A RELAÇÃO ENTRE AFETIVIDADE E COGNIÇÃO NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Por Aparecida Dolores Tomaselli | 06/03/2011 | Educação

A RELAÇÃO ENTRE AFETIVIDADE E COGNIÇÃO NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL


Aparecida Dolores Tomaselli
Profª Mônica Maria Baruffi
Instituto de Pós Graduação e Extensão - IPGEX
Educação Infantil, Séries Iniciais e Gestão Escolar ? Metodologia da Pesquisa
09/07/07.

RESUMO

Este trabalho foi elaborado com o intuito de provocar uma reflexão acerca da relação entre afetividade e cognição no desenvolvimento infantil, analisando o papel da escola neste contexto, já que esta tende a separar o pensador do conhecimento, o professor da matéria, o aluno da escola, enfim, separa o sujeito do objeto. Diante disso, tem havido um apelo entre psicólogos e educadores no sentido de humanizar o conhecimento (e os próprios mestres) com o intuito de se desenvolver paralelamente ao aspecto cognitivo, também o afetivo. As escolas geralmente, aplicam conteúdos, que não incluem o exercício de todos os conhecimentos e vivências que qualquer pessoa necessita para desenvolver-se autonomamente em sua vida cotidiana, ou seja, tudo o que diz respeito aos sentimentos, aos afetos e às relações interpessoais, parece não merecer nenhum tipo de educação, sendo delas excluídos e deixados nas mãos do acaso, que tende reproduzir as condutas imperantes do meio. A afetividade envolve a interação entre educador e educando e influencia decisivamente no processo de aprendizagem. Por isso, é importante que o professor promova um ambiente de prazer e alegria onde a criança seja respeitada no seu processo de desenvolvimento e onde o professor seja conhecedor das particularidades desse processo.

Palavras-chave: Afetividade; Cognição; Desenvolvimento Infantil.


1 INTRODUÇÃO

Não é recente a discussão sobre o papel da afetividade na constituição da subjetividade humana. Nos escritos filosóficos da Grécia antiga até a modernidade o que se evidencia é uma concepção dissociada, na qual a razão quase sempre tem valorização superior em relação aos sentimentos. Na psicologia, não foi muito diferente, quando alguns tentavam provar que razão e emoção caminham juntas, outros rebatiam a idéia. Ainda hoje, persiste a idéia de que cognição e afetividade são dissociadas. É muito comum educadores dividirem a criança em duas metades: cognitiva e afetiva. Esse dualismo é um dos maiores mitos presentes na maioria das propostas educacionais da atualidade.

O professor é quem prepara e organiza o universo da busca e do interesse das crianças. A postura desse profissional da educação se manifesta na percepção aos interesses das crianças que, em cada idade, diferem em seu pensamento e no modo de sentir o mundo. É preciso refletir sobre que tipo de cidadão queremos formar: autônomo, crítico e atuante ou calculista, frio e desprovido de sentimentos - apropriado para a instrução das matérias escolares clássicas.

É preciso um estudo mais profundo sobre a relação entre afetividade e cognição, para que se possa compreender seu verdadeiro significado e suas ressonâncias. Aqui será abordada a teoria de Jean Piaget dando suas contribuições para este tema muito polêmico. Num segundo momento, serão feitas algumas reflexões sobre o afetivo e o cognitivo na educação e a relação entre educando e educador, para que se possa ter um panorama geral sobre a importância da afetividade no processo de desenvolvimento infantil, propondo mudanças no contexto escolar.



2 PIAGET: PERSPECTIVA TEÓRICA NA COMPLEXA RELAÇÃO ENTRE
AFETIVIDADE E COGNIÇÃO

Piaget foi um dos grandes estudiosos da Psicologia do Desenvolvimento, dedicou-se exclusivamente ao estudo do desenvolvimento cognitivo, à gênese da inteligência e da lógica. Os Pressupostos Básicos de sua Teoria são: O Interacionismo, a Idéia de Construtivismo Seqüencial e os Fatores que Interferem no Desenvolvimento. Sua teoria chamada de Epistemologia genética ou Teoria psicogenética é a mais conhecida concepção construtivista da formação da inteligência.

Segundo Piaget, o desenvolvimento cognitivo é um processo de sucessivas mudanças qualitativas e quantitativas das estruturas cognitivas derivando cada estrutura de estruturas precedentes. Ou seja, o indivíduo constrói e reconstrói continuamente as estruturas que o tornam cada vez mais apto ao equilíbrio.

