A Semente
Por Salvador Mario Camphora | 31/07/2010 | ContosMais um dia se passa, chega ao fim mais uma jornada de trabalho duro, estafante mesmo, mas ele ia embora contente, afinal era o ultimo dia de trabalho na semana e ele já vislumbrava a noitada que teria pela frente, a balada seria quente naquela noite. Já estava tudo combinado com Jù sua namorada de longo tempo. Entrou em casa apressado e seu primeiro ato foi ligar a TV. Depois preparou um lanche bem servido, caprichado mesmo e se sentou no sofá da sala em frente à mesma assistindo o programa policial enquanto comia. No outro aposento sua mãe passava a roupa que ele iria vestir depois do banho e o recrimina por comer diante televisão ainda mais sujo daquele jeito, além do que ela achava aquele programa violento demais, é só crime, crime, crime, não mostra nada que se aproveite nada que preste. Jonilson ri, mas no fundo concorda com a mãe, pois no pouco tempo que ali estava já presenciara três crimes cometidos contra mulheres, todos sem solução até aquele momento e todos apresentando os ex-namorados como suspeitos. Entre eles o que mais chamou sua atenção foi o caso de uma modelo que estava desaparecida há um bom tempo e que era considerada como morta pela policia que inclusive já mantinha preso o ex- namorado da vitima. O seu maior interesse neste caso foi pelo fato de que o suspeito era um cara famoso, um jogador de futebol cogitado até para ser goleiro da seleção brasileira, já que ate pouco tempo atrás ele era titular no gol de um grande time do Rio de Janeiro, time este que é o atual campeão brasileiro. Jonilson ficou indignado com esse rapaz e pensou com seus botões; pô se eu ganhasse a grana que esse cara ganha, quase quinhentos mil por mês eu la ia querer matar a namorada, eu ia mais é curtir a vida rodeado de mulheres, uma nova a cada dia. Acabado o lanche Jonilson tomou seu banho, vestiu as roupas que dona Eni sua mãe acabara de passar, abusou do perfume e saiu para a rua. Ia cantarolando todo feliz, pois ia ao encontro de Jù, a morena que ele adorava de paixão, que ele idolatrava a mulher que ele dizia para todo mundo que seria sua para sempre. Porém mal sabia ele que o destino estava prestes a lhe pregar uma peça, a lhe dar um tombo. Chegando em frente ao prédio onde ela fazia o cursinho de inglês seu rosto se fechou, a alegria foi embora dando lugar ao mau humor. Judith, este era seu verdadeiro nome estava sentada na calçada toda sorridente, toda prosa ao lado de Beto seu colega de curso. Embora ela estivesse só conversando e não estivesse fazendo nada de mais Jonilson sentiu uma coisa estranha dentro de si, é como se uma semente tivesse desabrochado dentro do seu peito e o ciúme aflorou assim de repente. Quando ela o viu levantou-se e correu em sua direção toda alegre, porem o veneno da desconfiança já se esparramara por entre as veias de Jonilson e ele mal a cumprimentou, apenas segurou sua mão e saiu caminhando quase a arrastando rua á fora. Desde deste dia as coisas entre eles nunca mais foram como antes, a magia do amor, a alegria de estarem juntos perderam suas forças e deram lugar a constantes brigas e discussões. Quando iam ao cinema brigavam, quando iam a uma balada brigavam, se iam a uma igreja discutiam, pois o ciúme dentro dele crescia dia após dia. Embora ela nunca tivesse feito nada para desabonar sua pessoa a desconfiança de Jonilson era crescente e ele nunca estava contente com nada. Às vezes nem ele mesmo entendia o porquê, pois ele a amava demais, a imaginava sua para sempre, não cogitava jamais viver sua vida sem ela, então porque esse inferno, porque esse ciúme doentio que nem o deixa dormir mais, o faz ter pesadelos terríveis, o faz sonhar que esta sendo traído por Jú, que esta sendo abandonado por ela. Só que tudo na vida das pessoas tem limites, inclusive na vida de Judith por isso mesmo ela resolveu por fim no namoro entre eles, pois já estava cansada de sofrer humilhações impostas por ele, afinal ela não podia mais ter amigos, não podia mais sair sozinha, teve que largar o cursinho de inglês, uma coisa tão sonhada por ela, pois seria ótimo para o seu currículo já que ela exercia a profissão de secretaria e afinal se Jonilson estava agindo assim agora, imagine