A RELAÇÃO DE PARENTESCO ENTRE PADRASTOS/MADRASTAS E SEUS ENTEADOS
Por ANA KAROLINA | 23/09/2014 | DireitoANA KAROLINA DA CONCEIÇÃO ROCHA: Graduanda em Direito pela Faculdade Farias Brito, Fortaleza-CE ¬¬¬ Resumo: O presente artigo tem o escopo de, em breves linhas, analisar as relações entre padrastos/madrastas e seus enteados e fazer um estudo sobre a convivência destes com os estigmas culturais e com a necessidade de conciliação entre famílias que se desconstituíram e em seguida foram reconstituídas. Trata-se de uma verificação deste novo formato familiar formalmente reconhecido pela carta magna vigente, e da convivência que se faz necessária a partir de sua existência. O intuito é esclarecer que, embora exista uma imagem ruim em relacionadas aos novos cônjuges ou companheiros de nossos pais e/ou mães, que consequentemente são nossos padrastos e/ou madrastas, existem pessoas assim denominadas que não surgem nas nossas vidas e passam a agregar valor à ela. Palavras Chave: Famílias Reconstituídas, parentesco, afinidade, padrastos, madrastas, enteados, relacionamento. A RELAÇÃO DE PARENTESCO ENTRE PADRASTOS/MADRASTAS E SEUS ENTEADOS Desde a infância aprendemos, mesmo indiretamente, que madrastas são más, que o digam as histórias infantis como, por exemplo, Ada cinderela ou da branca de neve que são maltratadas e humilhadas pelas novas esposas de seus pais, suas madrastas. Existem ainda, diversas outras demonstrações tradicionais onde a nossa cultura dissemina uma imagem negativa desses que passam a ser parentes afins de seus enteados, fazendo parte de suas vidas, quer seja por um longo período, quer seja para sempre. Aliás, não são somente as madrastas as vítimas de um pré-conceito arraigado na cultura mundial, existem até ditados populares que o provam, afinal Deus é pai, não é padrasto, é uma frase citada em várias circunstâncias na sociedade. Isso nos leva involuntariamente, e às vezes, injustamente a ignorar o fato de que existem madrastas e/ou padrastos que passam verdadeiramente a fazer parte das vidas de seus enteados de forma muito positiva, inclusive, no que tange a formação dos filhos, sem todos os sentidos, sem necessariamente quererem tomar o lugar dos pais ou das mães biológicos, tornando-se verdadeiros pais e mães afins, frise-se que isso não acontece de forma genérica, mas em razão do rótulo de que padrastos e madrastas são pessoas negativas nas vidas dos enteados, muitos bons relacionamentos deixam de existir entre padrastos/madrastas e seus enteados em relação do pré-conceito acerca do tema, a em algumas vezes da influência dos pais ou mães. De acordo com Lourival Serejo (2009) a madrasta passou a ser um símbolo de maldade no imaginário popular, pois na infância muitas vezes adormecíamos tristes após ouvir histórias em que elas maltratavam seus enteados, ou alegres porque no final da história elas eram castigadas. Serejo lembra a cantiga que conheceu na infância: Criados do meu pai/ não me cortem meu cabelo/ minha mãe me penteou/ minha madrasta me enterrou. Ainda segundo o desembargador Lourival serejo (2009): O único momento em que nosso Código Civil trata das figuras do padrasto e da madrasta é no artigo 1962, inciso III, em que a constatação de relações ilícitas entre essas figuras e os respectivos enteados (as) autoriza a deserdação. A jurisprudência, por sua vez, já vez admitindo a adoção do apelido de família do padrasto pelo enteado, com justificação plausível pelo espírito do artigo 58 da Lei de registros públicos. Ser padrasto ou madrasta atualmente é uma tarefa difícil, pois na mente dos filhos, consequentemente enteados, aqueles sempre representam o oposto das características atribuídas às mães, que estão ligadas a amor incondicional, compreensão e generosidade, de acordo com Beatriz Portugal (2013), citando a psicóloga Elisabeth Church. Portugal (2013) afirma que de acordo com o livro da psicóloga Denise Falcke Família em Cena - Tramas, Dramas e Transformações' (Editora Vozes), as