A roupa política: a dimensão argumentativa implícita nas roupas das primeiras-damas Temer e Trump como reafirmadora do ethos político de seus maridos

Por Kelly Mayrink | 18/01/2018 | Política

RESUMO

Por milhares de anos, os seres humanos têm se comunicado pelas roupas. A indumentária, uma linguagem antiga e universal, funciona como uma importante forma de informação e comunicação. Pelas roupas, possivelmente, pode-se saber a profissão, a religião, a personalidade e, até mesmo, o humor da pessoa. Desde os primórdios, o uso de determinada vestimenta caracteriza o status e a posição social do indivíduo, definindo-o ou descrevendo-o. Ao identificar-se com um determinado grupo e, consequentemente, usar as suas roupas características, tem-se o reflexo do pensamento e da ideologia de quem a veste. Recentemente, um dos maiores veículos midiáticos reproduziu uma análise sobre o a mensagem por traz das roupas escolhidas pelas primeiras-damas do Brasil, Marcela Temer, e dos Estados Unidos, Melania Trump, em eventos sociais. Com base nesse corpus e partindo dos dispositivos teóricos da Análise do Discurso, o presente artigo tem como objetivo refletir sobre a prática discursiva não verbal intrínseca às roupas, e seu papel legitimador do ethos político de seus maridos. A análise será feira a partir, principalmente, dos postulados de Amossy (2008) e Charadeau (2008), sobre a construção do ethos e o discurso político.

Palavras-chave: Discurso, imagem de si, moda, roupas, ethos, primeira-dama, Marcela Temer, Melania Trump

INTRODUÇÃO
O verdadeiro mistério do mundo é o visível, não o invisível.
Oscar Wilde A escolha de determinada roupa é um ato complexo, repleto de significações e cargas ideológicas, como uma espécie de código. “Diga-me o que vestes e eu te direi como estás, quanto tens, a que grupo pertences”, é a frase usada por Coelho (1995) que ilustra a carga de informação existente nas roupas. Para o filósofo francês Gilles Lipovetsky, em sua obra O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas (2001), “a moda tem ligação com o prazer de ver, mas também com o prazer de ser visto, de exibir-se ao olhar do outro”. O autor associa a moda a um aparelho gerador de juízo estético e social.
Manifesta-se pela escolha das roupas, a tendência para pertencer, ou querer ser considerado como pertencente, a uma determinada categoria ou tipologia. Segundo Dorfles (1979) a bata de um médico, a toga de um advogado, o barrete de um religioso são suficientes para declarar a pertença de um indivíduo a uma destas categorias sociais ou profissionais. É como se, pelas roupas, o sujeito dissesse: “faço parte dessa classe social” ou “faço parte dessa casta”. E, ainda assim, estaria sob a distinção hierárquica de subgrupos dentro de um grupo. Esse caráter ideológico é reafirmando por Umberto Eco (1989) quando diz que “a linguagem do vestuário, tal como a linguagem verbal, não serve apenas para transmitir certos significados, mediante certas formas significativas. Serve também para identificar posições ideológicas, segundo os significados transmitidos e as formas significativas que foram escolhidas para transmitir”.
Existe uma associação entre a identidade da pessoa e as coisas que ela usa. Desde o período dos homens primitivos, o uso de uma determinada pele de animal, mais difícil de caçar, atribuía-lhe mais prestígio. Mesmo calado o sujeito se mostra, mostra a sua imagem.
Os indivíduos vivem no interior de um grande número de diferentes instituições, o que Silva (2000) chama de “campos sociais”, tais como família, grupos de colegas, as instituições educacionais, grupos de trabalhos ou partidos políticos. Para o autor, a participação dos indivíduos nestes campos sociais é exercida em graus variados de escolha e autonomia. Daí a importância da aparência que é vetor de agregação. “A estética é um meio de experimentar, de sentir em comum e, também, um meio de reconhecer-se” (MAFFESOLI, 1998). No suporte do corpo do usuário, a vestimenta aparece como uma das principais formas de discurso da identidade, no sentido de que aquilo que é usado tende a externalizar o que é intrínseco ao sujeito. É o que Charaudeau e Maingueneau (2004) explicam ao afirmar que “discursos sociais se configuram ora de maneira explícita, „objetivando-se‟ em signos emblemáticos, ora de uma maneira implícita, por alusão”.
Essa construção de autoimagem feita por intermédio das roupas propicia a análise sobre a ideação de um possível ethos, que seja o fiador das ideologias do grupo
ao qual se faz parte, visto que, segundo Heine (2009), “co-enunciadores, baseados em estereótipos estabelecidos socialmente, atribuem aos enunciadores determinadas características e não outras”. Dessa forma, pode-se entender que a construção da identidade é tanto simbólica quanto social, e a imagem de si é produto de uma criação discursiva.
Tal noção torna-se fundamental para a análise de duas recentes reportagens divulgadas pela Folha de São Paulo, que avaliam as roupas escolhidas pela primeira-dama do Brasil, Marcela Temer, durante o desfile do último 7 de setembro, e a vestimenta escolhida pela primeira-dama dos Estados Unidos, Melania Trump, para a posse do marido. A partir dessas duas veiculações da mídia, observa-se a lógica identificatória da moda construída a partir dos discursos firmados através da indumentária. Esse autoretrato discursivo afirmado na moda funciona como um pacto referencialista dos discursos advindos do mundo dos políticos.
As duas matérias do jornalista Pedro Diniz constituem o corpus desta pesquisa, que busca avaliar a dimensão argumentativa implícita nas roupas como forma de validação de um ethos político.
Sob esse cenário,

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