A RESPONSABILIZAÇÃO DAS EMPRESAS AÉREAS NOS CASOS DE ATRASO NOS VOOS DECORRENTE DE CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

Por Raul Cesar da Rocha Vieira | 23/06/2015 | Direito

A RESPONSABILIZAÇÃO DAS EMPRESAS AÉREAS NOS CASOS DE ATRASO NOS VOOS DECORRENTE DE CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR[1]

 

Raul César da Rocha Vieira

Camila Maria e Silva Costa[2]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. A responsabilidade por fato do serviço; 2. Das excludentes de responsabilidade; 3. O caso fortuito e força maior como excludentes de responsabilidade nos atrasos de vôo; Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO

Aborda, primeiramente, a responsabilidade por fato do produto e do serviço, bem como suas peculiaridades e consequências, de acordo com o que preceituam os artigos do Código de Defesa do Consumidor. A seguir, segue uma análise acerca do rol do art. 12 do CDC, o qual estabelece as excludentes de responsabilidade, envolvendo a discussão da inclusão ou não do caso fortuito ou força maior nesse rol. Por fim, destaque aos casos de atraso nos voos em decorrência de caso fortuito ou força maior, configurando ou não a responsabilidade das companhias aéreas.

 

PALAVRAS CHAVES

Responsabilidade por fato do serviço. Atrasos aéreos. Excludentes. Caso Fortuito. Força Maior.

 

INTRODUÇÃO

Primeiramente, buscou-se o aprofundamento do conhecimento acerca da responsabilidade por fato do serviço, bem como suas peculiaridades em relação à responsabilidade civil geral e suas consequências, com base nos artigos 12 a 17 do Código de Defesa do Consumidor.

A responsabilidade civil, instituída pelo Código de Defesa do Consumidor, atenta ao fato do fornecedor responder, independentemente de culpa, por fato do produto e do serviço, porém há hipóteses previstas no código que excluem a responsabilidade do fornecedor da obrigação de indenizar.

No entanto, não consta predição acerca do caso fortuito ou força maior no CDC, existindo, sobre o assunto, diversas correntes e posicionamentos. A discussão é oriunda de alguns doutrinadores que afirmam que o §3º do art. 14 é exemplificativo, podendo assim ser utilizada a regra geral do Código Civil de 2002 sobre o caso fortuito e força maior subsidiariamente em todas as relações de consumo; em contrapartida, há posicionamentos que ditam ser taxativo, uma vez que não há margem à inserção de outras excludentes além das que estão expressamente elencadas.

Desse modo, buscou-se adentrar no conhecimento acerca do caso fortuito e força maior, bem como seus efeitos e consequências na relação de consumo, tendo em vista ainda os princípios norteadores do Direito do Consumidor, tais quais os da Taxatividade e da Reparação Integral.

Por fim, como cerne do trabalho, abordagem acerca dos casos de responsabilidade das empresas aéreas nos casos de atraso nos voos dos passageiros, ressaltando os danos causados em decorrência de caso fortuito e força maior, tendo como base o levantamento de posições doutrinárias e decisões jurisprudenciais acerca do tema.

  1. 1.     A responsabilidade por fato do serviço

A responsabilidade por fato do produto e do serviço originou-se no direito norte-americano, ao longo do século XX e destacando-se recentemente no direito europeu, a partir das leis de direito comunitário. Surgiu com a necessidade abolir a exigência de um vínculo jurídico prévio entre as partes da relação de consumo, garantindo à vítima demandar contra o fabricante nos casos em que este a fornecesse algo defeituoso. Para tanto, a comprovação do consumidor em condição de vítima seria o bastante. Imperioso ressaltar que para que seja considerada consumidora, a vítima não necessariamente precisa ser quem adquiriu o produto, basta que esta tenha sofrido algum dano oriundo do defeito. (MIRAGEM, 2012, p. 428)

Consiste, portanto, na imposição de responsabilidade ao fornecedor, nas circunstâncias em que causa danos ao consumidor decorrentes de defeito na concepção ou fornecimento de determinados produtos ou serviços, violando um dever de segurança. (MIRAGEM, 2012, p. 431)

