à justiça.

Em palavras de José Renato Lanini, em artigo intitulado Novas perspectivas no acesso à justiça, temos que:
Por acesso à justiça vinha-se entendendo, até recentemente, o acesso aos tribunais. Uma constituição cujo preâmbulo abriga a intenção de instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos e elege a justiça como um dos valores supremos de uma sociedade que se pretende fraterna e pluralista, não poderia também deixar de assegurar a inafastabilidade do controle jurisdicional.

Caio Márcio Loureiro, em brilhante colocação, completa o sentido do termo em questão, quando nos coloca que:
Seria medíocre pensar que o termo acesso à justiça gozasse apenas da significação de direito de acesso ao Poder Judiciário. Seria cômodo demais para o estado assegurar o acesso ao órgão sem ter que se preocupar com o resultado.

Nas palavras de Mauro Cappelletti, encontramos conceituação perfeita do que seria realmente o acesso á justiça, quando este nos coloca que:
O acesso á justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental ? o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.

Resume bem toda a questão do acesso à justiça Augusto Tavares Rosa Marcacini, quando lembra que:
Por acesso á justiça, assim, não se resume o mero ingresso em juízo. Outros fatores mais se fazem necessários, a fim de que, ingressando em juízo, do processo resulte uma solução justa para o conflito.

Como já foi mencionado, o acesso á justiça é um direito de todos que se encontra assegurado tanto na constituição federal quanto na estadual, e se dá por meio da instituição conhecida como defensoria pública.
Em comentários tecidos ao artigo 134 de nossa constituição federal, Manoel Gonçalves Filho observa que:
Aqui está a contrapartida do art. 5°, LXXIV, desta constituição. Este incumbe o estado de prestar assistência jurídica gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Tal assistência, segundo o desígnio constitucional, deve, em princípio, ser desempenhada por um corpo especial de advogados integrados numa instituição, a defensoria pública.

Portanto, temos por defensoria pública, a instituição responsável pela preservação do caráter democrático da justiça estatal, garantindo a todos o acesso a esta. Nas palavras de Marina Mezzavilla Verri, temos que:
A defensoria pública está prevista no artigo 134, da Constituição Federal de 1988, como "instituição essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5°, LXXIV". Assim é direito do cidadão com menos recursos, de natureza financeira, a prestação jurídica integras e gratuita. O estado deve garantir esse direito através de instrumentos adequados.

Sabemos que o instrumento por meio do qual há a efetiva distribuição da justiça estatal é o processo, que segundo as palavras de Pierre Bourdieu, é "um progresso ordenado com vista à verdade" , este é portanto, o caminho, o procedimento que leva à obtenção da justiça estatal. No entanto, como lembra Antonio Carlos de Araújo Cintra: "Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo" , e diz ainda:
Para que haja o efetivo acesso à justiça, é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis a restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos). Mas, para a integridade do acesso à justiça é preciso isso e muito mais.

Para que haja o efetivo acesso á justiça, acesso este por meio do processo, o autor supramencionado afirma necessária a eliminação de algumas dificuldades e inconveniências presentes no processo, sendo necessário, dentre outras medidas, eliminar as dificuldades econômicas que impeçam ou desanimem os indivíduos a litigar ou venham a dificultar o oferecimento de defesa por estes.
Desta forma, otimizar-se-ia o acesso à justiça e possibilitar-se-ia aos menos favorecidos o ingresso mais eficiente a este.

2. A situação da defensoria pública no estado do Maranhão.

Tomando em consideração o elevado grau de pobreza existente em nosso país, e mais sensivelmente percebido em nosso estado, o Maranhão, sabe-se que a grande maioria da população não tem condições de contratar por conta própria um advogado, e não dificilmente, temos indivíduos que sequer tem conhecimento de seus direitos e garantias fundamentais, e ambos estes fatores impossibilitam o exercício pleno da cidadania e o reclame de seus direitos, dificultando seriamente o acesso á justiça por parte dessa parcela da população.
No estado do Maranhão, a defensoria pública foi efetivamente instalada no ano de 2001, embora desde 1994, a Lei Complementar 19, tenha regulado o seu funcionamento, com a criação de 85 cargos de defensor público.
Devemos frisar que, em um estado que já tem cerca de 6.184.538 habitantes (2006), ainda que todas estas vagas fossem devidamente preenchidas, não teríamos nem de longe uma quantidade razoável de defensores que suprissem satisfatoriamente as necessidades do estado, sendo caracterizada, desta forma, uma situação de deficiência da defensoria pública em no estado, demandando pela abertura de mais vagas supridas por meio de concurso público.
No ano de 2005, no entanto, feita uma análise das defensorias públicas dos estados federados pelo Ministério da Justiça, percebeu-se que a situação do Maranhão é deveras alarmante, pois, contando com somente 84 vagas, destas, somente 37 se encontravam preenchidas com defensores públicos ativos, havendo 47 cargos vagos, tendo-se somente uma taxa de 44% de preenchimento.
Os governos que se sucedem no estado e nada fazem para resolver tal situação sempre lançam mão do mesmo discurso para justificar-se diante de tamanha precariedade de nossa defensoria pública, alegando sempre falta de recursos para ampliação das vagas e abertura de concurso público para seu preenchimento. Diante da omissão do governo, as garantias constitucionais previstas na carta estadual, e também na carta federal vão sendo deixadas em segundo plano, esquecidas no mais das vezes, sacrificando os direitos do povo, do homem pobre, dificultando severamente, e até mesmo impossibilitando o seu acesso à justiça.
No ano de 2005, tínhamos uma média de 119.802 habitantes para cada defensor na ativa. Tais números deixam claro a impossibilidade de atendimento a todos por este mesmo defensor, o que nos leva à lógica conclusão de que, a maior parte destes indivíduos permanecerá às margens da justiça que demandam.
Esta é, em uma rápida pincelada, a situação da defensoria pública maranhense, ineficaz, insuficiente, não podendo nem de longe satisfazer as necessidades de nosso estado por completo.

