A RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO PÚBLICO PARECERISTA NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO: uma análise a partir dos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União

Por Adriana Teixeira Mendes Coutinho | 26/11/2017 | Direito

O presente trabalho objetiva debater a respeito da responsabilidade administrativa do advogado público parecerista no procedimento licitatório em âmbito federal. Tal questionamento se deu em virtude da redação do parágrafo único do art. 38 da Lei nº. 8.666/1993, que prevê um exame e aprovação das minutas de editais, assim como de posicionamento do Tribunal de Contas da União em responsabilizar solidariamente tais causídicos com o administrador público, fato que deu ensejo à impetração de mandado de segurança que foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal e que deu origem a diversos fundamentos importantes para o estudo.  Visando discutir o tema, discorreu-se a respeito da licitação na legislação pátria, a natureza jurídica do parecer e sua obrigatoriedade na dispensa e inexigibilidade. Em seguida, abordou-se o papel do advogado público na licitação, bem como sua relevância como função essencial à justiça do Estado Democrático de Direito, sua atuação e responsabilidade no exercício da função consultiva e também quanto à importância do parecer como controle de legalidade preventivo e sua integração como motivação da decisão do administrador. Além disso, foi explicitado sobre as responsabilidades às quais estão sujeitos os servidores públicos. Por fim, realizou-se uma análise da responsabilidade administrativa dos membros da Advocacia-Geral da União, a partir dos fundamentos suscitados nas decisões do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União.