Os consumidores buscam no mercado de consumo os produtos e serviços capazes de satisfazerem as suas necessidades, tendo em vista a utilidade daquele produto ou a comodidade que aquele serviço irá lhe proporcionar. Assim, há certa expectativa quanto à funcionalidade dos produtos ou serviços, de forma que o consumidor vislumbra que funcionem adequadamente ou atinjam a finalidade a que se destinam. Do contrário, não haveria o porquê da compra ou contratação. (ALMEIDA, 2010, p. 83)

O trabalho em questão aborda os danos causados aos consumidores em decorrência dos atrasos nos voos, o que acarreta uma responsabilidade às empresas aéreas, sendo esta responsabilidade civil por fato do serviço, razão pela qual o presente capítulo atém-se exclusivamente à explicação dessa espécie de responsabilização. Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

No direito privado, a responsabilidade civil é, em regra, aferida mediante culpa, oriunda de “ilícito extracontratual” e também chamada de “aquiliana”. Desse modo, qualquer pessoa cujo ato cause dano a outra pessoa, mediante dolo ou culpa, está obrigada a reparar o dano, nos termos do artigo 927, caput, do Código Civil de 2002. No entanto, tal regra não se mostra eficaz quando levada às relações de consumo, tendo em vista a dificuldade de comprovação da culpa do fornecedor e pela impossibilidade de acionar o vendedor ou o fornecedor do serviço, pois haveria uma enorme cadeia de regresso, sendo passível de responsabilização até o fornecedor originário. O legislador, por conseguinte, optou pela regra da responsabilização objetiva nas relações de consumo, independente de culpa, para reparação dos danos caudados ao consumidor. (ALMEIDA, 2010, p. 85)

Consagrada a responsabilidade objetiva do fornecedor, não se perquire a existência de culpa; sua ocorrência é irrelevante e sua verificação desnecessária, pois não há interferência na responsabilização. Para reparação de danos, no particular, basta a demonstração do evento danoso, do nexo causal e do dano ressarcível e sua extensão. (ALMEIDA, 2010, p. 85-86)

Em outras palavras, não é necessário aferir se o fornecedor agiu ou não mediante culpa, além da dificuldade de aferir a ocorrência desta nas relações de consumo, se mostra irrelevante para a responsabilização, bastando somente a demonstração da conduta danosa, o resultado danoso e a existência de nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.

Esse quesito expressa uma das diferenças entre a responsabilidade civil geral e a responsabilidade por fato do serviço, uma vez que na primeira, a culpa é requisito fundamental para a responsabilização do fornecedor, de acordo com o artigo 186 do Código Civil: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (MIRAGEM, 2012, p. 434)

A responsabilização civil de consumo é objetiva, pautada no que se chama de “socialização de riscos”, em que o fornecedor é obrigado a reparar os danos causados ao consumidor sem que seja necessário ter agido com negligência ou imprudência, ou até mesmo dolosamente. Satisfatória é a demonstração da conduta de disponibilizar um serviço defeituoso, para que dê ensejo à responsabilização da empresa. (MIRAGEM, 2012, p. 435)

Entretanto, não haverá a abolição completa da responsabilidade subjetiva, aferida mediante culpa. Esta continuará regulando as longas demandas de reparações na esfera civil, apenas não será aplicada nas relações de consumo, nas quais a responsabilidade objetiva se mostrou mais adequada e eficaz. (ALMEIDA, 2010, p. 86)

O Código de Defesa do Consumidor apresenta uma exceção, tal qual a da responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais. O §4º do art. 14, que trata da responsabilidade por fato do serviço, assegura que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.

Assim, em se tratando de profissionais liberais, a responsabilidade será aferida mediante culpa, decorrente de imprudência, imperícia ou imprudência. Isto se explica pela natureza intuitu personae desses serviços contratados, os quais são realizados pelo grau de confiança que os clientes apostam nos profissionais a que se submetem. (GARCIA, 2010, p. 14)

Importante é a subdivisão da obrigação do profissional liberal, estabelecida por Nelson Nery Júnior (apud, GARCIA, 2010, p. 14). Para o referido autor, se a obrigação for de meio, em que o profissional se compromete a fazer o que for preciso para a execução do serviço sem a obtenção de um resultado específico, a responsabilidade será subjetiva, nos moldes do §4º do art. 14, CDC. Por outro lado, se a obrigação for de resultado, em que o profissional se compromete a proporcionar ao cliente um resultado específico, a responsabilidade será objetiva, é o exemplo da cirurgia estética.

