A riqueza da pobreza

Por Mário Paternostro | 22/05/2010 | Contos

A riqueza da pobreza




- Cansado dessa vida monótona. Parece que as aventuras viraram pra mim filme de ação. No trabalho aquela inoperância, no amor a rotina e no resto, apenas o resto. Vivo, ou melhor, sobrevivo pra não morrer de desgosto. Tenho, às vezes, vontade de abandonar a vida, mas até coragem não me povoa. Sorrio muitas vezes para não ser grosseiro, porque minha vontade era de esbofetear o mundo. Quando me perguntam meu nome, eu apenas respondo: Roberto. Insistem pelo sobrenome e eu irritado digo: Roberto de Nada. Por que razão devo ser feliz? A vida não me faz feliz! Acho que de todos, sou o filho que Deus criou com raiva, por obrigação, ou só para o diabo rir da minha cara. O amor nunca me encontra, amigos só me usam. Sou explorado até por mim mesmo, pois exijo coisas que sei que nunca terei capacidade de ter.
Roberto parece ser mais um descontente da vida, nada lhe faz feliz, nada lhe dá humor, mas... Um dia, caminhando e xingando a vida, ele encontrou, em meio a uma multidão, um jovem alegre, sorridente e que cantava de felicidade. Roberto não entendia tal alegria esfuziante, pois o jovem era paralítico e parecia ser pobre financeiramente. A cadeira de rodas era velha e simples, por isso tal dedução. Roberto parou e ficou observando aquela felicidade e uma curiosidade começou a lhe tomar conta. Por que tanta alegria? Passavam as horas e Roberto não conseguia tirar os olhos do jovem e nem ir ao destino que lhe esperava. Quando não aguentou mais de curiosidade, foi até o jovem e falou:
- Como é seu nome?
O jovem abriu o sorriso e lhe respondeu:
- Gentileza!
- Gentileza é uma qualidade e não um nome. Eu quero saber seu nome verdadeiro.
- Gentileza. Esse é o meu nome.
- Tudo bem! Por que está tão feliz?
- Pelo simples prazer de viver, de sorrir, de ver o céu.
- Só isso não faz ninguém alegre e nem feliz!
- Ah! Meu caro, pra mim isso é uma dádiva.
O jovem foi falando e saindo, mas Roberto queria saber mais e mais e perguntou pra onde ele estava indo. O jovem então respondeu:
- Para o futuro.
Roberto não entendeu muito bem e perguntou se podia ir com ele. Gentileza respondeu que sim e Roberto se ofereceu para empurrar a cadeira de rodas e gentileza aceitou e ainda disse:
- Todos precisam de um empurrão para ser feliz.
- Mas você é feliz demais.
- Eu tenho muito que agradecer, devo mais do que sou credor. Necessito pagar a vida com meus sorrisos.
- Mas nessa cadeira de rodas, como pode ser feliz?
- O que tem a ver isso?
- Você é aleijado de nascença?
- Deficiente físico de nascença.
- E ainda é alegre?
- Sou agradecido a Deus por ter me dado esse corpo e a minha vida.
- Vida desgraçada!
- Fale por você e não por mim.
- Estou falando por mim mesmo.
- Por que essa revolta, meu caro?
Roberto então explica como é a sua vida, conta tudo para Gentileza, que ouve atenciosamente e depois lhe indaga:
- Você não vê quanta beleza há na vida?
Roberto então responde:
- Que beleza, Gentileza?
Nesse momento Gentileza pede para parar e diz para Roberto sentar na calçada, pois tinham muito para conversar e andando com pressa iriam perder os detalhes. Roberto relutou, mas fez o que Gentileza queria. Gentileza então lhe fala:
- O que lhe falta, Roberto?
- Aventura.
- E viver já não é uma aventura? Ter que acordar já não nos faz heróis? Aventura é a vida.
- Eu quero aventura também no amor.
- Como assim?
- Acho que nunca fui amado, nem uma mulher me disse eu te amo, eu quero isso também.
- Como você sabe que não foi amado? Você já se entregou? O amor só ama quem quer ser amado, você ficou reclamando dele demais e não o viu bater em seu coração. E palavras meu caro, não dizem verdadeiramente o que a gente quer dizer. Os olhos, esses são os nossos melhores aliados.
- Como?
- Alguém já deve ter lhe dito eu te amo, mas com os olhos. Você não enxergou porque estava cego de raiva da vida.
- Tudo bem! Alguém até pode ter me amado, mas o que eu podia oferecer? Não tenho carro...
