A Revisão Criminal e a Soberania do Tribunal do Júri

Por Ana Paula Restelli | 28/11/2016 | Direito

 

RESUMO

A ação que propõe a revisão criminal é um remédio constitucional que ataca a sentenças penal condenatória oriunda de erro judiciário proferida por juiz singular e pelo Tribunal do Júri contra o réu. Neste presente artigo abordaremos a questão da revisão criminal das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri. Tal ação busca beneficiar o condenado com a absolvição, redução da pena, modificação da classificação do crime ou anulação do processo que resultou em condenação. Portanto, o presente artigo tem como objetivo geral debater sobre a possibilidade da revisão criminal alterar as decisões soberanas do Tribunal do Júri. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada em método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental.  Preliminarmente, é analisada a origem histórica do Tribunal do Júri, sua organização e funcionamento. Em seguida, são examinados pontos relevantes da revisão criminal, desde sua origem histórica, até as consequências jurídicas advindas da procedência. Finalmente, será analisada a possibilidade de aplicação da revisão criminal face ao princípio da soberania dos veredictos, bem como a base principiológica do processo penal e do Tribunal do Júri. Finalmente, conclui-se com o presente estudo com a possibilidade de se aplicar a revisão criminal pelo Tribunal de Justiça nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri. 

1 INTRODUÇÃO 

Na discussão crítica sobre a natureza jurídica da revisão criminal no processo penal, sabe-se que o justo substancial há de prevalecer sobre o justo formal; contudo, há possibilidades de o condenado pedir a correção das sentenças penais que transitaram em julgado.

Observe-se, ainda, que se trata de um remédio processual atribuído ao condenado para a revisão da coisa julgada, seja ela material ou formal, com a finalidade de reparar erros do Poder Judiciário, livrando, assim, o réu de uma decisão equivocada e injusta. É o que se chama, no processo penal, de revisão pro reo, não havendo, no ordenamento jurídico brasileiro, revisão em favor da sociedade – pro societate.

No aparente conflito entre a segurança dos julgamentos firmes e a busca da verdade real, desponta a revisão criminal como sendo um instrumento que não somente valoriza a justiça, mas, também, trata de assegurar a dignidade humana ferida com a injustiça de uma decisão penal condenatória.

A matéria é tratada no artigo 621 e seguintes do Código de Processo Penal, com seu instituto incluso em nosso sistema jurídico através do Decreto-lei n° 847, de 11 de novembro de 1884 e mantido pelo Decreto-lei n° 221, de 20 de novembro de 1894, de acordo com a Constituição de 1988, objetivando substituir a antiga lei de recurso de revista.

 A revisão criminal é um instituto processual sui generis, com características de recurso e de ação, mas disciplinado por regras específicas. A revisão pode ser concebida como meio autônomo de impugnação das sentenças irrecorríveis decorrentes de erro judiciário. Neste aspecto, já se pode revelar a complexidade do tema em questão.

Nesse sentido, o presente trabalho visa, como objetivo geral, analisar, no instituto do Tribunal do Júri, o princípio constitucional da soberania dos veredictos, a ação de revisão criminal e a possibilidade do réu condenado ser beneficiado com a alteração da classificação da infração, a modificação da pena, anulação do processo e até mesmo sua absolvição, sem que ocorra uma afronta aos princípios constitucionais da Soberania do Tribunal do Júri.

Como hipótese para tal questionamento, em sede de revisão criminal, é possível buscar a absolvição no Tribunal de Justiça do réu condenado pelo Tribunal do Júri, resolvendo o conflito entre a garantia constitucional da soberania dos veredictos e o direito de liberdade face à condenação do inocente.

A pesquisa, quanto à abordagem, será qualitativa, que tem como característica o aprofundamento no contexto estudado e a perspectiva interpretativa desses possíveis dados para a realidade, conforme esclarecem Mezzaroba e Monteiro (2009). A fim de alcançar o objetivo desejado com o presente estudo, será empregado o método dedutivo, o qual se dará por meio de procedimentos técnicos baseados em doutrina, legislação e jurisprudências, relacionados com a base principiológica do Processo Penal e do Tribunal do Júri.

Logo, o primeiro capítulo de desenvolvimento do presente estudo conceituará o instituto do Tribunal do Júri, analisando historicamente seu surgimento, sua organização, funcionamento e uma análise geral da sentença absolutória e condenatória.