A doutrina e a jurisprudência possuem o mesmo entendimento acerca dos profissionais liberais. Entendem que estes, a exemplo do advogado e do médico (exceto cirurgião plástico), apenas serão responsabilizados se agirem com culpa, uma vez que assumiram obrigação de meio. Já o cirurgião plástico, o engenheiro e o arquiteto, os quais assumem obrigação de resultado, respondem independentemente de culpa, isto é, têm responsabilidade objetiva. (ALMEIDA, 2010, p. 87)

A responsabilidade possui quatro elementos: a) conduta; b) nexo causal; c) dano (sendo esses 3 exigidos na responsabilidade civil tradicional); e d) defeito. Logo, para que haja a efetiva responsabilização do fornecedor, é necessário que esse tenha realizado a conduta de ter disponibilizado no mercado um serviço apresentando defeito e que essa conduta ocasione um resultado danoso ao consumidor, decorrente de um defeito; sendo indispensável que haja um nexo de causalidade, isto é, uma relação de causa e consequência entre a conduta do fornecedor e o resultado danoso. (MIRAGEM, 2012, p. 435)

  1. 2.     Das excludentes de responsabilidade

O parágrafo 3º do art. 14 enumera as excludentes de responsabilidade por fato do serviço ao dispor que: “o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.

Diante da inexistência de defeito, não será possível a responsabilização do consumidor, haja vista que esta apenas é capaz de ser exigida na ocorrência de danos causados ao consumidor na existência de serviços defeituoso; se o serviço não apresenta defeito algum, não há resultado danoso capaz de configurar a responsabilização. Caso o dano tenha sido causado por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, também não há que se falar em responsabilização do fornecedor, pelo genuíno afastamento do nexo causal, uma vez que a conduta que ocasionou o dano não foi realizada pela empresa, mas pelo próprio consumidor ou terceiro. Lembrando que a culpa necessariamente tem que ser exclusiva do consumidor ou do terceiro, não sendo passível de admissão a culpa concorrente. (MIRAGEM, 2012, p. 453) 

A demonstração da existência da culpa exclusiva da vítima ou de terceiro deve ser cabalmente demonstrada pelo fornecedor para eximir-se da responsabilidade. Ou seja, há imputação objetiva de responsabilidade do fornecedor, cabendo a ele desincumbir-se do ônus de provar a existências destas excludentes. (MIRAGEM, 2012, p. 455)

Ocorre a exclusão da responsabilidade do fornecedor quando ficar provado que ele não executou o serviço, hipótese que não consta no Código de Defesa do Consumidor; que ainda que tenha sido o fornecedor que executou o serviço, não há defeito; ou que o dano ocorreu por culpa da vítima ou de terceiro. Embora não esteja expresso nesse rol do artigo 14, há a hipótese de caso fortuito ou força maior, de acordo com o artigo 393, parágrafo único, do Novo Código Civil. (ALMEIDA, 2010, p. 91)

É bastante notório, nas hipóteses, que as excludentes de responsabilidade implicam na destituição do nexo causal entre a conduta do fornecedor e o resultado danoso ao consumidor. Assim, não há que se falar em responsabilização do fornecedor se for comprovada a não existência de nexo de causalidade, um dos requisitos de responsabilidade por fato do serviço. Ressalte-se, contudo, que o ônus da prova, nesse caso, é do fornecedor, o qual carrega uma presunção de responsabilidade, tendo em vista a posição de vítima do consumidor. (MIRAGEM, 2012, p. 451)

Como se pode perceber, o caso fortuito e força maior não estão elencados no rol do artigo referente às excludentes de responsabilidade, o que induz ao pensamento de que não são suficientes para desconstituir o nexo de causalidade, afastando assim a responsabilidade do fornecedor.

