A saga do Zé Tranqueira

Por Raul Santos | 20/08/2010 | Poesias





PACTO COM O DIABO
(A Saga do Zé Tranqueira)
Raul Santos


Zé Tranqueira, o Matador,
Matava pra ver cair,
Estuprava e assaltava
Só para se divertir,
Pobrezinho do coitado,
Se um vivente descuidado
Nas suas mãos fosse cair.

Certo dia, Zé Tranqueira,
Num sufoco se encontrou,
Quando pensava escapar,
Da polícia, ele escutou
Uma voz a lhe dizer:
"? Vim aqui lhe defender,
Porque poderoso eu sou!..."

Zé Tranqueira respondeu:
"? De poderoso eu me gabo,
Mostra a cara só pra ver
Se depressa eu não lhe acabo!..."
Ouviu o outro dizer:
"? Você não vai me vencer,
Porque eu sou o diabo!..."

"? Se você me der sua alma,
Ninguém mais vai lhe pegar!..."
Zé Tranqueira respondeu:
"? Eu posso até concordar,
Mas, primeiro, eu quero ver
Se você pode fazer
A tarefa que eu vou dar!..."

"? Peça tudo o que quiser,
Que eu não vou me acovardar!..."
Zé Tranqueira levantou
Uma perna para o ar,
Soltou um pum estrondoso
E gritou para o tinhoso:
"? Agora, vá lá, pegar!..."

O demo saiu pulando
Por todo canto da sala,
Rodava por todo lado
Mais veloz do que uma bala,
Deu um pulo e parou,
Para o Zé Tranqueira olhou
Já quase perdendo a fala.

Para poder atender
A imposição caprichosa,
As mãos, em concha, fechou,
E mostrou-lhe, muito prosa,
O Zé Tranqueira espiou
E, desdenhoso, falou:
"? Agora, pinta de rosa!..."

Zé, numa fuga, encontrou
Uma aranha no caminho,
E, pensou: "? Não vou pisar
Num bicho pequenininho!
Na corrida, ele saltou
E, no salto, ele deixou
Vivo o inocente bichinho.

Mas, por mais que fosse esperto,
No muito que ele correu,
Cercado dentro da mata,
A maioria venceu,
Não valeu sua perícia,
Nos tiros com a polícia,
O Zé Tranqueira morreu.

Foi direto para o céu
E logo tentou entrar,
Mas, São Pedro lhe falou:
"? Pra você não tem lugar,
A falta de caridade
No seu reino de maldade,
Em nada vai lhe ajudar!..."

Zé Tranqueira foi chorar
O pranto do arrependido,
São Pedro, penalizado,
Lhe disse: "? Filho querido,
A sua oportunidade
É ter feito uma bondade
Na jornada de bandido!..."

Zé foi buscar na memória
De sua vida tacanha
As pessoas que sofreram
Os horrores da sua sanha,
E, por mais que ele tentasse,
Por mais que ele procurasse,
Só se lembrava da aranha.

Ele achou que caridade
Fosse algo diferente,
Que salvar um pobre inseto
Nem fosse coisa de gente,
Mesmo assim, secou o pranto
E, depois, contou pra o santo
Aquele gesto inocente.

A aranha, no mesmo instante,
Na frente dele surgiu,
Bem diante dos seus olhos,
Dependurada num fio,
Disse o santo: "? Filho amado,
Suba no fio, com cuidado,
É a solução que pediu!..."

Com toda a delicadeza,
Foi começando a subida,
Quando, sentada num canto,
Uma outra alma desvalida
Lhe pediu com humildade:
"? Amigo, por caridade,
Ajude-me, estou perdida!..."

"? Você se lembrou da aranha
Que recusou de matar,
Meu viver foi tão perverso
Que nem consigo lembrar
De um fato tão pequenino
E, neste triste destino,
Como é que vou me salvar?..."

Zé Tranqueira retrucou:
"? Como é que vou permitir
Você subir neste fio,
Não vê que vamos cair?
Ele é fraco e não agüenta,
Com pouca coisa arrebenta,
Sai pra lá, que vou subir!..."

O outro, desesperado,
Tentou no fio agarrar,
Zé Tranqueira o empurrou
E puseram-se a lutar
Com dentadas e empurrões,
Com socos e bofetões,
Um querendo o outro lograr.

Nos tapas e pontapés,
Deram um forte puxão,
O fio da teia partiu
E os dois rolaram no chão,
Donde se pode supor
Que, se não existe amor,
Não pode haver salvação.