Na concepção Piagetiana, a criança é concebida como um ser dinâmico, interagindo a todo momento com a realidade, operando ativamente com objetos e pessoas. Essa interação com o ambiente faz com que construa estruturas mentais e adquira maneiras de fazê-las funcionar. "Equilíbrio e estrutura são os dois aspectos complementares de toda organização do pensamento" ( Piaget apud SALTINI, 1997 p. 87). O eixo central é a interação organismo-meio e isso acontece através de dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio, funções exercidas pelo organismo ao longo da vida. A adaptação definida por Piaget, como o próprio desenvolvimento da inteligência, ocorre através da assimilação e da acomodação. Os esquemas de assimilação vão se modificando, configurando, os estágios de desenvolvimento que são: período sensório-motor (0 a 2 anos), período pré-operatório (2 a 7 anos), operatório-concreto (7 a 11 anos), e período abstrato(11 anos em diante). Estes estágios seguem idades mais ou menos determinadas. Porém, o importante é a ordem dos estágios e não a idade de aparição destes. Piaget diz:

[...] as estruturas sensório-motoras constituem a origem das operações ulteriores do pensamento. Isto significa, portanto, que a inteligência procede da ação em seu conjunto, na medida em que transforma os objetos e o real, e que o conhecimento, cuja formação pode seguir-se na criança, é essencialmente assimilação ativa e operatória. (PIAGET, 1968, p. 32).


Na perspectiva piagetiana, seria importante que a escola, os professores, partissem dos esquemas de assimilação da criança propondo atividades desafiadoras que provoquem desequilíbrios e reequilibrações sucessivas, promovendo a descoberta e a constituição do conhecimento. Como complementa Moreno et al.:

[...] sua função é despertar a inquietude, provocar a pergunta, incitar a curiosidade, para logo criar a contradição que ponha em cheque a resposta dada, conduzindo à descoberta de soluções mais adequadas. Somente quando os alunos são incapazes de encontrar por si mesmo uma resposta ou solução adequada, os professores intervêm na situação, mas sem tentar substituí-los em sua tarefa de pensar. (MORENO et al, 1999, p. 57)


Piaget estabelece uma importante visão nas dimensões afetivas e cognitivas no campo da ação moral. Segundo o teórico, toda a ação remete a um "fazer", a um "saber fazer" e a dimensão afetiva que corresponde ao "querer fazer", sendo assim, as dimensões cognitiva e afetiva, aparecem em seus postulados teóricos como indissociáveis. Piaget integra os aspectos afetivos à formação e estruturação da inteligência na criança, revelando a dupla face, (cognitiva e afetiva) no desenvolvimento psicológico.

A afetividade não se restringe somente às emoções e aos sentimentos, mas engloba também as tendências e a vontade. Não se pode explicar a inteligência pela afetividade e tampouco a afetividade pela inteligência.

[...]os aspectos afetivos, sociais e cognitivos da conduta são, de fato, indissociáveis, a afetividade constitui a energética das condutas cujas as estruturas correspondem às funções cognitivas e, se a energética não explica a estruturação nem o inverso, nenhuma poderia funcionar sem a outra. ( PIAGET, 1968, p. 104).

Cognição é o processo de conhecer. Envolve os seguintes aspectos:

? Atenção: concentração da mente no objeto selecionado. Pode ser involuntária, passiva e espontânea (ocasionada por estímulos externos) ou controlada, voluntária e dirigida (causada pela intenção do indivíduo)
? Percepção: apreensão dos objetos comuns ao indivíduo assim que são percebidos através do sistema sensorial.
? Memória: conhecimento inferido de objetos captados de percepções ou emoções passadas.
? Juízo: ato mental de afirmar ou negar um conteúdo afirmável.
? Raciocínio: habilidade de conectar juízos.
? Imaginação: reanimação de objetos de percepções anteriores (imaginação reprodutiva) e combinação dos mesmos em novas unidades (imaginação criativa).
? Pensamento: capacidade de pensar os objetos da intuição sensível. O pensamento é a origem dos conceitos que unificam a multiplicidade dos sentidos no processo de percepção.
? Discurso: comunicação ordenada do pensamento ou poder de pensar logicamente.

