A REPRESENTAÇÃO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NORDESTINA NA LITERATURA DE CORDEL
Por Genilson Dias Silva | 28/10/2012 | CursosA REPRESENTAÇÃO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NORDESTINA NA LITERATURA DE CORDEL
GENILSON DIAS SILVA
A REPRESENTAÇÃO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NORDESTINA NA LITERATURA DE CORDEL
Projeto de Pesquisa apresentado ao Departamento de Ciências Humanas do campus VI da Universidade do Estado da Bahia como pré-requisito para a aprovação na disciplina de Seminário Interdisciplinar de Pesquisa VII do curso de Licenciatura em Letras Vernáculas.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos
CAETITÉ2012
TEMA
A representação da variação linguística nordestina na literatura de cordel
PROBLEMA
O cordel é um tipo de poesia popular que, na contemporaneidade, vem adentrando ao universo acadêmico e erudito. Originalmente de cunho popular, é atualmente criada por pessoas de diversas classes sociais e de diversos níveis de escolaridade, alcançando todas as camadas sociais, uma vez que não privilegia, na maioria das vezes, o rebuscamento ou formalismo. Isso, no entanto, se tratando do cordel tradicional, pois não podemos deixar de considerar os cordéis mais acurados dos cordelistas da atualidade, estes fazem, muitas vezes, um trabalho mais bem elaborado quanto à linguagem empregada.
Porém, aqui se dará ênfase na literatura de cordel tida como tradicional, aquela que guarda em si a ideologia habitual do cordel, aquele cordel produzido por nordestinos e, quase sempre, originários das classes mais populares. Nesse cenário, estes cordelistas representam, em suas criações literárias, o português falado no nordeste brasileiro, uma vez que o limite entre a oralidade e o que escrevem, nessas produções, é muito tênue. Nesse sentido, surge a seguinte questão: Até que ponto as marcas fonéticas, morfossintáticas, lexicais da variação linguística nordestina transparecem nessa literatura?
OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
Analisar em que medida a literatura de cordel representa, em seus textos, o português falado no nordeste brasileiro.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Caracterizar o cordel como gênero da literatura popular;
- Identificar na literatura especializada traços fonéticos, morfossintáticos e lexicais próprios do português falado no NE brasileiro;
- Identificar o (des)uso desses traços nos textos de cordel selecionados, analisando em que medida esse gênero literário se apropria de elementos da fala nordestina.
JUSTIFICATIVA
Escolhi trabalhar com a literatura de cordel por uma questão de gosto pessoal, uma vez que aprecio muito esse segmento literário. Tive o primeiro contato com o cordel na 8ª série do ensino fundamental, através das aulas de língua portuguesa da professora Valdeci e na graduação passei a apreciar mais, realizando um seminário e uma oficina sobre este tema.
Vítima de muitos estereótipos, a literatura de cordel necessita de investigações mais acuradas em suas particularidades. Por isso, é relevante para a Academia uma pesquisa que contribua para o nível de conhecimento dela, abordando aspectos novos ou com novos olhares e, assim, ir destruindo os estereótipos sobre o cordel nordestino.
Esse trabalho será pertinente em minha formação acadêmica, além de contribuir socialmente, uma vez que valorizará um “produto” cultural de extrema relevância para a cultura brasileira, principalmente o nordeste, e lançará outros olhares sobre a nossa literatura de cordel.
Com base nessas indagações e quiçá outras, o presente trabalho investigará nos aportes teóricos referentes e em textos de cordel como é apresentada a fala da região nordeste na poesia de cordel, buscando evidenciar em que medida esta literatura representa ou pode representar o português falado no nordeste. Dessa forma, esse enfoque será pertinente para compreendermos o fazer poético dos cordelistas em seu aspecto linguístico e valorizar o universo do cordel no âmbito acadêmico, além, de colocar a questão das variações linguísticas em discussão.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Advinda da Península Ibérica, cuja exposição em cordas nas feiras deu origem ao seu nome atual, a Literatura de Cordel chegou ao nosso país trazido pelas caravelas portuguesas, contudo, foi somente no final do século XIX que, de fato, surgiu a Literatura de Cordel Brasileira, “fruto da confluência para a cidade do Recife, de quatro poetas nascidos na Paraíba. Silvino Pirauá de Lima, Leandro Gomes de Barros, Francisco das Chagas Batista e João Martins de Athayde” (HAURÉLIO, 2010, p. 13). O segundo desta lista é considerado o pai do Cordel brasileiro e o Dia do cordelista, 19 de novembro, marca a data de seu nascimento, em sua homenagem.
