A reversão das dividas fiscais no decurso de Processo de Insolvência de Pessoa Singular - Prescrição

Por JoseLuisAbreu | 18/02/2017 | Direito

Uma das questões mais controversas do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas vigente em Portugal resulta do carácter excepcional que o legislador conferiu às dividas tributários no que respeita ao pedido de exoneração do passivo restante.  Como se sabe, a lei refere expressamente que não são abrangidos pela exoneração do passivo restante os créditos por alimentos, as indemnizaões por factos ilicitos praticados pelo insolvente, os créditos por multas coimas ou sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações e, por último, os créditos tributários. Ou seja, caso o devedor se apresente à insolvência peticionando a exoneração (extinção) das dividas que não forem pagas no processo (o passivo restante), as que resultam de algum tipo de crédito ou indemnização como atrás referido, não são afectadas pela exoneração decretada pelo Tribunal. O mesmo é dizer que aquelas dividas perduram na esfera juridica do devedor, sendo este obrigado a liquidá-las.

Deixando de lado a discussão da razão pelo qual o legislador coloca no mesmo patamar créditos tributários com créditos que resultam de ilicitos, multas e sanções pecuniárias (não nos referimos aos créditos por alimentos porque em relação a estes é óbvio e acertado o seu carácter excepcional), importa perceber como a declaração de insolvência e a não afectação da exoneração do passivo produz efeitos nos créditos tributários nomeadamente em relação à sua prescrição.

Antes de mais, importa referir que por créditos tributários entende-se as dividas à Administração Fiscal e dividas à Segurança Social quer resultem de responsabilidade originária do devedor ou a título subsidiário (por reversão fiscal das dividas tributárias de Sociedade Comercial para o gerente da Sociedade). Quando reclamados e reconhecidos pelo Administrador de Insolvência no processo de insolvência, estes créditos são (de acordo com o art.º 47 do C.I.R.E) um crédito sobre a insolvência. Acrescente-se que, de acordo com o art.º 100 do C.I.R.E, a sentença de declaração de insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição oponiveis pelo devedor, durante o decurso no processo, sejam ou não sejam esses créditos reclamados no processo de insolvência. Assim, com a sentença de insolvência até ao seu encerramento, os prazos prescricionais ficam suspensos. Ocorre que, como se sabe, o período de cessão do rendimento disponivel (60 meses seguintes ao processo de insolvência em que o insolvente tem que demonstrar através do seu comportamento e dever de entrega de parte do seu rendimento) inicia-se depois de encerrado o processo de insolvência (artº 239 n.º 2 do C.I.R.E).

A questão que se coloca é a de saber se com encerramento do processo é retomada a contagem do período de prescrição do direito, ou mais concretamente, se a interrupção da prescrição dos créditos que não são afectados pela exoneração do passivo (como os tributários) mantém-se ou é retomada? À primeira vista, se analisarmos a letra da lei, parece que a contagem do prazo de prescrição seria retomado, contudo o art.º 242 n.º 1 do C.I.R.E não permite essa conclusão, pois veda aos credores que detêm créditos sob a insolvência, durante o período de cessão (60 meses) o direito de executar os bens do devedor. Os credores da insolvência nesse período só podem receber montantes entregues pelo devedor através da figura da cessão do rendimento disponivel, sendo este rendimento disponivel distribuido pelos credores da insolvência. Não poderia a lei permitir cumulativamente que o prazo de prescrição esteja a correr e os credores, ao mesmo tempo, estejam impedidos de intentar acções executivas contra o devedor. Parece clara esta conclusão, contudo há que fazer uma importante ressalva que pode ser determinante para aqueles (e não são poucos) que foram declarados insolventes, requereram a exoneração do passivo restante mas não viram os créditos tributários ser reclamados e reconhecidos no processo. Nestes casos, que resultam quase na sua totalidade, de situações em que o insolvente exercia cargos de gerência ou de administração em Sociedades Comerciais, em que a Administração Tributária, por só ter procedido à reversão fiscal depois de proferida a sentença de insolvência, não reclamou esses créditos no processo de insolvência, deve-se entender que encerrado o processo e iníciado o período de cessão do rendimento disponível, o prazo prescricional está a correr. Esta ideia é justificada pelo facto de o crédito tributário não ter sido reclamado e reconhecido no processo de insolvência e, sendo assim, não sendo esse um crédito sobre a insolvência não está sujeito à limitação do princípio da igualdade de credores do art.º 242 do C.I.R.E pelo que deve operar o disposto no art.º 100 do CIRE,  de que a prescrição dos créditos só opera desde a data da declaração de insolvência até ao seu encerramento.

Conclui-se, assim, que reveste capital importância, o insolvente antigo gerente ou administrador de empresas, no decorrer seu processo de insolvência pessoal, ter especial atenção o momento em que a reversão fiscal operou, se os créditos tributários que resultaram dessa reversão foram reclamados e/ou reconhecidos pelo Administrador de Insolvência, e, fundamentalmente, ter a percepção de que existe uma interligação entre os processos de insolvência e os processos de natureza fiscal que pode ser determinante para o seu futuro.

Lisboa, 10 Fevereiro

José Luis Abreu