Nesse momento Gentileza o interrompeu e lhe disse:
- Faça como os poetas, voe.
- Voar como?
- Com o coração, com a vida.
- E a mulher vai aceitar tal loucura? Ela quer é andar de carro, ter dinheiro pra gastar e isso eu não tenho.
- Gaste amor, passeie com ela pelos sonhos e pela fantasia. Garanto que ela vai conhecer a felicidade.
- Felicidade é ter uma mansão com piscina e empregados nos servindo.
- Olhe esse céu, esse mar, é todo nosso! E ter serviçal pra quê? O mundo já nos serve todo dia com o nascer da vida.
- Eu queria fama e dinheiro, Gentileza.
- O sol, a lua e as estrelas brilham e não fazem nenhuma questão de aplausos. Não precisam nem saber do vil metal. Pense em brilhar fazendo o outro feliz.
- E quem me faz feliz?
- Não espere desculpas, mas dê sempre o perdão. Bata com piedade e seja agressivo com gentilezas.
- Como Deus foi com você?
- Deus não fez nada comigo, aliás, só me entende e me ajuda. Eu nasci assim porque até a vida precisa errar, pra que na frente acerte.
- Se você é o erro, quem é o acerto?
- A minha resignação e minha determinação. Apesar de não andar e estar preso nessa cadeira, eu viajo.
- Como assim?
- Eu posso voar, ir até o infinito, toco nas nuvens, salto de estrela em estrela, eu sou livre e leve.
- Isso é besteira!
- Então experimente uma vez! Faça como os poetas, eles não têm nada, mas são ricos de vida. Eles não precisam de dinheiro, têm o mundo, nem de carros, pois eles têm asas. Amam mesmo sem saber que serão amados, vivem a poesia e morrem de alegria.
- E você é poeta?
- Não faço versos, mas escrevo e vejo poesias em tudo.
- É tudo bonito, mas a gente tem que ganhar dinheiro pra viver, e aí?
- Sei que nem só de versos se vive a vida, mas quem quer pouco, vai se contentar com pouco.
- É isso que não quero, pouco. Eu não quero viver de migalhas.
- Migalhas? Resto de vida será sempre vida e amor será sempre amor.
Conversam muito e Roberto parece não está nem aí para os conselhos de Gentileza. Ele ainda está preso em coisas tangíveis e as coisas lindas muito mais que lindas, ele ainda não percebeu: essas coisas é que ficarão. Já falou o poeta. Gentileza então fala:
- E se você tivesse toda a riqueza do mundo, de que serviria?
- Eu poderia ter tudo que eu quisesse.
- Amigos não se compram, amor não tem na feira e felicidade também não está a venda.
- Tudo tem um preço, é só pagar!
- Falsidade, egoísmo, inveja, deslealdade, realmente, tudo isso e muito mais está em oferta.
- Mas que eu seria feliz, eu seria.
- Seja rico de amigos e perdulário de sorrisos. Você vai descobrir o verdadeiro sentido de viver.
Roberto não se dava por convencido e já estava ficando irritado, resolveu então se despedir.
- Gentileza, eu vou procurar minha riqueza e você fique aí sentado.
- Engana-se, meu caro! Eu vou voando e vendendo sonhos.
- Certo! Eu vou ficar rico e você vai continuar sendo pobre e aleijado.
- Que pena que pensa assim! Eu já sou rico e caminho até demais. Você é que vai ser eternamente esse pedinte de vida e esse aleijado no mundo.
- Ah, ah, ah, você quer me fazer de besta! Eu vou conseguir tudo e virei aqui pra te mostrar. Vou até lhe dar uma cadeira de rodas nova. Vou te mostrar minha mansão e meu carro.
- Não troque o coração pela riqueza, porque ele é o nosso maior tesouro. Quanto à cadeira de rodas, eu não preciso! Deus me fez assim, porque Ele sabe que posso chegar onde eu quiser.
- Foi um prazer conversar com você, Gentileza. A gente se vê por aí.
- Boa sorte e nunca esqueça de levar sempre o seu coração com você. Ele é o seu maior guia e conselheiro.
- tchau, tchau!
Roberto foi embora sem extrair nada dos conselhos de gentileza, ainda estava determinado em ser rico e que a riqueza é a única coisa que faz um homem feliz. Gentileza saiu cantando e voando, dono das estrelas, amigo do mar e amante da vida. Com poucas palavras, Gentileza mostrou que riqueza e felicidade são simplesmente compreender o universo em sua volta.