De acordo com a teoria psicogenética, descrita aqui, o processo que a criança realiza na aquisição do conhecimento ocorre a partir do seu interior e não da internalização direta do seu ambiente porém, não podemos assumir uma postura equivocada a respeito do fator ambiental neste processo já que o homem é um ser essencialmente social, impossível, portanto, de ser pensado fora do contexto da sociedade em que nasce e vive. Piaget pensa o social e suas influências pela perspectiva da ética, ou seja, como um processo construtivo, resultante das contínuas interações do sujeito com o mundo.

Piaget (1968) demonstra em sua teoria que a afetividade pode levar a aceleração ou retardamento das estruturas cognitivas, mas não é a causa da formação delas. O presente afetivo é determinado pelo histórico emocional vivido pelo sujeito e considera todas as ações da criança inteligentes, independentemente dos níveis de desenvolvimento. Então, pode-se dizer que toda criança é capaz de executar, de estabelecer relações com o outro a partir de sua habilidade estrutural. O termo estrutura dentro desta teoria, refere-se aos níveis de desenvolvimento que a criança estabelece no percurso de sua maturação biológica em consonância com a estruturação cognitiva.
A afetividade, portanto, assume uma notável dimensão neste complexo processo estrutural da inteligência. De acordo com Piaget (1978, p. 13), as estruturas "[...] são variáveis e serão as formas de organização da atividade mental, sob um duplo aspecto: motor ou intelectual de uma parte, e afetivo de outra, com suas dimensões individual e social".

Piaget procurou estudar geneticamente a afetividade na formação da gênese do sentimento moral, suas relações com os juízos, as articulações entre interesses e estruturas.


3 O AFETIVO E O COGNITIVO NA EDUCAÇÃO

Desde o seu nascimento, a criança necessita que o ambiente satisfaça suas necessidades básicas de afeto, apego, desapego, segurança, disciplina e comunicação, pois é nele que se estrutura a mais importante forma de aprendizagem: a de estabelecer vínculos, isto é, a capacidade de se relacionar, tendo-se em conta que o ser humano é um ser social.

Jean Piaget, foi um dos primeiros nomes a questionar a separação entre cognição e afetividade, compartilha juntamente com os teóricos Lev S. Vygotsky e Henry Wallon, da idéia de que a emoção e a razão estão intrinsecamente ligadas. O desenvolvimento intelectual é considerando como tendo dois componentes: o cognitivo e o afetivo. Paralelo ao desenvolvimento cognitivo está o desenvolvimento afetivo. Afeto inclui sentimentos, interesses, desejos, tendências, valores e emoções em geral.

Toda ação e pensamento compreendem um aspecto cognitivo, que são as estruturas mentais, e um aspecto afetivo, que serve como uma energética. De maneira geral, a afetividade seria funcional para a inteligência: ela é a fonte de energia pela qual a cognição funciona. Piaget afirma que afetividade e cognição são diferentes em natureza, porém inseparáveis em todas as ações humanas. Segundo Moreno et al. (1999, p. 15): " Não há nada que justifique voltar-se a educação para somente um deles, excluindo o outro. A não ser que se tenha interesse em manter as relações humanas ? em suas múltiplas facetas - tais como estão."
As escolas ocidentais, geralmente têm em sua estrutura curricular os conteúdos que objetivam com exclusividade o desenvolvimento cognitivo de seus educandos. Privilegia o desenvolvimento do raciocínio e da cognição e ignora os interesses e conteúdos presentes no cotidiano da maioria das pessoas. Seria importante que os conteúdos ministrados em Matemática, História, Artes, etc, fossem encarados não mais como a finalidade da educação e sim, como meio para a escola atingir um objetivo mais amplo, que é a formação de sujeitos autônomos, conscientes de si, de seus próprios sentimentos e das responsabilidades para consigo e para com os demais membros da sociedade.

Abordar os sentimentos humanos como um conteúdo escolar, de forma sistematizada é algo insólito em nossa realidade educacional. Mas como trabalhar na sala de aula os conteúdos tradicionais e conteúdos do cotidiano, como os sentimentos? A princípio os educadores podem achar isso difícil de ser feito, até mesmo uma utopia. Mas, desprendendo-se das formas tradicionais de educação de acordo com os quais foram acostumados a pensar, quem sabe isso não fosse tão utópico como parece.