Não há, na lei, qualquer diferenciação entre os dois institutos, possuindo os dois as mesmas características e efeitos. É possível entendê-los como o “acontecimento que a inteligência e a força humana não podiam prever, ou que, previsto, não se podia evitar”. (MAIA, 2012, p. 400)

Há certa divergência doutrinária acerca da inclusão ou não do caso fortuito ou força maior como uma excludente de responsabilidade, tendo em vista a inexistência de referência no CDC sobre a questão. Para os que defendem que a não é possível excluir a responsabilidade por danos causados ao consumidor oriundos de caso fortuito ou força maior, as hipóteses predispostas pelo legislador no art. 14 são taxativas, o que se chama de “numerus clausus”. Já para os que permitem a possibilidade de afastar a responsabilidade nessas circunstâncias, o rol do art. 14 é exemplificativo, não impedindo que outras hipóteses sejam capazes de desconstituir o nexo causal, além de serem fatos que derivam da regra geral existente no Código Civil. (MIRAGEM, 2012, p. 451-452)

Segundo João Batista de Almeida (2010, p. 91), o caso fortuito e força maior, apesar de não constarem expressamente na letra da lei, têm capacidade para afastar a responsabilidade do fornecedor, sendo esta a posição majoritária da doutrina. (ALMEIDA, 2010, p. 91)

O caput artigo 393 do Código Civil preceitua que “o devedor responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles se responsabilizado”; e o seu parágrafo único complementa que: “o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Isto significa que, no direito civil em geral, tais situações são plenamente capazes de afastar a responsabilidade; contudo, em sede do direito do consumidor, a aplicação dessas hipóteses não é tão simples, devido à inexistência de previsão legal. (MIRAGEM, 2012, p. 459)

A doutrina que defende a não taxatividade das excludentes argumenta que a expressão “só não será responsabilizado” existente no artigo não é o suficiente para afirmar que não é possível a admissão de outras hipóteses. O fato de o caso fortuito e força maior não estarem expressas nesse rol não significa que não podem ser utilizadas como forma de excludentes, tendo em vista a regra geral do Código Civil, a qual poderá ser utilizada subsidiariamente sempre que inexistir norma sobre a questão. Outro argumento é que há apenas uma impropriedade na redação do artigo, não sendo obrigado o fornecedor a indenizar o consumidor quando o inadimplemento da obrigação decorreu de caso fortuito ou força maior. (MAIA, 2012, p. 395)

O caso fortuito e força maior influenciam intensamente na responsabilidade por fato do serviço, podendo se manifestar durante ou após a prestação de serviço ao consumidor, a exemplo: “um hospital pode se eximir de responsabilidade pelo fato do serviço, alegando corte no fornecimento de energia elétrica ocorrido durante ou após o ato operatório”. No entanto, não é admissível que excluam a responsabilidade ao se manifestarem anteriormente à prestação de serviço. (GRINOVER... [et al.], 2007, p. 204)

Como forma de proteger o consumidor, em face da sua posição de vítima, o legislador optou por proibir expressamente as chamadas “cláusulas de irresponsabilidade” ou “cláusulas de não indenizar”, as quais visam a exonerar ou atenuar a obrigação de indenizar, de acordo com o art. 25. (ALMEIDA, 2010, p. 91)

  1. 3.     Caso fortuito e força maior como excludentes de responsabilidade nos casos de atraso nos voos

Caso fortuito e força maior são caracterizados pela doutrina como casos inevitáveis e imprevisíveis, que norteiam a inexistência de nexo de causalidade e quebra de responsabilidade entre o dano causado ao consumidor e a responsabilidade do fornecedor. (ALMEIDA, 2010, p. 65). Cabem diferenciações aos termos pela doutrina, mesmo o Código Civil os tratando como sinônimos, em seu art. 393 “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possível, evitar ou impedir.”

Em linhas gerais, há acordo que o caso fortuito reveste- se basicamente de duas características essenciais, quais sejam: a necessidade e a inevitabilidade. Não exige, todavia, que seja imprevisível que um determinado fato será inevitável, e por isso vai se configurar como caso fortuito. Já a força maior, de sua vez, é apontada por muitos autores, como vinculada a característica de externidade e inevitabilidade, no que não se distingue completamente daquilo que se indica também como característica do caso fortuito. (MIRAGEM, 2012,p. 459).

Em consonância, atrasos e o seguinte cancelamento de voos aéreos elucidam o cenário de casos decorrentes da dualidade do caso fortuito e força maior, são exemplos, nevoeiros, greves de funcionários, aves presas nas turbinas, dentre outras, que atuam como causadores do embate entre consumidor lesado e fornecedor.

O Código Civil determina no art. 734 que o transportador/ fornecedor responderá pelos danos causados aos consumidores, salvo motivos de força maior; ainda, no art. 741 aborda que a viagem ao seu interrompida por qualquer motivo, mesmo que alheios a vontade do fornecedor, resultando de “evento imprevisível”, o transporte deverá ser concluído em outro veículo da mesma categoria, ou por transporte de modalidade diverso, com anuência do consumidor.