3. Uma visita à defensoria pública do Estado do Maranhão.

No dia 06 de Novembro de 2008, tivemos a oportunidade de fazer uma visita à defensoria pública do Estado do Maranhão, com a finalidade de colhermos alguns dados e de compreendermos melhor o seu funcionamento. Desenvolvemos um formulário no qual constava os seguintes campos: Remuneração do defensor; quadro efetivo / distribuição do quadro efetivo; perfil da clientela da defensoria pública, e perfil jurídico das demandas. Este tópico de nosso desenvolvimento contém as conclusões que tiramos com esta pesquisa.
Primeiramente, percebemos que a remuneração média do defensor, com relação às outras carreiras jurídicas, no Maranhão, é de fato bem baixa, chegando a um teto de seis mil reais por mês, o que denota verdadeiramente um descaso para com uma profissão que possui uma função social das mais relevantes.
Tivemos acesso à informação de que, como um todo, somente 46 defensores atuam no maranhão, em atualização aos dados expostos no tópico anterior, provenientes do Ministério da Justiça, no entanto, alguns deles se encontram afastados por motivos como tratamento de saúde, atividades partidárias e processo de aposentadoria. Somente 10 defensores atuam no interior do estado.
Outro dado que não nos causou espanto, com relação ao perfil da clientela da defensoria pública: Em sua maioria, é proveniente das periferias, não tendo portanto condições de arcar com as custas de um advogado particular.
O perfil jurídico das demandas nos mostrou que, em sua maioria, são demandas nas áreas do direito de família, cível, criminal, e em outras duas que vem crescendo, como do direito do idoso e do direito à moradia.

4. Uma análise dos dados divulgados pelo ministério público, acerca das defensorias públicas no país.

Foram divulgados pelo Ministério da Justiça, dados relativos ao ano de 2005, nos quais percebemos que, a precariedade demonstrada pela defensoria pública no estado do Maranhão é na verdade um mal a nível nacional, agravado seriamente em alguns estados. O estado do Maranhão, no entanto,o estado da Bahia, e os estados do Rio Grande do Norte e de São Paulo são os que apresentam as piores relações defensor público/população alvo, ultrapassando o número de mais de cem mil indivíduos a serem atendidos por cada defensor. No estado do Rio Grande do Norte, temos que cada defensor público deverá suprir as necessidades de 718.282 habitantes, o que sabemos, configura impossibilidade material.
A própria União se encontra em situação de precariedade, quando falamos em números, já que em 2005 tinha somente 106 defensores para atender 119.486.992 indivíduos, o que gera uma relação de 1.127.236 deles para cada defensor.
O estado de São Paulo se apresenta também em pior situação em relação ao nosso, já que com 87 defensores na ativa, deve abarcar as necessidades de 23.252.323 habitantes alvo, resultando em um grupo de 267.268 indivíduos a serem atendidos por cada um de seus defensores, mais uma vez, uma situação de enorme discrepância.
Dentre os estados federados, o que se encontra em melhores condições é o estado do Amapá, que em 2005 tinha 91 defensores para 358.905 habitantes ? alvo, resultando na melhor média nacional, de 3.944 habitantes para cada defensor, número bem inferior ao nosso.
O estado do Amapá é seguido pelos estados de Roraima, Paraíba, e mato Grosso do Sul como estados de melhor relação defensor/público alvo, com respectivamente 6.464, 7.685, e 9.837 habitantes para cada defensor. Ainda não são números excelentes, mas se encontram de fato em posição infinitamente superior ao nosso estado, e a estados como Bahia, Rio Grande do Norte e São Paulo. Até mesmo os nossos vizinhos do Piauí se encontram em melhores situações que as nossas, com 39.403 indivíduos para cada defensor.
Diante de toda essa situação exposta, não nos resta outra alternativa senão esta de concordar com as palavras de José Renato Nalini, quando este afirma que:
O judiciário de vê acusado de atender a uma faixa cada vez mais estrita da comunidade. Os despossuídos encontram suas portas cerradas. Os poderosos não se curvam à lentidão dos processos convencionais. O povo desacredita de sua justiça.