É mais difícil abandonar velhas formas de pensamento que durante anos nos pareceram as únicas possíveis do que descobrir e praticar novas metodologias e uma forma de ensino menos discriminatória. Como diz Moreno et al. (1999, p.13) "[...] mais difícil do que adquirir novos conhecimentos é conseguir desprender-se dos velhos. Abandonar uma idéia supõe renunciar a uma parte de nosso pensamento, é deixar-se fascinar pelo insólito, é nisso que reside o gérmen do progresso."

Não se trata de abandonar os conteúdos tradicionais e sim, conduzi-los de forma diferenciada. Onde, o científico e o cotidiano se aproximem, tornando-se a aprendizagem mais atraente e útil aos educandos e não uma obrigação, um tédio. Não se pode falar de uma verdadeira mudança, se forem mantidos os vazios tradicionais do conhecimento social e afetivo já que é este conhecimento que conduz às mudanças reais no comportamento das pessoas.

A solidariedade, a ajuda mútua, a luta contra a discriminação, a consciência ecológica podem ser aprendidas na escola. Não com grandes discursos, mas por intermédio de ações solidárias e de reflexões sobre os próprios sentimentos e comportamentos. A escola deveria ajudar o homem desde a sua infância, não somente, a interagir com os objetos e as regras do meio, mas principalmente consigo mesmo.
A educação não é uma transmissão do conhecimento, de um saber ou até mesmo de uma conduta, mas sobretudo, uma iniciação à vida. É o local das primeiras interações com um meio mais amplo (natureza e cultura); um dos espaços onde a pessoa começa a viver com os primeiros elementos simbólicos que lhe lembram o lugar de onde veio (família e ventre); um lugar onde possa se preparar para enfrentar e assimilar o contexto social. Nesta perspectiva, é um espaço e um tempo intermediário entre o nascimento e o destino, o trabalho, a profissão, a vida madura e adulta. Então, segundo Saltini (1997, p. 31):
[...] a escola que não leva em consideração a interação entre a vida egocêntrica, familiar, uterina e a vida psicosociocultural como todos os seus devidos fatores e correspondentes repercussões de uns sobre os outros, não poderia ser considerada uma escola séria e responsável, em termos evolutivos e menos ainda no sentido de seqüência e conseqüência para o futuro do indivíduo.

Mas, uma nova postura diante do ato de educar não deverá ser mais um modismo, uma ideologia que poderia levar simplesmente a uma conclusão estética, de aparências, de status e sim, de comprometimento diante do ser humano, com real intuito de transformação, de mudança para melhor, claro. Mas como? Qual seria então, a função da educação? Seria a de dar a cada criança matérias-primas ao pensamento, quantidades enormes de objetos acabados (informações) para que ela possa viver com um grande estoque desses elementos armazenados? Será que as enciclopédias por si sós, resolvem os problemas da vida ou das relações? É evidente que não, o que necessitamos é de seres pensantes capazes de criar relações construindo aquilo que jamais fora feito antes ou pensado.

A vida nos propõe atitudes de constante transformação, entendendo as necessidades do momento e do tempo dos indivíduos perante os problemas sempre novos que se apresentam. As máquinas, a mentalidade, as necessidades mudam, tudo está em constante mudança. Por isso, a educação deverá ter uma certa sensibilidade com isso, pois quando nos colocamos diante de uma criança devemos pensar em como prepará-la para daqui a dez ou vinte anos e não encaminhá-la para lições, informações e soluções que só tem validade para hoje. Será que algum educador já pensou nisso? Ou será que só se propõe a cumprir o currículo. É aí que deve começar a reflexão em prol de uma transformação na maneira de conceber o ato educativo.

É claro que não poderíamos viver sem matérias-primas, porém a escola acredita fielmente há muitos séculos que a simples informação poderia resolver toda a questão. A escola nunca induziu os educandos a analisar uma informação, a problematização dos fatos, já oferece tudo pronto, do tipo "siga o modelo". A criança está lá com seus problemas, nunca, porém, daqueles que são mostrados pelos livros de física, matemática, etc. estamos sempre diante de problemas, que jamais serão resolvidos com o discurso de nossos professores, mas sempre com a coordenação do nosso pensamento.

