A Semântica de Contextos e Cenários
Por Camila da Fonsêca Aranha | 18/01/2011 | EducaçãoFERRAREZI JR., Celso. Semântica para a educação básica. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
A Semântica de Contextos e Cenários:
Considerações acerca do tema
A Semântica de Contextos e Cenários (SCC) é um ramo particular da Semântica que difere da vertente formalista, preocupada em estudar o significado propriamente dito ? mesmo não sabendo ao certo o que é, de fato, o significado. Dessa forma, a SCC nega que o significado em si seja o objeto de estudo da semântica, uma vez que defende que as manifestações linguísticas do significado ? isto é, os sentidos ? é que se constituem enquanto objeto de estudo da semântica e, mais especificamente, desse ramo em especial.
Assim sendo, a SCC postula que o significado "é um objeto ainda desconhecido em sua totalidade, mas concebido como tendo natureza neurológica, um objeto do nível da cognição ?pura?" (FERRAREZI JR., 2008, p. 22), sendo ativado pela linguagem no plano neurológico. Os sentidos, por sua vez, correspondem aos conjuntos de traços de significado culturalmente construídos, estabelecendo uma ponte entre os elementos linguísticos propriamente ditos (sons de palavras, morfologia e outros elementos gerais da enunciação) e os elementos e eventos dos mundos ? real e fictício ? representados pela língua ? uma vez que a SCC toma como base a ideia de que uma língua natural é um sistema de representação do mundo e de seus eventos.
Em suma, conforme as palavras de Ferrarezi Jr. (2008, p. 22):
[...] os sentidos são sempre construídos em função do conjunto de informações culturais do falante e de sua comunidade, a semântica, necessariamente, será um estudo que se relaciona com os fatos culturais representados pela língua natural.
Para se que possa compreender de que modo ocorre a constituição do sentido em um processo interacional, a SCC aponta que existem alguns princípios norteadores para tanto, mas que, no momento, não é pertinente tratar de todos eles. O importante, de fato, é comentar acerca da relação do sinal-palavra, do contexto e do cenário enquanto elementos constituintes do processo de constituição de sentido. Ressalte- se que o sinal-palavra é definido enquanto a palavra em si ou outros elementos a ela associados no processo representativo; o contexto é tudo o que vem antes e tudo o que vem depois do sinal-palavra dentro do texto; e o cenário constitui-se como "o conjunto de conhecimentos culturais e [...] todos os fatores relevantes do ponto de vista dos interlocutores para a especialização dos sentidos dos sinais" (FERRAREZI JR., 2008, p. 26).
Segundo o princípio da especialização dos sentidos, o "sinal-palavra somente se especializa em um contexto e o sentido do contexto somente se especializa em um cenário" (FERRAREZI JR., 2008, p. 26). Se for tomado, por exemplo, a palavra coisa, verifica-se que não se sabe ao certo qual o seu sentido, mas se a palavra for inserida em um contexto e em um cenário, ficará mais fácil compreendê-lo ? ou compreendê-los, pois, dependendo do contexto e do cenário, esse sinal-palavra coisa assumirá diferentes sentidos.
(1) Alguém chega, vê seu amigo segurando uma arma e diz:
Que coisa é essa que está na sua mão?
(2) Uma amiga está conversando outra e diz estar furiosa porque o namorado esqueceu de buscá-la na faculdade e diz:
Aquele coisa me paga! Me deixou esperando 2 horas aqui!!!
(3) Dois amigos que não se viam há muito tempo se encontram e um deles relata que perdeu sua avó há 2 meses. O outro, em seguida, diz:
São coisas da vida, fazer o quê?
(4) Dois amigos conversando a respeito de um ato de vandalismo na universidade. Um deles pergunta quem havia feito isso e o outro responde:
As Coisas da vida, você sabe, né?
Percebe-se que, em (1), existe o que se chama de sentido menor, que corresponde àquele sentido tomado como inerente a uma palavra, aquele sentido costumeiro associado a ela por determinada cultura. Via de regra, pode-se afirmar que o sentido costumeiro da palavra coisa é o de algum objeto, tal qual está explicitado no contexto e cenário do exemplo (1).
Em (2) e (3), de modo contrário, encontra presente uma espécie de sentido médio, uma vez que é especializado pelo contexto e pelo cenário, somente sendo compreensível pelo conhecimento desses dois elementos. Em (2), pois, percebe-se um sentido atribuído à palavra coisa de pessoa, ser humano, mas em tom pejorativo. Em (3), de modo similar, existe uma especialização não completa, mas mais específica que em (1), haja vista que o sentido atribuído à palavra "coisas" refere-se aos fatos alheios a nossa vontade que acontecem na vida.
Por fim, em (3), há um sentido maior, isto é, aquele totalmente especializado, completamente dependente do contexto e do cenário. Nesse dado, as "Coisas da vida" não são acontecimentos fortuitos e casuais como em (3), mas pessoas específicas que realizaram o ato de vandalismo. Coisas, pois, está sendo empregado no pejorativo em virtude ? infere-se ? da frequência de atos daquela espécie que elas estão acostumadas a cometer.
No que se refere a minha experiência de ensino de língua materna, mais especificamente ao ensino de Semântica, o que recordo apenas eram de nomenclaturas de classificação dos fenômenos semânticos, mas sem a devida e extensiva explanação e conceituação do que, de fato, seriam eles ? hiponímia, hiperonímia, homonímia, polissemia, etc. Nada ficava claro, eu não sabia diferenciar semântica de morfologia ou ainda de sintaxe ? tudo confundia minha cabeça.
Enquanto futura professora de Língua Portuguesa, sei que não ministrarei aulas ? inclusive de Semântica ? sob uma perspectiva mais tradicional. Compreendo que, de certo modo, serei limitada às exigências escolares, mas reconheço que também possuo minha liberdade intelectual dentro de sala de aula. Assim sendo, procurarei , sim, ensinar as classificações semânticas, entretanto, antes mesmo de nomeá-las acredito ser mais importante que o aluno entre em contato com textos que contenham esses fenômenos, para que ele possa reconhecê-los e, simultaneamente, se familiarizando com eles. Após este primeiro momento que eu poderia, então, iniciar com a parte das nomenclaturas dos fenômenos.
Dessa forma, ao ser capaz de enxergar de forma mais ampla a significação dos fenômenos semânticos, o aluno compreenderá melhor os próprios fenômenos lingüísticos, podendo, também, aceitar de modo mais abrangente as variantes ? os variedades ? linguísticas de modo menos preconceituoso. A mudança tem que ser feita nas escolas, ou melhor, inicia nelas, e o responsável ? ou, pelo menos, o responsável por iniciar esse processo ? é, sem dúvida o professor.