Essa expressão literária se espalhou por todos os cantos do nordeste, em diferentes trajetórias e diferentes vertentes. Marco Haurélio, pesquisador e também cordelista, expôs uma breve definição dessa literatura da seguinte forma: “A Literatura de Cordel é a poesia popular, herdeira do romanceiro tradicional, e, em linhas gerais, da literatura oral (em especial dos contos populares), desenvolvida no Nordeste e espalhada por todo o Brasil pelas muitas diásporas sertanejas” (HAURÉLIO, 2010, p. 16).
A partir dessa penetração nos vários cantos, o Cordel, em seus mais de cem anos de vida no Brasil, viveu períodos ricos e períodos de crise. Por volta dos anos de 1970, muitos poetas previam a “morte” do cordelismo, devido a escassez momentânea dessa poesia, no entanto, essa pessimista previsão não se confirmou e hoje a Literatura de Cordel está fortalecida por grandes cordelistas, espalhados por todo o país, e por acadêmicos que debruçam suas pesquisas a esta rica manifestação cultural.
Os poemas de cordel possuem algumas características peculiares que os distinguem de outras manifestações literárias. Predomina em relação ao aspecto formal, as sextilhas, estrofes de seis versos, mas também se encontra a chamada setessilábica, a quadra e a estrofe de dez versos. É poesia para ser lida ou declamada, o que a distingue de um parente próximo, o repente. Quanto à linguagem (e é isso que nos interessa aqui), o Cordel possui uma variada gama de peculiaridades.
A literatura de cordel conserva, em sua grande maioria, um caráter popular, por isso, ela é manifestada fazendo uso de uma linguagem oral ou o mais próximo da oralidade. Conforme o pesquisador Joseph Luyten “a comunicação em nível popular, na realidade, significa troca de informações, experiências e fantasias de analfabetos ou semiletrados com seus semelhantes” (LUYTEN, 2005, p. 24) e esclarece que analfabeto e iletrado não significa ignorante, lembra que grandes civilizações como a inca e a asteca foram erguidas sem o uso da escrita.
Nessa perspectiva, apesar do grande número de cordelistas “acadêmicos” na atualidade, o cordel guarda em si características da literatura popular e do aspecto oral, por isso, traz marcas da linguagem característica da região em que foi produzida. Assim, supõe-se que o cordel produzido no nordeste brasileiro traz consigo marcas da linguagem falada nesta região.
Região extensa que apresenta internamente uma diversidade cultural e linguística, levando pesquisadores como Antenor Nascentes (cf. LEITE & CALLOU, 2002) a dividir, linguisticamente, o nordeste em duas áreas: uma seria a do “falar baiano”, compreendendo o estado da Bahia e invadindo parte de Sergipe, Minas Gerais e Goiás; a outra seria a do “falar nordestino” e compreenderia os outros estados do nordeste.
A citada divisão foi realizada em 1953 e ainda serve de parâmetros, grosso modo, da realidade linguística brasileira quanto às áreas geolingüísticas, pois segundo a estudiosa Suzana Alice Marcelino Cardoso a realização de um Atlas linguístico brasileiro, que foi aprovado por lei, nunca saiu do papel (cf. CARDOSO 1999). O que se têm atualmente são atlas regionais que visam caracterizar os falares específicos das regiões estudadas, então, apesar de críticas, a divisão de Antenor Nascentes (falar amazônico, baiano, nordestino, mineiro, fluminense, sulista e território incaracterístico) continua com pertinência.