Com relação a legislação sobre o transporte aéreo, o Código Brasileiro de Aeronáutica- Lei nº 7.565/1986- dispõe no art.230 o ressarcimento do valor saldado pelo consumidor, ou oferecimento de serviço em voo equivalente, em hipóteses de atrasos superiores a quatro horas, ainda, no art. 231 determina que ao sofrer interrupções ou atrasos de aeroporto de escala por período superior a quatro horas, por qualquer motivo que seja, “o passageiro poderá optar pelo endosso do bilhete de passagem ou pela imediata devolução do preço”.

No que tange a defesa da parte mais vulnerável da relação, o Código de Defesa do Consumidor, não trata especificamente de caso fortuito e força maior, como excludente de responsabilidade do fornecedor. Assim, a doutrina trata de conceituar três possibilidade de encargo: A primeira seria ficar afastado como excludente de responsabilidade, sendo aplicado, a responsabilidade objetiva com risco integral, encontrada no Código Brasileiro de Aeronáutica; em segunda plano, como regra do direito brasileiro, permanecer admitidos o caso fortuito e força maior como excludentes da responsabilidade do fornecedor, e por fim, considerar a diferenciação entre caso fortuito interno e externo, em que hipóteses de caso fortuito externo, a responsabilidade do fornecedor seria excluída. (CAVALIERI, 1997, p. 375-376 apud CAVALCANTI, 2002, p. 201).

Nas relações de consumo, o caso fortuito é dividido entre externo e interno, tendo em vista, que o direito do consumidor contempla o “profissionalismo dos fornecedores e a existência do defeito”, no que tange a responsabilidade objetiva. O caso fortuito interno compreende a hipótese de fato inevitável e imprevisível, que está relacionado a atividade habitual do profissional, estando, inserido em causas que estão dentre os riscos regulares de quem está fixado em atividade econômica, quando fato gerar riscos lesivos a sociedade. O caso fortuito externo, considerado como excludente da responsabilidade objetiva, trata- se de “fato estranho à organização ou à atividade da empresa, e que por isso não tem seus riscos suportados por ela”. Esta hipótese compreende o rompimento do nexo de causalidade, excluindo a relação do fornecedor com o consumidor lesado, contudo, deve – se considerar em alguns casos o caráter de previsibilidade do evento. (MIRAGEM, 2012, p.460-462)

Elucidando sobre o tema, o órgão de proteção e defesa do consumidor de São Paulo- PROCON SP- expressa sua opinião, especificamente referente ao nevoeiro ocorrido no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O órgão entende que mesmo os atrasos tendo decorrido de causas climáticas, a empresa aérea deve prestar assistência aos consumidores. Ainda, elenca que são direitos dos passageiros, prioridade no próximo voo da companhia para o mesmo destino; direcionamento para outra companhia sem custo adicional; ainda, direito a hospedar- se por custos da companhia aérea; ademais, “o consumidor tem direito a ressarcimento ou abatimento proporcional no caso de ocorrer algum dano material devido ao atraso, como perda de diárias, passeios e conexões”; pode por fim, pleitear os danos causados pelo problema judicialmente. (PROCON SP, 2013).

Ainda, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor- IDEC- afirma que as companhias aéreas são responsáveis pelos consumidores em casos de atrasos, cancelamentos, ou qualquer vício danoso a prestação de serviços no transporte aéreo, decorrentes de greves causadas pelos funcionários. Ou seja, o consumidor terá direito a assistência material por parte da empresa, de acordo com o tempo do atraso sofrido; e caso, não seja cumprida as determinações do instituto, o consumidor poderá reinvidicar indenizações por danos morais e materiais. O instituto aconselha que seja guardado pelo consumidor “o comprovante do cartão de embarque e os comprovantes dos gastos realizados, como alimentação, transporte, hospedagem e comunicação, ou documentos relacionados à atividade profissional que seria cumprida no destino” para melhor garantia dos seus direitos. (IDEC, 2011).