As escolas não devem esperar que as crianças façam tudo o que querem, mas que queiram tudo o que fazem e que ajam e não sejam forçadas à ação, explorando seus interesses, ligando-os à elas, à sua vida, ao seu cotidiano. Para que assim tenham verdadeiro significado. Segundo Freire apud Saltini (1997, p. 85):

Para ser válida toda educação, toda a ação educativa, deve necessariamente ser precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto, do homem concreto a quem queremos educar ou melhor: a quem queremos ajudar a que se eduque. Se vier a faltar tal reflexão sobre o homem, corre-se o risco de adotar métodos educativos e maneiras de agir que reduzem o homem à condição de objeto, quando a sua vocação é a de ser sujeito e não objeto.

Entretanto, não é possível ensinar e conhecer uma criança sem considerar seus aspectos energéticos. A relação afetiva que se estabelece é um vínculo entre seres humanos, é uma relação de afeto no contexto da educação. A televisão ou o computador, por si sós, não podem educar, pois para que haja conhecimento e que este evolua para um saber, precisamos estabelecer uma relação humana, sem a qual não há possibilidade do indivíduo crescer.

De nada adianta termos os melhores programas de televisão ou de computador, se não houver a relação afetiva, não há o desenvolvimento de ninguém. Apenas o homem pode conduzir o homem ao crescimento. Se conseguirmos articular o aspecto cognitivo com o aspecto afetivo, teremos um amplo conhecimento de como é o funcionamento do ser humano.

A educação é uma arte. Não é uma mera profissão ser educador. Nós manipulamos a educação com as duas mãos: do afeto e da lei e das regras. O afeto buscando o prazer se transforma em interesse e este por sua vez provoca a interação com o meio. Por que eu aprenderia, recriaria no meu interior aquilo que não me interessa? Para educar o ser humano é imprescindível conhecê-lo profundamente, bem como, respeitar seu desenvolvimento. É necessário ter a percepção correta de como esse ser se desenvolve. "As escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de conteúdos e técnicas educativas. Elas têm contribuído em demasia para a construção de neuróticos por não entenderem de amor, de sonhos, de fantasias, de símbolos e de dores". (SALTINI, 1997 p. 15)


5 O RELACIONAMENTO ENTRE EDUCANDO E EDUCADOR

A escola, por ser o primeiro agente socializador fora do círculo familiar da criança, torna-se a base da aprendizagem quando oferece condições necessárias para que ela se sinta segura e protegida. Portanto, é indispensável a presença de um educador que tenha consciência de sua importância não apenas como um mero reprodutor da realidade e sim, como um agente com uma visão sócio-crítica da realidade.

Para que a criança tenha um desenvolvimento saudável e adequado dentro do ambiente escolar, e conseqüentemente no social, é necessário que haja um estabelecimento de relações interpessoais positivas, possibilitando assim o sucesso dos objetivos educativos.

Hoje em dia é assim: "eu preciso", "eu quero", "eu vou". Cada vez mais a sociedade estimula as crianças e os adolescentes a terem atitudes individualistas, que passam bem longe da reflexão e da responsabilidade com o próximo. O jovem só se sensibiliza quando se sente parte de um grupo ? a família, a turma da escola, a sociedade ? e entende que, em cada um deles, sua presença e sua contribuição são importantes.

Como a escola proporciona isso? Oferecendo ao aluno o direito de ser ouvido e compreendido. Os professores que trabalham dessa maneira dão ao estudante caminhos para reconhecer seus sentimentos, desde pequeno. Daí para que ele se torne responsável por suas atitudes é um pulo. Para criar esse ambiente acolhedor, é necessário entender o que é afetividade e por que ela é fundamental na formação de pessoas felizes, éticas, seguras e capazes de conviver com os outros e com o planeta.

Quando a criança percebe que o professor gosta dela e que demonstra certas qualidades como paciência, dedicação, vontade de ajudar e atitude democrática, a aprendizagem torna-se mais facilitada. Ao perceber os gostos da criança, o professor deve aproveitar ao máximo suas aptidões e estimulá-la para o ensino. Já o autoritarismo, inimizade e desinteresse podem levar o aluno a perder a motivação e o interesse por aprender, já que estes sentimentos são conseqüentes da antipatia por parte dos educandos, que por fim associarão o professor à disciplina, e reagirão negativamente a ambos. Segundo Saltini:
(...) o educador serve de continente para a criança. Poderíamos dizer, portanto, que o continente é o espaço onde podemos depositar nossas pequenas construções e onde elas tomam um sentido, um peso e um respeito, enfim, onde elas são acolhidas e valorizadas, tal qual um útero acolhe um embrião. (SALTINI 1997, p.89)