Para alguns estudiosos a exemplo de Yonne Leite e Dinah Callou esta divisão é complexa, pois as divisões dialetais e seus atlas linguísticos, muitas vezes, leva em conta apenas os aspectos geográficos e desconsideram as idiossincrasias socioculturais. De acordo com Leite & Callou (2002, p. 17-18) “as diferenças na maneira de falar são maiores, num determinado lugar, entre um homem culto e o vizinho analfabeto do que entre dois brasileiros do mesmo nível cultural, originários de regiões distantes uma da outra.” Por isso, também, as diferenças na linguagem empregada pelos cordelistas se dão devido à questão cultural, tendendo, aqueles de baixo domínio da cultura letrada, a transmitir seus sentimentos e sua visão de mundo através de uma linguagem acessível a eles e de traços da oralidade.
Este é um dos motivos pelo qual a literatura de cordel sofre um grande preconceito, ou seja, por ser um fazer poético feito pelo povo – em sua grande maioria – que traz a linguagem cotidiana e recheada de variedades, fazendo surgir a divergência entre “cultura intelectual” e “cultura do povo”. Apesar desses inúmeros percalços, o cordel segue, mesmo com preconceitos e controvérsias, sendo propagada em diversos espaços e regiões, conquistando públicos dos mais variados segmentos da sociedade, hoje ele é um gênero consumido, também, por um público letrado e de classe média. Com isso, o cordel representa ainda na contemporaneidade
o “estilo” privilegiado de reflexão sobre uma imagem do Nordeste veiculado pelos próprios nordestinos. Nesse contexto, o cordel entendido em sua manifestação poética produz um sentimento e uma imagem do que seria o Nordeste, e, mesmo que não se trate explicitamente do nordestino, encarna um "estilo nordestino" de reflexão sobre o mundo ou mesmo de criação de um mundo que quer ser "essencialmente" nordestino. (GONÇALVES, 2007, p. 02)
Sendo assim, essa literatura faz uso da linguagem para propagar seus versos, suas rimas, sua métrica, etc. e alcançar o público leitor que aprecia seus temas e seu modo de expor. Como produto da língua, o cordel é expresso pela capacidade de comunicação de seu criador, por isso, ele carrega em si as marcas ideológicas e também as marcas do linguajar de seu autor, linguajar que, como sabemos em um país enorme e multicultural como o Brasil, não é algo homogêneo, mas muito diversificado.
Daí nasce os preconceitos, colocando o jeito de falar de uns como superior ao falar de outros, é o caso de exaltar os falares do sul e sudeste do país e menosprezar os falares do norte e nordeste, perpetuando preconceitos advindos da ignorância cultural e consequentemente linguística.
Pois “a variação existente hoje no português do Brasil, que nos permite reconhecer uma pluralidade de falares, é fruto da dinâmica populacional e da natureza do contato dos diversos grupos étnicos e sociais nos diferentes períodos da nossa história” (LEITE & CALLOU, 2002, p. 57).
Nessa ótica, torna-se relevante a derrubada desses mitos e preconceitos que cerca a concepção de língua existente no senso comum brasileiro para que, sem utopia, possamos ter um “real conhecimento da complexidade dos fatos que caracterizam cada falar” (Idem, p. 63) e desenvolver uma criticidade linguística.
O cordel pode ser um dos instrumentos para, além de propagar a cultura de uma região – Nordeste, levar a consciência das múltiplas variações linguísticas existentes no português do Brasil, neste caso as do “falar nordestino”. Assim sendo, este fazer poético pode contribuir para a valorização da cultura e de expressões que fazem parte da vida da gente nordestina.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente trabalho será desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, pesquisando na literatura especializada pertinente ao tema desenvolvido, a escolha se deu por entender que esse procedimento satisfará as demandas do trabalho proposto, sendo coerente com os objetivos almejados neste trabalho.
Assim, buscará atender aos objetivos: i) Caracterizar o cordel como gênero da literatura popular; ii) Identificar na literatura especializada traços fonéticos, morfossintáticos e lexicais próprios do português falado no NE brasileiro e iii) Identificar o (des)uso desses traços nos textos de cordel selecionados, analisando em que medida esse gênero literário se apropria de elementos da fala nordestina.