madrastas ficam perdidas entre dois mitos: o da mãe perfeita e o da madrasta má. Neste sentido, vejamos o poema Retrato de Mãe, de autoria de Don Ramon Angel Jara (1998): Uma simples mulher existe que, pela imensidão de seu amor, tem um pouco de Deus; E pela constância de sua dedicação, tem muito de anjo; que, sendo moça pensa como uma anciã e, sendo velha, age com as forças todas da juventude; Quando ignorante, melhor que qualquer sábio desvenda os segredos da vida e, quando sábia, assume a simplicidade das crianças; Pobre, sabe enriquecer-se com a felicidade dos que ama, e, rica, empobrecer-se para que seu coração não sangre ferido pelos ingratos; Forte, entretanto estremece ao choro de uma criancinha, e, fraca, entretanto se alteia com a bravura dos leões; Viva, não lhe sabemos dar valor porque à sua sombra todas as dores se apagam, e, morta tudo o que somos e tudo o que temos daríamos para vê-la de novo, e dela receber um aperto de seus braços, uma palavra de seus lábios. Não exijam de mim que diga o nome desta mulher se não quiserem que ensope de lágrimas este álbum: porque eu a vi passar no meu caminho. Quando crescerem seus filhos, leiam para eles esta página: eles lhes cobrirão de beijos a fronte; e dirão que um pobre viandante, em troca da suntuosa hospedagem recebida, aqui deixou para todos o retrato de sua própria Mãe. Desta forma, traz extrema dificuldade e exige muita serenidade ser padrasto ou madrasta nos dias atuais, em que pese à comunidade jurídica já venha desenvolvendo entendimento favorável à criação dos direitos relativos ao parentesco oriundo da relação entre madrastas, padrastos e seus enteados, é possível afirmar que extrair a imagem negativa consistente na referida relação, passada por diversas gerações precisa de tempo, bem como da ajuda do Estado O QUE A JURISPRUDÊNCIA REVELA O brilhante professor Miguel Reale (2009) desenvolveu uma teoria tridimensional do direito, fato, valor e norma, onde os fatos acontecidos na sociedade serão valorados pela mesma em seguida isto é, com o passar do tempo se transformarão em normas a serem respeitadas pela própria sociedade. Por tal razão é de suma importância ressaltar que as diversas decisões proferidas pelos tribunais a respeito da matéria tratada, tendo em vista que a legislação vigente ainda é de certa forma omissa no que diz respeito a regulação dos direitos e deveres dos enteados para com seus padrastos e madrastas e vice-versa relativos ao parentesco por afinidade nas famílias recompostas. A legislação brasileira passou a tratar do tema somente após o advento da Constituição de 1988 quando esta em seu artigo 226, §4º previu o reconhecimento e a proteção para as novas entidades familiares. O Código Civil vigente, por sua vez trata do parentesco por afinidade no artigo 1595, vejamos: Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. A Lei de Registros Públicos, 6015/73, dispõe: Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. § 8o O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família. A Lei 11.924/2009 autoriza o enteado (a) a adotar o nome do padrasto ou da madrasta em todo o território nacional, acrescentando ao artigo 57 da Lei de registros Públicos (6015/73) o parágrafo 8º, conforme transcrito abaixo: § 8o O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família. No que diz respeito aos efeitos previdenciários o artigo 217, II, a, da Lei 8112/90 dispõe sobre o direito dos enteados (as) a serem beneficiários de pensões temporárias, vejamos: Art. 217. São beneficiários das pensões: (...) II - temporária: a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez; A legislação vigente ainda deixa a desejar no que diz respeito ao direito sucessório, bem como ao direito a alimentos, uma vez que o parentesco mesmo que por afinidade gera essa gama de Direitos para os envolvidos na relação de afeto. Reynaldo Armando Shols Pérez (2009) relata uma importante decisão proferida em 2007, onde a sala primeira do tribunal