O advogado Flávio Siqueira Junior do IDEC exemplifica os direitos dos consumidores em casos de greves:

A greve é um direito assegurado ao trabalhador, mas em alguns casos pode trazer consequências negativas tanto para o fornecedor quanto para o consumidor. Entretanto, em uma relação de consumo, o consumidor é a parte mais vulnerável, sendo o fornecedor o detentor de maior poder econômico, por isso, as empresas devem encontrar alternativas para que o consumidor usufrua do serviço contratado sem sofrer qualquer prejuízo por conta da greve. (SIQUEIRA JUNIOR; apud; IDEC, 2011)

           

     Acerca do assunto, a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC- dita que as companhias aéreas devem providenciar todas as acomodações necessárias aos passageiros que foram prejudicados por atrasos nos voos, os serviços compreendem “comunicação, alimentação e acomodação”, ressalvando que os direitos a assistência por parte das empresas são devidos aos passageiros, elencando as necessidades do consumidor, bem como, o desejo do mesmo em reembolso ou créditos em programas de milhagem, se não optar por aguardar outra aeronave.  (ANAC, 2012).

Com relação ao tema, o Superior Tribunal de Justiça decidiu sobre, entendendo que os casos referentes a atrasos ou cancelamentos de voos decorrentes de casos fortuitos ou força maior devem ser analisados caso a caso, através das condições em que o incidente tenha ocorrido. Neste ponto, o STJ não diferenciou caso fortuito e força maior, mas optou por analisa-los de maneira particular em cada caso, atentando o caráter imprevisível dos ocorridos. O entendimento foi exemplificado pelo caso em que um urubu estava preso na turbina do avião, gerando atraso do voo, em que em resposta ao pedido de indenização, a empresa alegou caso fortuito, pois a ave foi absorvida pela turbina durante o voo. Porém, o STJ julgou ser fato corriqueiro acidentes entre aves e aeronaves no Brasil, não sendo, portanto, fato imprevisível, ensejando indenização por danos morais aos consumidores. (STJ, 2009)

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios manteve a decisão do juiz de primeiro grau em condenação a indenização por danos morais e materiais, no caso, em que a falta de funcionários habilitados para execução dos serviços não constituiu hipótese de caso fortuito, mantendo então, a responsabilidade objetiva da companhia aérea. (TJ-DF ACJ 20110160018995,10/05/2011). Em outra decisão, o mesmo Tribunal, entendeu não ser suposição de caso fortuito externo o caso em questão, primeiramente, reconheceu que as más condições climáticas seriam causas de exclusão da responsabilidade, mas no caso abordado, deveria ser analisado o “ônus que, na espécie, não se desincumbiu a recorrente”, pela “má prestação dos serviços postos à disposição do consumidor, em razão do cancelamento do voo por ele contratado”, devendo a empresa aérea indenizar o passageiro pelo prejuízo causado em conexão interrompida em Cuiabá. (TJ-DF - ACJ: 18997820118070001,14/02/2012)

Ainda, em outros julgamentos, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, considera caso fortuito e força maior como excludentes de responsabilidade, apesar da redação do art. 14 do CDC; e elenca no caso em questão a ocorrência de força maior resultante de chuva forte, incapaz de efetuar o pouso da aeronave, mesmo a apelante comprovando que aeronaves de outras companhias realizaram pouso. (TJ- BA, APL: 1196212008, 22/08/2008)

PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. COMPANHIA AÉREA. ATRASO NO VÔO EM RAZAO DE PROBLEMAS METEOROLÓGICOS. FORÇA MAIOR. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. CONFISSAO NAO CONFIGURADA. RECURSO IMPROVIDO 1. VERIFICA-SE A PRESENÇA DE CAUTELA E PRUDÊNCIA DA EMPRESA APELADA, NA MEDIDA QUE NAO HAVIA CONDIÇÕES PARA POUSOS E DECOLAGENS COM SEGURANÇA NO AEROPORTO. 2. RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. DANO MORAL TRANSTORNOS RELATIVOS A ATRASO EM VÔO. FORÇA MAIOR. AUSÊNCIA DE DIREITO À INDENIZAÇAO POR DANOS MORAIS. RECURSO PROVIDO. NAO HAVENDO CONDIÇÕES CLIMÁTICAS PARA POUSOS E DECOLAGENS NO AEROPORTO DE CURITIBA, SITUAÇAO QUE FOGE DA AUTONOMIA DE VONTADE DA DEMANDADA, NAO HÁ COMO SE IMPUTAR RESPONSABILIDADE. TAL SITUAÇAO CONSTITUI EXCLUDENTE DE FORÇA MAIOR, EXEGESE DOS ARTIGOS 734, E 73 .

