A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA CIRURGIA PLÁSTICA E O ENTENDIMENTO...
Por Camilla Pires | 01/09/2016 | DireitoA RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA CIRURGIA PLÁSTICA E O ENTENDIMENTO MODERNO DOS TRIBUNAIS
Introdução
Com o desenvolvimento revolucionário das técnicas cirúrgicas, e com a ajuda de novos medicamentos, novas técnicas e novos equipamentos, existem atualmente inúmeras possibilidades de cirurgias plásticas com o intuito de corrigir defeitos corporais e de melhorar a aparência.
Como esse tipo de intervenção se popularizou, consequentemente ampliou-se a sua utilização e fez crescer o número de casos que ensejam discussão em torno da responsabilidade quanto aos danos estéticos decorrem da intervenção cirúrgica.
De outro lado, sua popularização fez surgir diversos oportunistas que, sem nenhuma especialidade, se aventuram nesse campo da medicina com resultados funestos, conforme tem sido constantemente divulgado pela mídia.
Em face desses desvios é que nossos Tribunais têm sido mais severos ao analisar questões envolvendo a responsabilidade civil por dano moral ou estético nas atividades profissionais dos médicos e hospitais onde atuam, em especial quanto ao alcance da solidariedade que eventualmente opere entre ambos.
Dessa forma, partindo desse pressuposto, o presente artigo científico, propõe uma aplicação mais humanitária e eficaz do Poder Judiciário no que se refere ao erro médico na cirurgia plástica.
1. A Responsabilidade Civil
1.1. Conceito de Responsabilidade Civil
O Código Civil brasileiro adota como regra o princípio da responsabilidade subjetiva, isto é, fundada na culpa (arts. 186 e 927, caput), pela qual a vítima somente obterá o direito à indenização se provar que o dano sofrido ocorreu por culpa do agente causador do dano. A culpa aqui referenciada é a lato sensu, que inclui, além da culpa stricto sensu (imprudência, negligência e imperícia), também o dolo.
Segundo o disposto no art.186 do Código Civil, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Desta conceituação podemos depreender que a expressão “ação ou omissão voluntária” está diretamente ligada à vontade do agente de agir ou se omitir, caracterizando assim o dolo, enquanto a “negligência ou imprudência” está diretamente ligada à culpa.
O legislador brasileiro não se preocupou em conceituar culpa, tarefa esta reservada a doutrina. Nesse sentido, Aguiar Dias assevera que “a culpa é a falta de diligência observação da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais da sua atitude.”[1]
É importante esclarecer eu, no campo da responsabilidade civil, o dever de indenizar pode até prescindir do dolo, bastando para tanto a simples existência da culpa.
Pela teoria clássica da culpa, a vítima somente obterá a devida reparação do dano se provar, e isto é sua obrigação, que o agente teve uma conduta culposa. Assim, a obrigação de indenizar se assenta no dever moral de não prejudicar ninguém e no senso de justiça presente na sociedade.
O Código adota ainda que subsidiariamente, em situações bem específicas, a culpa presumida, como no caso da responsabilidade pela ruína de edifício (art.937 do CC). Por essa teoria, que não exclui a culpa, a diferença fica no que diz respeito ao ônus probatório, que, nesta circunstância, passará a ser dever do agente causador do dano. Assim, a culpa, que continua sendo requisito obrigatório, se inexistente, deverá ser provada pelo agente do ato que causou o dano. Se o agente não provar a inexistência de culpa pelo seu ato, arcará com as responsabilidades pelos danos que seu ato tenha causado a terceiros.
Neste caso, embora a responsabilidade seja objetiva, o Código não adotou a teoria do risco integral, de tal sorte que, se o agente causador provar uma das clássicas eximentes da responsabilidade civil, poderá ficar isento do poder de indenizar.
Assim, em uma análise mais ampla da responsabilidade civil, pode-se dizer que ela é a ciência de reparação e/ou prevenção dos danos. Isso, porém, não afasta a noção segundo a qual a principal função da responsabilidade civil é compensatória.
Demais disto, nem sempre a consequência de uma responsabilidade civil é a indenização. Há condutas vedadas na norma codificada cuja incidência gera sanção diversa. À título ilustrativo, o abuso no exercício do Poder Familiar, com castigos imoderados, tem como consequência a suspensão ou destituição do Poder Familiar, na esteira dos artigos 1.637 e 1.638 do Código Civil.
O dever de indenizar está previsto no art. 927 do Código Civil, ao dispor que todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano, advindo dessa norma que o dever ressarcitório exige a presença da culpa.
A propósito, J.M. Carvalho Santos ensina que:
O essencial para haver a responsabilidade civil não é somente a imputabilidade; é preciso também que o fato seja culposo, isto é, contrário ao direito. A palavra culpa é empregada aí não no seu sentido restrito, mas no seu significado mais lato, abrangendo até o dolo. O nosso legislador, não se afastando da doutrina tradicional, conserva a responsabilidade civil com fundamento na culpa, provocada ou presumida, não acolhendo a nova teoria da responsabilidade sem culpa, tal como quer "Unger", e outros juristas de não menor porte.[2]
Decerto, o campo desta ceara é cada vez mais amplo e diversificado, abrangendo hodiernamente o público e o privado, dividindo-se em várias searas, como aéreo, terrestre, individual, coletivo, ambiental, etc. Por conta disso, muitas vezes a normatização relativa ao assunto ainda é incipiente, havendo o operador do direito de lançar mão da intitulada lógica do razoável.
Não se pode deixar de mencionar que, o Código de Defensa do Consumidor adotou a responsabilidade objetiva como fundamento da reparação dos danos oriundos dos acidentes de consumo (arts. 12 a 14) e o fez embasado na teoria do risco da atividade profissional como de forma de socializar os riscos na teoria do risco da atividade profissional como forma de socializar os riscos e de garantir a efetiva reparação dos danos causados ao consumidor.
Por esse teoria, “quem introduz um risco novo na vida social deve arcar com eventuais consequências danosas a outrem, em toda a sua integralidade.”[3]
A responsabilidade civil dos profissionais liberais, por falhas na prestação de serviços, deve ser fixada mediante a apuração de culpa, é o que preceitua o Código e Defesa do Consumidor (art.14, §4º). Assim, a responsabilidade é subjetiva, constituindo-se em exceção à regra geral ínsita na lei consumerista.
Desta forma, em qualquer ação indenizatória manejada contra profissional liberal se exigirá de seu proponente, além da demonstração do dano de do nexo causal, a prova de culpa do fornecedor de serviço, em qualquer de suas modalidades: negligência, imprudência ou imperícia.
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