constitucional na República do Peru, integrada pelos senhores magistrados, LandaArroyo, Beaumont Callirgos e Eto Cruz, que se pronunciam a respeito do processo de nº 09332-2006 PA-TC, se trata de um recurso de agravo constitucional interposto por R.A.S.P contra sentença que declarou improcedente uma ação de amparo. Diz a decisão: A luz do exposto sobre a tutela especial que merece a família- mais ainda quando se trata de famílias reconstituídas cuja identidade familiar é muito mais frágil devido às próprias circunstâncias em que aparecem, a diferenciação de tratamento entre os enteados e os filhos torna-se arbitrária. Assim, dos demandantes se infere que existe uma relação estável, pública e reconhecida, que determina o reconhecimento desse núcleo familiar, ao qual evidentemente a enteada pertence. Nesse sentido, se bem a associação argumenta que a medida diferenciada sustentou-se na normativa interna da associação, emitida em virtude da faculdade de auto-organização, tal regra colide com o direito de constituir uma família e à sua proteção. Por esses fundamentos, o tribunal constitucional, com a autoridade que lhe confere a Constituição Política do Peru, resolve: Declarar fundada a ação, devendo repor as coisas ao estado anterior á afetação produzida pela associação. Por conseguinte, ordena a demandada que não realize distinção alguma entre o tratamento que recebem os filhos do demandante e sua enteada. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela possibilidade do acréscimo do sobrenome do padrasto, conforme ementa a seguir: NOME. Alteração. Patronímico do padrasto. O nome pode ser alterado mesmo depois de esgotado o prazo de um ano, contado da maioridade, desde que presente razão suficiente para excepcionar a regra temporal prevista no art. 56 da Lei 6.015/73, assim reconhecido em sentença (art. 57). Caracteriza essa hipótese o fato de a pessoa ter sido criada desde tenra idade pelo padrasto, querendo por isso se apresentar com o mesmo nome usado pela mãe e pelo marido dela. Recurso não conhecido. (STJ - REsp: 220059 SP 1999/0055273-3, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 21/11/2000, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 12.02.2001 p. 92 JBCC vol. 188 p. 211 LEXSTJ vol. 141 p. 145 RMP vol. 16 p. 387 RSTJ vol. 145 p. 255). A vara judicial da Comarca de São Francisco Diassis no Rio Grande do Sul reconheceu a possibilidade de duas crianças terem seus registros de nascimento alterados para inclusão da madrasta, graças a uma ação declaratória de maternidade sócioafetiva, a seguir: Em sua decisão, a juíza de Direito Carine Labres, substituta na vara, dispôs que "as relações de afeto têm desafiado os legisladores que, muitas vezes, arraigados ao preconceito, ao termo de críticas que maculam a imagem daqueles que almejam a reeleição, silenciam face à realidade que lhes salta aos olhos".A magistrada frisou ainda a sobreposição do afeto à lei e que isso é consequência da reconfiguração em diversas famílias modernas. Afirmou que é de grande importância que se questione "Por que não pode haver duas mães em uma certidão de nascimento, se as crianças, no íntimo de seus corações, as reconhecem como tal?"."O fato de o ordenamento jurídico não prever a possibilidade de dupla maternidade não pode significar impossibilidade jurídica do pedido. Afinal, não são os fatos que se amoldam às leis, mas sim estas são criadas para regular as consequências que advém dos fatos, objetivando manter a ordem pública e a paz social", concluiu a juíza. (Processo: 125/11.000. 