Em um estado que não consegue suprir as garantias presentes em sua própria constituição, o que há de se esperar senão injustiças que surgem em um contexto no qual somente os mais abastados logram real acesso á justiça, pelos seus próprios meios, e onde os mais despossuídos ficam á margem do acesso á justiça que tanto almejam.
Garantir o bem-estar econômico e social é uma das finalidades do estado, estando dentro deste rol de obrigações estatais justamente a garantia geral de acesso á justiça. Como verificamos nas palavras de Kildare Gonçalves Carvalho:
O bem-estar econômico e social é outra finalidade do estado. O que se objetiva é a promoção das condições de vida dos indivíduos, garantindo-lhes o acesso aos bens econômicos que permitam a elevação de camadas sociais mais pobres, contemplando-as com educação, saúde, habitação, entre outros serviços.

Dentre esses outros serviços de que nos fala o autor supramencionado, está, exatamente, o de prestar assistência jurídica àqueles que não tiverem condições financeiras de arcar com tais custos. Esta é, sem qualquer dúvida, uma função estatal imprescindível ao bem-estar social.

5. Conclusão.

Em âmbito estadual, assim como em âmbito federal, encontramos garantias em nível constitucional que asseguram teoricamente o acesso à justiça pelos que não tenham, na forma da lei, condições de arcar com as custas de um advogado particular. No entanto, da forma como demonstramos neste trabalho, esta é uma garantia que não se efetiva materialmente, vez que não há, em nenhum dos estados federados, quantidade suficiente de defensores públicos, que atendam às necessidades da população, deixando às margens de um efetivo acesso à justiça a esmagadora maioria dos indivíduos.
Em nosso estado, 30 dos defensores que temos se encontram lotados na capital, deixando uma esmagadora parcela da população nos interiores contando com uma ínfima parcela dos defensores que temos, havendo muitos municípios sem sequer um defensor público.
Para que haja o efetivo acesso á justiça, que como já verificamos, não se confunde com o mero ingresso das partes em um processo, será necessária uma ampla reforma nas defensorias públicas, com abertura de vagas de defensores e melhorias em seus subsídios sob caráter de incentivo, para que se amplie quantitativa e qualitativamente o quadro das defensorias públicas, possibilitando materialmente as garantias que já tanto citamos, e que são imprescindíveis a indivíduos que na maior parte dos casos sequer tem conhecimento de seus direitos. Portanto, a nosso ver, acesso à justiça se caracterizaria não somente pela ampliação do quadro das defensorias, mas também na informação e na conscientização da população para que conheça, lute e exija seus direitos, e, inclusive, deve-se frisar, esta instrução acerca dos próprios direitos deveria ser disponibilizada gratuitamente pelo estado, de forma igualitária para todos, garantia prevista inclusive na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art.21. II) , onde tem-se que "Todo homem tem igual direito de acesso ao serviço público de seu país".
Os entraves ao acesso à justiça podem inclusive ser combatidos com medidas bastante simples, que não dependem somente de iniciativas tomadas pelo estado, como é o caso da história que segue:
Ao chegarem na comarca de Santarém para assumirem varas cíveis, as juizas Antonieta Mileo e Luana Santalices depararam com antigos problemas do judiciário: acúmulo de processos, deficiência de recursos materiais, poucos funcionários, e uma enorme distancia cultural em relação aos jurisdicionados. Sensíveis a essas questões e procurando viabilizar o acesso à justiça da comunidade rural e ribeirinha de Santarém, as magistradas, com o apoio de órgãos dos poderes Executivo e Legislativo, bem como a sociedade civil, conceberam e implementaram o programa justiça e comunidade. A iniciativa consiste no mapeamento das localidades que necessitam da presença do Poder Judiciário e das ações de cidadania, objetivando, além da tutela jurisdicional, serviços essenciais aos cidadãos, como expedição de certidões de nascimento [...]

Iniciativas como esta, multiplicadas Brasil a fora, de certo não sanariam completamente o problema do acesso à justiça, no entanto, o tornariam mais ameno, e beneficiariam imensamente aqueles que mais precisam não só de justiça, como também de dignidade humana neste país.

Bibliografia.

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