Para o primeiro objetivo serão trazidos os referidos autores (Joseph Luyten, Marco Haurélio e Lêda Ribeiro) e mais outros que contribuirão para a caracterização da literatura de cordel em seus mais variados contornos. A pesquisa se dará em obras publicadas por estes como O que é literatura de cordel, de Joseph Luyten, Breve história da literatura de cordel, de Marco Haurélio, A poesia popular, de Lêda Ribeiro, além de artigos que possam contribuir como Cordel híbrido, contemporâneo e cosmopolita, de Marco Antônio Gonçalves.
O segundo objetivo será buscado em obras que tratam do aspecto linguístico do falar nordestino, seja traços fonéticos, morfossintáticos ou lexicais. Buscará estudar áreas como a Sociolinguística, a Dialetologia, a Geolinguística e a Fonética que trate dos fenômenos linguísticos pertinentes ao Nordeste brasileiro, então, autores como Yonne Leite e Dinah Callou (Como falam os brasileiros), Mário Marroquim (A língua do Nordeste), Marcos Bagno, entre outros, serão trazidos a baila para tentar visualizar as variações do falar nordestino, isso obedecendo, também, à classificação realizada por Antenor Nascentes ao trazer o “falar nordestino”.
Já o terceiro objetivo será realizado da seguinte forma: primeiro se fará a seleção de alguns cordéis (ainda não selecionados, por isso não posso citar) criados por autores nordestinos, em especial aqueles provindos da área que se enquadra no “falar nordestino”, de Nascentes, após isso, acontecerá o enfretamento/comparação entre esses cordéis e assim poder visualizar os traços linguísticos pertinentes a esse trabalho. Feito isso, pode-se fazer a análise literária dos textos de cordel, tendo em vista o (des)uso dos traços linguísticos nestes textos e assim entender como se dá a representação da fala nordestina e suas variações nesta literatura.
Com todo esse processo de pesquisa, será possível responder ao problema do trabalho, que é: Em que medida a literatura de cordel representa, em seus textos, o português falado no nordeste brasileiro? E assim, lançar novos olhares para a nossa rica literatura nordestina, valorizando-a culturalmente e linguisticamente, bem como discutir a linguagem intrínseca do Nordeste de acordo com a epistemologia mais pertinente.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFCAS
CARDOSO, Suzana Alice Marcelino (UFBA). A Dialectologia no Brasil: perspectivas. DELTA, vol. 15, nº Especial, 1999 (233-255). Disponível em: www.scielo.br/pdf/delta/v15nspe/4018.pdf. Acesso: 27/07/2012.
GONÇALVES, Marco Antonio. Cordel híbrido, contemporâneo e cosmopolita. Textos escolhidos de cultura e arte populares. Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 21-38, 2007. Disponível em: www.pt.scribd.com/.../marco-antonio-goncalves-cordel-hibrido-contemp.pdf. Acesso: 02/08/2012.
GRILLO, Maria Ângela de Faria. História de verso e reverso. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 2, n. 13. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, out. /2006.
HAURÉLIO, Marco. Breve história da literatura de cordel. São Paulo: Claridade, 2010.
LEITE, Yonne & CALLOU, Dinah. Como falam os brasileiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002 (Descobrindo o Brasil).
LUYTEN, Joseph Maria. O que é literatura de cordel. São Paulo: Brasiliense, 2005 (Coleção primeiros passos).
MEIRA, Vivian. O português falado no Brasil: evidências sócio-históricas. In: MEIRA, Vivian (Org.). Português Brasileiro: estudos Funcionalistas e Sociolinguísticos. Salvador: EDUNEB, 2009.
RIBEIRO, Lêda Tâmega. A poesia popular. In: RIBEIRO, Lêda Tâmega (1987). Mito e poesia popular. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore.
TAVARES, Braulio. O flautista misterioso e os ratos de Hamelin. Ilustrações de Mario Bag. São Paulo: Editora 34, 2006.
www.ablc.com.br (consultado em 02/05/2012)