1 INTRODUÇÃO

O parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993 afirma que “as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.” (BRASIL, 1988). Partindo da leitura deste dispositivo legal, surgem dúvidas quanto à natureza jurídica do parecer emitido pelos advogados públicos no procedimento licitatório e as consequências que podem acarretar em uma possível responsabilização. O tema se tornou ainda mais interessante, devido ao posicionamento do Tribunal de Contas da União que pretendeu responsabilizar solidariamente os referidos causídicos com os administradores públicos, fato que deu ensejo à impetração de mandado de segurança em face da corte de contas e julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. De fato, o caso retratado no julgamento do Mandado de Segurança nº. 2.4073-3, de certa forma, iniciou a discussão a respeito do assunto, visto que foram apresentados argumentos bastante interessantes, tais como a possibilidade de responsabilização somente em casos de erro grosseiro/inescusável ou prática de atos com culpa e, ainda, a incompetência do Tribunal de Contas para julgamento e a inviolabilidade profissional do citado advogado no exercício da sua função consultiva, frente ao interesse público1 (BRASIL, 2002). Diante disso, ressalta-se que o art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 elenca uma série de princípios que balizam a Administração Pública tais como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Todos eles decorrem do regime jurídico-administrativo que é alicerçado em prerrogativas e limitações, Sendo assim, é possível afirmar que, para o Direito Administrativo, os princípios constituem uma importante parcela a ser estudada e discutida visto que convergem para um fim em comum: o interesse público, sendo de extrema importância que a conduta dos agentes públicos se harmonize com este objetivo, sob pena de desvios de finalidade e possível responsabilização. E para que tal interesse público seja alcançado, a Administração, frequentemente, precisa da participação de terceiros e uma das formas é realizando contratos administrativos. Contudo, a assinatura da referida avença pressupõe a realização de um procedimento que 1 O Procurador do Estado do Rio de Janeiro, José Vicente Santos de Mendonça (2009) afirma, inclusive que esse caso foi um leading case por muito tempo em relação ao tema, ou seja, ele iniciou a discussão relacionada à possibilidade de responsabilização do advogado público parecerista. Vale ressaltar ainda que, tal decisão é citada até mesmo em outros julgamentos. 11 pode ser mais ou menos complexo e que, a princípio, deve servir para a escolha da proposta mais vantajosa e que melhor atenda ao interesse público, ou seja, a licitação. A Lei nº 8.666/1993, referente a licitações e contratos administrativos, pontua passo a passo deste procedimento administrativo tão utilizado, inclusive a Constituição Federal de 1988 prevê o princípio da obrigatoriedade no art. 37, inciso XXI. Vale ressaltar que a licitação deve seguir não apenas os princípios basilares expressos na Constituição Federal, mas também os inerentes que são previstos no art. 3º do regramento próprio, tais como: isonomia, seleção da proposta mais vantajosa, promoção do desenvolvimento sustentável, legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e julgamento objetivo. É justamente na fase interna da licitação que o problema surge, pois na realização desse “exame” e “aprovação” o advogado estaria somente exercendo sua atividade em âmbito consultivo, inclusive, prevista constitucionalmente. Por isso, o objetivo geral do presente trabalho é analisar a responsabilidade administrativa do advogado público parecerista no procedimento licitatório a partir dos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União. Partindo deste pressuposto, foram traçados alguns objetivos específicos de modo a facilitar a compreensão, sendo estes: estudar a importância do parecer como possível motivação do ato decisório da autoridade administrativa, expor a relevância do advogado público na licitação e discutir os fundamentos que embasam a responsabilização ou não. Com base nos objetivos, a pesquisa se classifica como exploratória, visto que se buscou um aprimoramento das ideias já existentes para que se chegasse a um resultado, já quanto aos procedimentos, se classifica como bibliográfica, pois foi baseada em livros, artigos científicos, teses e jurisprudência já elaborados (GIL, 2002, p.40-44). O método utilizado, segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 95-96), foi o hipotético- dedutivo, pois há um questionamento originado a partir de fundamentos utilizados na análise jurisprudencial e doutrinária, a partir do qual se buscou respostas provisórias fazendo críticas e dialogando ante o surgimento de novos problemas que surgiram no decorrer do trabalho. Sendo assim, a pesquisa tem importância social, científica e pessoal. A discussão tem relevância para a sociedade, uma vez que a licitação é um procedimento muito utilizado pela Administração para o alcance do interesse público. Consequentemente, a importância científica se relaciona ao enriquecedor debate doutrinário e jurisprudencial. Destacam-se os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União que possuem fundamentos interessantes para análise do tema da 12 responsabilização do advogado público, atuando no exercício de sua função consultiva no procedimento licitatório em âmbito federal. O motivo pessoal pelo qual a autora escolheu o tema foi a realização de estágio na Consultoria Jurídica da União no Estado do Maranhão pelo período de 2 (dois) anos. No órgão consultivo da Advocacia-Geral da União, sua função era analisar processos administrativos e elaborar pareceres jurídicos relacionados à minutas de editais de licitações, dispensas e inexigibilidades de licitação, termos aditivos e de apostilamento de contratos administrativos, abonos de permanência, autos de infração e outros temas. Por isso, seu interesse surgiu de questionamentos feitos a partir de casos concretos com a realização da prática jurídica extracurricular. A importância científica se pauta na necessidade de uma discussão mais aprofundada diante de um tema que ainda não é discutido de forma efetiva. Por isso, buscou-se analisar os argumentos demonstrados pela doutrina e jurisprudência, que embasam a responsabilização e os argumentos utilizados pelos próprios advogados quando da impetração de mandado de segurança em sua defesa. Contudo, não houve nenhuma intenção de esgotar tema ainda tão vasto. Portanto, no primeiro capítulo do presente trabalho, estuda-se a licitação na legislação pátria. Tal demonstração tem por escopo a visualização do parecer dentro do procedimento referido na Lei nº 8.666/1993, por isso, serão expostas as modalidades de licitação existentes, bem como a exigibilidade da peça opinativa no pregão e sua importância na dispensa e inexigibilidade de licitação. Também discute-se a natureza jurídica do parecer e a sua obrigatoriedade prevista no parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos. No capítulo subsequente, realiza-se uma abordagem da importância do advogado público na licitação, ressaltando-se a relevância da sua atuação como função essencial à Justiça no Estado Democrático de Direito. Desta feita, destaca-se os dispositivos constitucionais pertinentes, bem como comenta-se a respeito da atuação em âmbito contencioso e consultivo. Além disso, também discute-se a importância da do parecer como controle preventivo de legalidade, visto que pode integrar a motivação do administrador. No último capítulo, aborda-se a questão da responsabilidade do advogado público parecerista no procedimento licitatório, fazendo uma breve exposição dos tipos de responsabilidade existentes. Também faz-se uma análise jurisprudencial com base nos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União a respeito do tema. 13 Por fim, discute-se a responsabilidade administrativa dos membros da Advocacia-Geral da União em seu âmbito consultivo e, consequentemente, da sua estrutura organizacional e da competência da sua Corregedoria-Geral, apontando a independência de sua atuação em relação à Corte de Contas para a apuração em processo administrativo disciplinar.

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