A escola recebe crianças com auto-estima baixa, tristeza, dificuldades em aprender ou em se entrosar com os colegas e as rotula de bagunceiras, sem limites ou sem educação. Por isso, seria ótimo manter um diálogo com a criança, em que se possa perceber o que está acontecendo, usando tanto o silêncio quanto o corpo, abraçando-a e beijando-a se ela permitir. É interessante também, utilizar as situações de agressividade e violência para conversar sobre elas e tentar encontrar soluções. Enfim, dar oportunidade para os educandos colocarem seus sentimentos na escola, não apenas sua inteligência ou sua capacidade de aprender.

Também o tratamento imparcial para com todos os alunos precisa ser sempre mantido e explicitado, e nenhuma criança deve ter a percepção de ser perseguida ou amada em demasia. É preciso observar, que a opinião de cada criança tem o mesmo respeito e valor, sem fazer comparações ou desprezar uma ou outra nem salientar diferenças entre meninos e meninas em brincadeiras ou jogos, porque isto seria prejudicial ao desenvolvimento afetivo sadio.

É preciso encorajar a criança a descobrir e inventar, sem ensinar ou dar conceitos prontos. A resposta pronta só deve ser dada quando a pergunta da criança focaliza um ato social arbitrário (funções do objeto cotidiano). Manter-se atento ao desenvolvimento e as descobertas que as crianças vão fazendo, dando-lhes possibilidades para isso.

É mais importante dar incentivo à pergunta do que à resposta, buscando no grupo a resposta o professor poderá sistematizar e coordenar as idéias emergentes. "A relação que se estabelece com o grupo como um todo e a pessoal com cada criança é diferenciada em todos os seus aspectos quantitativos e cognitivos respeitando-se a maturidade de seu pensamento e a individualidade". Saltini também menciona a questão da manutenção da serenidade por parte do educador e da criança:

A serenidade e a paciência do educador, mesmo em situações difíceis faz parte da paz que a criança necessita. Observar a ansiedade, a perda de controle e a instabilidade de humor, vai assegurar à criança ser o continente de seus próprios conflitos e raivas, sem explodir, elaborando-os sozinha ou em conjunto com o educador. A serenidade faz parte do conjunto de sensações e percepções que garantem a elaboração de nossas raivas e conflitos. Ela conduz ao conhecimento do si-mesmo, tanto do educador quando da criança. (SALTINI, 1997, p. 91).


Acreditar no estudante é uma forma de ajudá-lo a crescer. O modo como os professores enxergam a criança é muito importante para o sucesso da aprendizagem, quando não julgam e procuram se aproximar do educando, observam seu comportamento e incentivam suas capacidades, ele tem tudo para crescer.


6 SUGESTÕES PARA LIDAR COM A AFETIVIDADE NA ESCOLA

Respeitar, ouvir e orientar funciona tanto quanto o elogio. O cuidado com o educando vai muito além de dar um beijo, elogiar e acarinhar. Muitas vezes o afeto é demonstrado de forma contrária: quando o professor é rígido. Se ele é justo e chama a atenção de forma respeitosa, o estudante passa a respeitá-lo e admirá-lo.

Outro ponto a observar é a idade da turma. Quanto menor a criança, maior a necessidade do contato físico. Já crianças maiores percebem o cuidado do professor pelas suas atitudes, isso inclui valorizar suas opiniões, ouvir suas sugestões, observar seu desenvolvimento e demonstrar disponibilidade para conversar.

É importante questionar a criança sobre aquilo em que acredita, ao provocar curiosidade se estimula a afetividade, que é a motivação para o conhecimento. Para que a criança vá adiante, é necessário utilizar a inteligência, descobrir do que ela gosta é importante para que se desenvolva plenamente.

Para lidar com a afetividade, é importante:

? Enxergar as crianças como seres humanos complexos e únicos;
? Ficar atento nas características físicas e psicológicas e identificar os sentimentos observando expressões faciais;
? Identificar com a coordenação pedagógica, quando é possível resolver um problema ou quando é hora de recorrer a um especialista;
? Fugir de discursos moralistas e não cair em valores absolutos ou reducionistas. Por exemplo: gravidez e envolvimento com drogas não são questões morais a serem resolvidas, mas a falta de um projeto de vida, sim;
? Identificar e encaminhar casos mais graves como: uso de drogas, violência sexual e maus-tratos, para profissionais especializados, como médicos, psicólogos e devem ser comunicados ao Conselho Tutelar.