12.218). Também se faz importante transcrever a notícia divulgada no Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), em 08 de agosto de 2012, abaixo: A possibilidade de exercer a maternidade não está ligada apenas aos vínculos biológicos. Foi partindo da premissa do afeto e do melhor interesse da criança que a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba manteve sentença e garantiu que uma madrasta ficasse com a guarda do filho do seu ex-marido. Depois da morte de sua mulher e mãe biológica do filho, ele a procurou e iniciaram um relacionamento. Durante nove anos, os três viveram juntos e, de acordo com os relatórios da sentença, a criança adotou a nova mulher do pai como mãe. O casamento terminou após um caso extraconjugal do marido. Hoje, a criança já é um adolescente de 14 anos. O relatório ressalta ainda a vontade da criança em ficar com a mulher que o criou manifestada pela relação que ele construiu com a madrasta. De acordo com o advogado e diretor do IBDFAM nordeste, Paulo Lôbo, a decisão é correta refletida pela longa convivência do casal e pela vontade manifestada pela criança de ficar com a madrasta. O Tribunal tomou como fundamento o melhor interesse da criança, que orienta o Poder Judiciário na definição da guarda. O art. 1.584 do Código Civil prevê que o critério a ser observado é a relação de maior afinidade e afetividade, que, no caso, era mais com a madrasta do que com o pai biológico, explica. A psicóloga e presidente da Comissão de Relações Interdisciplinares, Giselle Groeninga, aponta a escolha pela parentalidade socioafetiva e a possibilidade de exercer a maternidade sem a necessidade dos vínculos biológicos, como um grande avanço para a sociedade atual. Não se trata de uma questão de ganhar ou perder a guarda da criança. Cada um deve ter o seu lugar reconhecido. Felizmente o judiciário está saindo do modelo de causalidade linear que só assegurava a relação de pai e mãe biológicos, priorizando quem tem mais sintonia com a criança, completa. Existem ainda decisões favoráveis a enteados e seus padrastos, também com relação à inclusão do nome desde no nome daquele, como esta proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: AGRAVO DE INSTRUMENTO -0008495-82.2010.8.19.0000.1ª Ementa.DES. ROGÉRIO DE OLIVEIRA SOUZA - Julgamento: 29/06/2010 - NONA CÂMARA CÍVEL REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO. INCLUSÃO DO PATRONÍMICO DO PADRASTO. OITIVA DO GENITOR. NECESSIDADE DIREITO AO EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR RESPONSÁVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALTERAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. INCLUSÃO DE PATRONÍMICO DO PADRASTO AO NOME DA ENTEADA. OITIVA DO GENITOR BIOLÓGICO. NECESSIDADE. DIREITO AO NOME. ELEMENTO IDENTIFICADOR DO INDIVÍDUO. EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR. INOVAÇÃO LEGISLATIVA QUE IMPÕE O PREENCHIMENTO DE REQUISITOS LEGALMENTE FIXADOS. A Lei 11924/09 alterou o artigo 57 da Lei 6015, acrescentando-lhe o § 8º, cuja regra permite ao enteado requerer a averbação em seu registro de patronímico do padrasto ou madrasta, sem prejuízo dos apelidos de família do requerente. A intenção do legislador não foi alijar o genitor biológico da vida de seu filho, mas franquear às famílias meios de demonstrar a posse de estado de filho que vivenciam. O prestígio ao vínculo afetivo não se confunde, porém, com permissivo à banalização de um dos mais relevantes elementos identificadores do ser humano, qual seja, o nome. A novel legislação, apesar de não fazer menção expressa ao consentimento do genitor, fala do cunho excepcional da alteração requerida, bem como exige a demonstração de "motivo ponderável" e assim o é justamente porque a modificação ora postulada não se encontra ao alvedrio das partes. Genitor que se encontra no pleno exercício do poder familiar, competindo-lhe, notadamente em razão da tenra idade da menor impúbere, dirigir-lhe a criação e educação, bem como representá-la. Conhecimento e parcial provimento do recurso, apenas no que toca à gratuidade de justiça para fins de regular processamento do recurso. Já existem diversas decisões no sentido de afirmar o entendimento de que as relações de afeto nas famílias recompostas entre padrastos, madrastas e enteados constitui um verdadeiro parentesco, porém, oriundo da afinidade: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESENÇA DA RELAