A SANTA FOME
Por Helio Leite | 16/08/2009 | PoesiasA SANTA FOME
Helio Teixeira Leite
H |
oje é dia da Santa Fome
e teu altar estar armado.
A lamparina é tua vela,
que arde, noite a noite,
noite adentro,
iluminando a sala, o quarto,
em vez do azeite, pus querosene.
A fumaça não é incenso.
A fina sensação de dor,
no estomago,
é quem te anuncia,
É hora de rezar.
O terço vai começar
A fina sensação de dor,
no estomago;
é que me faz lembrar;
sou gente,
de carne
e muito, muito, ossos.
Esses que tentam perfurar a carne,
mas, também, estão muito fracos,
não conseguem rasgar
a pele flácida, escamosa,
fedida,
sem vida.
Nem tudo é desesperança
porque tenho água pra beber.
Choveu ontem
e amanhã, no barranco,
irei apanhar
água de cor, cheiro e sabor.
Tem cheiro da carne morta
De quem um dia perambulou pelos campos.
Não tem a cor da pele do santo,
pendurado na parede de pau-a-pique,
tem o gosto de terra;
da terra,
eterna mãe dos pobres.
No Alto coloco minhas esperanças,
porque do céu vem, amanhã, as graças de Deus,
ou, num dia,
quando meu candidato ganhar.
Quando esse dia chegar
vou ter a tão esperada cesta básica.
Básica para quem tem,
essencial para os que não têm.
Meu candidato é homem bom,
generoso,
honesto
e não há de me faltar.
Não é como aquele outro que na eleição passada,
passou, ganhou e não voltou.
Não! ele é homem bom
e não há de me faltar.
Deixa tudo isso pra lá
porque hoje é dia de Santa Fome.
O altar está armado
De capim tiririca,
Flores Maria Fedida.
A lamparina é tua vela,
que arde,
noite a noite,
noite adentro,
iluminando a sala,
o quarto,
em vez do azeite,
pus querosene.
A fumaça não é incenso.
A fina sensação de dor,
no estomago,
é quem te anuncia.
É hora de rezar.
O terço vai começar.
Talvez um lambari eu coma,
uma batata qualquer,
que germine na terra,
espontaneamente.
Porque forças pra plantar
eu não tenho;
as lombrigas não permitem,
as pernas não resistem.
O trabalho na terra é ardente,
penoso,
sofrido,
ingrato.
Espero o chão ser fértil
pra pari alimentos,
mas, só há ralo capim,
mato,
areia
e cheiro de morte
que rodeia:
os cantos,
o meio,
a frente das vidas
que por aqui
são devotos
da gloriosa Santa Fome.
A Santa Fome
é piedosa,
é companheira,
é generosa,
mata aos poucos
um a um.
Acompanha-me
como acompanhou meus parentes,
geração a geração.
Sinto pena dos meus filhos.
Esses não acreditam em nada,
foram embora pra cidade grande.
Não têm fé
moram embaixo de pontes,
no Bairro Boca de Fumo.
A filha vai me dar um neto
parece que é filho de gente grande
é de um tal de traficante.
Oh! Santa Fome proteja a minha gente.
Pagar-te-ei promessa,
descalço andarei,
como tenho andado,
quilômetros e quilômetros
com uma pedra bem grande
pendurada no pescoço.
Rezarei o teu terço:
Mãe Fome venha a nós o teu reino.
Seja feita a tua vontade na terra...
a tua benção de cada dia, dar-nos hoje.
Perdoas aqueles que te ofenderam
Comendo e comendo
E caíram em tentação,
Mas, livra-nos do mal
Amem.