No segundo capítulo será feita uma análise mais direta do tema principal da presente monografia, ou seja, tratar-se-á do conceito jurídico de revisão criminal, sua origem histórica, legitimidade, prazo, cabimento, competência para julgamento e as consequências jurídicas da sua procedência, inclusive com demonstração através de estudo jurisprudencial.

Por fim, no terceiro capítulo, será abordada a questão da revisão criminal frente ao princípio constitucional da soberania dos veredictos, bem como a análise principiológica do Processo Penal e do Tribunal do Júri, além da apreciação do juízo rescisório, das decisões do Tribunal do Júri e do estudo jurisprudencial das decisões dos tribunais pátrios.

2 TRIBUNAL DO JÚRI 

O Tribunal do Júri, em regra, é um órgão reconhecido pela Constituição Federal como competente para julgar os crimes dolosos contra a vida e está previsto no artigo 5º, XXXVIII, onde, também, são assegurados os princípios da plenitude de defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos.

Neste sentido, o primeiro capítulo da presente monografia versará sobre um breve histórico acerca da origem do Tribunal do Júri, enfatizando sua organização, rito escalonado, sessão, consideração sobre os quesitos, conceitos e consequências das sentenças absolutórias e condenatórias. 

2.1 Breve histórico do Tribunal do Júri

A criação do Tribunal do Júri remonta de muito tempo. Para Nucci (2014), o júri teve sua existência prevista a nível constitucional na Magna Carta na Inglaterra, no ano de 1215, mas o autor menciona que já havia conhecimento da instituição muito antes disso na Grécia e em Roma. Em 1789, após a Revolução Francesa, o júri foi estabelecido na França e difundido por outros países da Europa. O autor refere que o Tribunal do Júri somente foi instalado no Brasil em 18 de junho de 1822, através de decreto pelo príncipe Regente. Na época, o Tribunal do Júri era composto por 24 (vinte e quatro cidadãos) de boa índole, com capacidade para julgar crimes que violavam o direito a liberdade de imprensa.

Somente no ano de 1988 é que o Tribunal do Júri foi inserido no capítulo dos direitos e garantias constitucionais e aderiu, definitivamente, aos princípios da Carta de 1946 que garantiam a soberania dos veredictos, o sigilo das votações, a plenitude de defesa e a competência mínima para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A competência do Tribunal do Júri está prevista no art. 5º, XXXVIII da atual Constituição Federal e garante ao réu o direito de defesa:

Sua finalidade é a de ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso a regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares (CAPEZ, 2011, p. 632).

O art. 74, § 1º do Código de Processo Penal prevê os crimes que são julgados pelo Tribunal do Júri:

Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

  • 1º Competirá ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 12, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.

O procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri está disciplinado nos artigos 406 a 497 do Código de Processo Penal, os quais foram, substancialmente, alterados pela Lei n° 11.689, de 9 de junho de 2008.

A seguir, será abordada a questão acerca da organização do Tribunal do Júri. 

2.2 Organização do Tribunal do Júri

O Tribunal do Júri é um instituto presidido por um juiz togado e 25 (vinte e cinco) cidadãos maiores de 18 anos de idade e de boa índole que são eleitos por meio de sorteio. A publicação da lista geral dos jurados escolhidos deve ser publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e disponibilizada por meio de editais que ficarão afixados à porta do Tribunal. Até o dia 10 de novembro, quando a lista se torna definitiva, poderá ser alterada por meio de ofício ou reclamação junto ao juiz-presidente, conforme esclarece o art. 426, § 1º do Código de Processo Penal, e, a partir da publicação da lista definitiva, não será mais possível propor recurso em sentido estrito (CAPEZ, 2011).

Art. 426. A lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em editais afixados à porta do Tribunal do Júri.

  • 1° A lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro, data de sua publicação definitiva.

Excepcionalmente, no momento da sessão, poderá haver a escolha de jurados suplentes ao ser constatado que não há o número mínimo de quinze para dar início ao trabalho. Portanto, deverão ser sorteados tantos suplentes quantos forem necessários para compor o grupo de, no máximo, vinte e cinco, designando-se assim nova data para o julgamento (NUCCI, 2014).

Cabe destacar que prestar serviço ao júri é ato obrigatório e o não comparecimento de modo injustificado constitui crime de desobediência. Estão isentos de prestar serviço ao júri as pessoas elencadas no art. 437 do Código de Processo Penal:

[...]

 

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