Atividades simples como jogos ou dinâmicas podem ser utilizados para falar sobre sentimentos com a turma. Tais atividades podem permear as disciplinas ou ser aplicadas em momentos específicos. Moreno et al. diz:

A partir de uma série de exercícios que têm como conteúdo alguns elementos que configuram estados de ânimo, as crianças podem desenvolver a capacidade de pensar na unidade dos fenômenos e na relação entre suas distintas partes, alcançando com isso melhores condições para compreender, também, os conteúdos de outras áreas curriculares. (MORENO et al, 1999, p. 123)

Existem muitas maneiras de se trabalhar os sentimentos, depende da criatividade dos educadores e do perfil da turma. Segue abaixo um exemplo:

? Jogo das expressões (Educação infantil)

Objetivo: levar a criança a reconhecer os sentimentos e dar nome a eles. È bem simples: ao recordar fatos, ela toma consciência das causas e conseqüências do que sente.

Aplicação: esse é um jogo da memória. Faça com a turma cartas (que formem pares) com desenhos de expressões faciais: triste, alegre, bravo, assustado,etc. A cada par formado, a criança lembra de um momento em que se sentiu como no desenho. Depois de unir todos os pares,cada criança procura a expressão que melhor representa como ela se sente no momento.

Os estudantes precisam pensar sobre suas próprias atitudes e reconhecer os sentimentos que movem suas ações. Quando fazem isso, surgem oportunidades de, na prática, construir valores positivos. Enfim, com disponibilidade e comprometimento é possível contribuir muito para o desenvolvimento do estudante.


8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta curricular das escolas prioriza o aspecto cognitivo dos alunos, deixando de lado o afetivo. É como se dividi-se o aluno em duas partes: afetiva e cognitiva. Esta ignora que se não houver afetividade no cotidiano escolar, com certeza o educando não se sentirá valorizado e respeitado e a tendência é que ignore o que lhe é proposto.

A ênfase nos fatores emocionais influenciou o modo como pensamos os fins da educação, ampliando muito a função da escola. Desta, espera-se cada vez mais que promova também o desenvolvimento afetivo e moral de crianças e jovens. Mas, é preciso ter bom senso, pois a escola pode colaborar para formar pessoas de bem, mas não fará isso sozinha.

Sua maior contribuição será criar oportunidades de aprendizagens que ajudem na constituição de uma auto-estima positiva. Pois enfrentar sentimentos não é fácil para ninguém, mas vale dizer que os sentimentos e emoções do educando precisam ser levados em conta, já que podem favorecer ou desfavorecer o desenvolvimento cognitivo, por isso trabalhar as emoções é importante e necessário como compromisso pedagógico de uma instituição que se preocupa com o desenvolvimento integral dos educandos.

Os educadores, precisam estar atentos ao fato de que, enquanto não derem atenção ao fator afetivo na relação educador-educando, correrão o risco de estarem só trabalhando com a constituição do real, do conhecimento, deixando de lado o trabalho da constituição do próprio sujeito que envolve valores e o próprio caráter, necessário para o seu desenvolvimento integral.
A teoria de Piaget acerca da afetividade abre um vasto campo empírico que pode servir de base, para o inicio de muitos estudos acerca das emoções. Está, portanto, mais do que evidenciada a necessidade de se cuidar do aspecto afetivo no processo ensino-aprendizagem, levando em conta que a criança é diferente, tanto na área cognitiva quanto na afetiva em cada fase do seu desenvolvimento, pois a afetividade exerce um papel fundamental nas correlações psicossomáticas básicas, além de influenciar decisivamente a percepção, a memória, o pensamento, a vontade e as ações, e ser, assim, um componente essencial da harmonia e do equilíbrio da personalidade humana.


9 REFERÊNCIAS

MORENO, M. et. al. Falemos de sentimentos: a afetividade como um tema transversal. São Paulo: Moderna, 1999.

SALTINI, Cláudio J. P. Afetividade & inteligência. Rio de Janeiro: DPA, 1997.

PIAGET, J. Seis estudos em psicologia. Rio de Janeiro: Forense. 1978.


PIAGET, J. A Psicologia da Criança. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968.