(TJ-BA - APL: 1196212008 BA 11962-1/2008, Relator: ILZA MARIA DA ANUNCIACAO, Data de Julgamento: 22/08/2008, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)

           

A análise das decisões jurisprudenciais elucida que de fato os Tribunais entendem a exclusão da companhia aérea em eventual caso fortuito externo e força maior, mas em alguns julgamentos de Tribunais, entendem fatos como condições climáticas, aves na turbina, falta de funcionários por motivo greve, que em tese, seriam hipóteses de caso fortuito e força maior, não caracterizarem causas de exclusão da responsabilidade objetiva de indenizar e reparar os danos sofridos pelos consumidores, pois o caráter de imprevisibilidade não estaria configurado, ressaltando ainda, a vulnerabilidade do consumidor, além do entendimento do órgãos responsáveis pela aviação, possuindo desta forma ainda, nexo de causalidade entre fornecedor e o consumidor.  Salvo, a decisão do Tribunal do Estado da Bahia, que entendeu más condições climáticas como causa de força maior, e eventual exclusão de responsabilidade.

    

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A priori, cumpre ressaltar que foi mister a busca por demonstrar o conhecimento acerca da responsabilidade por fato do produto e do serviço, bem como suas excludentes de responsabilidade e a importância do nexo de causalidade, levantando assim, o conceito da responsabilidade emanado no CDC, buscando correlaciona-lo a todo instante com os atrasos de voo, causados ainda, por caso fortuito e força maior.

Então, tratou – se sobre as excludentes de responsabilidade objetiva, ressaltando o viés  da incidência do caso fortuito e força maior nas relações de consumo, tratando de seus efeitos e consequências para o fornecedor; ainda, correlacionando acerca da definição do rol do §3º do artigo 12, e a divergência da doutrina em ser exemplificativo ou taxativo, no primeiro caso será aceito outras excludentes de responsabilidade  e caso seja taxativo, não emprega caso fortuito; assim como, abordagem sobre a distinção entre caso fortuito externo e interno, cabendo ao primeiro, meio de excludente de responsabilidade nas relações de consumo.

Ainda, entendeu – se quais são as incidências de atrasos aéreos quando relacionados a caso fortuito e força maior, bem como, identificar quando acontecem, e o entendimento dos órgãos responsáveis pela segurança e proteção do consumidor, com relação ao tema. Ensejando, os levantamentos acerca do assunto, em suma, as companhias aéreas devem ser responsabilizadas e prestar assistência material aos consumidores, desde logo, em casos de atraso ou cancelamentos de voos.

A jurisprudência dita que as companhias aéreas não são responsáveis quando tratar- se de caso fortuito externo e força maior, mas asseguram, a responsabilidade do fornecedor em casos semelhantes às duas possíveis causas de não responsabilização.

Por fim, considera essencial ao consumidor em casos de atrasos de voo, a procura por informações em órgãos como ANAC, IDEC, e caso, sinta – se prejudicado por reflexos decorrentes de mau prestação de serviço por parte das companhias aéreas, buscar indenização que lhe couber de direito.

REFERÊNCIAS

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ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993.

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BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ DF)- ACJ: Apelação Cível do Juizado Especial 20100111834474ACJ  DF , Relator: ASIEL HENRIQUE, Data de Julgamento: 10/05/2011, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Publicação: 24/05/2011

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ DF)- ACJ: 18997820118070001 DF 0001899-78.2011.807.0001, Relator: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Data de Julgamento: 14/02/2012, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: 16/02/2012

BRASIL. Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) - APL: 1196212008 BA 11962-1/2008, Relator: ILZA MARIA DA ANUNCIACAO, Data de Julgamento: 22/08/2008, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

BRASIL. Lei nº 7.565 de 19 de dezembro de 1986. Código Brasileiro de Aeronáutica. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7565.htm>. Acesso em 12 de abril de 2013.

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[1] Paper desenvolvido com o objetivo de garantir aprofundamento acadêmico da disciplina Direito do Consumidor, do curso de Direito (vespertino), da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Graduandos do 6º período vespertino do curso de Direito da UNDB.