depois de estarem casados o inferno que não seria, fora o emprego dela que estava a perigo por causa dos chiliques dele. Não, não dava mais, já estava resolvido, á noite ele chegando ela iria colocar tudo em pratos limpos pondo um fim a tudo isto. Dito e feito, quando Jonilson chegou ela expos a ele seus argumentos, suas razões e terminou a relação que existia entre os dois. Naquele momento Jonilson até que aceitou os motivos que ela lhe apresentou e os aceitou numa boa, embora bastante contrariado. Porém com o passar dos dias ele não conseguia esquecê-la e sua mente corroída pelo ciúme doentio começou a martelar um pensamento sórdido que a ocupava por inteiro, pois ele pensava: se ela não me quer mais é por que tem outro, só pode ser por isso. Um desejo incontrolável de vingança foi se formando dentro dele e daí em diante ele passou a ser um assíduo telespectador dos programas policiais não por ser um fã ardoroso, mas sim para buscar inspiração para a sordidez que ele estava para colocar em pratica. Jonilson estudava caso a caso, analisava com cuidado os erros cometidos pelos assassinos que se achavam inteligentes o suficiente para cometer um crime perfeito. Quando finalmente se acha totalmente apto para realizar seu projeto Jonilson se lança a ele de unhas e dentes. Primeiro compra uma arma, com o numero raspado é claro, afinal ela não vai ser registrada mesmo, depois procura um local que seja adequado para a desova, quem sabe uma mata fechada onde possa fazer uma cova ou um lago que seja profundo, qualquer coisa assim desde que seja um lugar ermo, um fim de mundo. Depois pede férias no emprego, haja visto que as mesmas estavam para vencer mesmo depois marca passagens e faz reservas em uma pousada no litoral paulista, um lugar distante de suas origens pois ele não podia dar na vista, teria que ter um álibi perfeito, nada poderia dar errado, seu plano não poderia apresentar nenhum defeito. Depois começa a freqüentar noitadas, festas, baladas rodeios, qualquer coisa em que pudesse ser visto no meio povo ele estava presente, até a boate da Dri o puteiro mais famoso da cidade ele passou a freqüentar, pois tinha que passar uma imagem boa para as pessoas, tinha que mostrar que mesmo sozinho ele estava numa boa, que o fato de Jú não estar mais em sua companhia não o afetava em nada. A única coisa que Jonilson ignorava é que o destino, aquele mesmo que nos prega peças e nos derruba é o mesmo que nos levanta e nos mostra o caminho correto. O fato é que numa dessas passagens pelo puteiro ele se deparou com a pessoa que tinha começado todo o seu tormento, que tinha estragado toda a sua vida ao lado de Judith que até pouco tempo atrás tinha sido tão boa. Tratava-se de Beto aquele mesmo que ele encontrara sentado na calçada ao lado de Jú quando ele fora busca- la no curso. Aproximou-se da mesa que se situava no canto escuro da sala onde o rapaz estava resolvido a tirar satisfação com o mesmo, mas qual não foi sua surpresa ao vê-lo todo maquiado e vestido com roupas femininas. Mas que conversa é essa perguntou mais curioso do que irritado, não me vá dizer que perdi minha namorada para um viado? Não bofe, respondeu Beto de pronto com a voz toda melada, sente ai que eu te conto. Você perdeu Jú para você mesmo, para a sua ignorância, pois naquela noite em frente à escola arrastou Judith com crueldade sem me dar bola, nem ao menos me deixou ser apresentado. Sabe moço se tivesse tido um pouco mais de paciência saberia que sou homossexual e que minha convivência com Jú é da mais pura amizade, pois da fruta que ela gosta engulo até o caroço. Envergonhado que estava Jonilson baixou a cabeça colando o queixo ao pescoço, pensando na burrice que estava prestes a fazer. Bom moço que era um rapaz trabalhador estava jogando sua vida no lixo, indo ao fundo do poço sujeito a vivê-la como bicho, sempre acuado sempre com medo tentando esconder um segredo. Foi assim que finalmente percebeu que não era Judith a perdedora, não era ela a pecadora. Resolveu então que a deixaria em paz, quem sabe um dia Jú o perdoasse por tudo o que tinha desejado a ela, inclusive a morte. Porém o que mais importava naquela hora é que uma nova semente estava germinando dentro dele. A semente do arrependimento.