A Retórica de Chaim Perelman

Por Giuliana Santoro | 19/05/2015 | Direito

Chaim Perelman se encontra no hall de autores responsáveis pelo retorno da tópica e da retórica antigas no século XX. Sua obra invoca em muito o sentido dado a Retórica por Aristóteles em meio a uma razão prática. Entretanto, para Perelman o raciocínio argumentativo dissocia-se do dialético pelo fato de a passagem das premissas para as inferências se darem de modo plausível, enquanto, no raciocínio por silogismos da dialética aristotélica, a passagem é sempre necessária – isso é, há uma relação de necessidade entre as premissas e a conclusão –.

Ademais, a teoria da lógica jurídico – termo utilizado para a teoria da argumentação aplicada ao discurso judicial – de Perelman e de Olbretch-Tyteca, disposta em La nouvelle rhetorique: Traté de l’argumentation, pressupõe que tal passagem jamais poderia ser necessária, sob pena de não configurar uma decisão. O “sentir” do magistrado parte do plano de fundo de que sempre é possível decidir de outra maneira ou não tomar nenhuma decisão. Nesse ponto da obra já se afere que para os autores não há uma única resposta correta ao caso concreto, posicionamento oposto ao de Ronald Dworkin, por exemplo.

Outra contribuição da obra – e que refuta a concepção racionalista de Descartes – é a de que, na argumentação, os elementos do discurso interagem de tal forma a conferir maior rigidez ao produto do que possui cada um de seus elementos (metáfora com a trama de um tecido), enquanto para o método cartesiano a ligação advinda do encadeamento de ideias tinha força inferior à das ideias em si.

Uma vez mencionado que a referida teoria da argumentação dá destaque a forma peculiar de presença de seus elementos, dentro do capítulo concernente aos pressupostos da argumentação e doravante, é conferido um papel especial à noção de auditório universal. Umas das funções dessa abstração para a obra é distinguir se houve persuasão ou convencimento. A persuasão estaria voltada a um auditório particular, selecionado; ao passo que o convencimento seria o resultado de adesão do auditório universal.

Em verdade, não há um conceito bem delimitado do que seja “auditório universal” e essa peculiaridade sofre severas críticas dos teóricos contemporâneos, em que se possa citar, Alexy. Para esse autor haveria dois conceitos para “auditório universal” na obra de Perelman. O primeiro deles seria o de construção do orador e, por isso, ideal. Assim, haveria não só auditórios universais tantos quantos fossem os oradores, mas, também, mais de um auditório universal por orador. O segundo sentido do termo seria o de aproximação ao imperativo categórico de Kant, composto por todos os seres racionais, em que se deveria comportar com o senso de justiça e imparcialidade, nos moldes da ratio decidendi de um juiz a proporcionar um princípio válido para todos os homens.

Perelman ainda desenvolve trabalho acerca das espécies e subespécies de argumentos e os cataloga para posterior análise. O esforço do teórico também é alvo de críticas pelo fato das referidas categorias se confundirem entre si e tornar mais árduo o trabalho do pesquisador em colocar as figuras em suas corretas categorias do que analisa-las em si. Dessa forma, o meio seria pouco prático para o fim desejado.

Há ainda dois pontos criticáveis da obra de Perelman que gostaria de citar, quais sejam, a da ideologia conservadora e a da noção equivocada de positivismo jurídico.  Da simples leitura das críticas relativas à perspectiva conservadora, faz-se a advertência quanto à impossibilidade de um argumento válido, nos moldes do auditório universal, carregar consigo a mudança do sistema. A decisão deverá ser sempre a de manutenção da ordem estabelecida, o que se mostra insuficiente para a resolução de casos difíceis.

Com relação à ideia de positivismo que é atacada pelo autor, essa se mostra estritamente espelhada na experiência nazista. Para Perelman, positivismo seria aquele sistema jurídico que visa eliminar toda e qualquer referência a justiça; em que vigora a vontade arbitrária do soberano e que atribui ao juiz papel limitado na aplicação da norma. Entretanto, quando contrapostos tais pilares a de teorias positivistas mais recentes, com a de Hart, vê-se que o conceito de positivismo é muito diverso.

Cumpre trazer à baila, finalmente, as impressões com relação ao conjunto teoria-críticas. É evidente que a razão defendida pelo autor é prática. Também é assente que sua teoria busca direcionar o trabalho argumentativo dos juristas. Entretanto, não se é possível olvidar que uma teoria será sempre teoria; trabalhar-se-á com modelos. A maior parte das críticas pode ser resumida na incompatibilidade da teoria com as contingências reais. Todavia, nesse ponto, merecem reprimenda. Não é possível exigir da teoria a perfeita identidade, visto que será sempre uma representação. Haverá a todo momento a dualidade teórico X real.

Assim, ao atacar a noção obscura de “auditório universal”, Alexy se equivoca em assumir que seus dois significados são, em verdade, um só. O auditório universal é o público que se deve ter em mente para conseguir a adesão do auditório real por meio de argumentos teoricamente válidos. Não é um imperativo categórico porque guiará o orador em específico a fazer o seu melhor nas condições em que se encontra. O orador muda, assim como as condições. E, ainda assim, é possível que haja, pautado no mesmo caminho, de forma diferente, uma vez que para Perelman não há uma só resposta correta.

A obscuridade de seus elementos poderia ser defendida por uma perspectiva mais cética, que dá outra importância à retórica, como o é a de Sobota, ao lecionar que é necessário discursar com noções a serem preenchidas pelo interlocutor, para evitar juízo de valor e preconceitos advindos da pessoa do orador. Por fim, com relação ao baixo teor instrumental das categorias de argumentos, não seria necessário alocar cada argumento em seu respectivo local, mas apenas saber do que se trata cada categoria para diferenciá-los, por exemplo, de falácias.

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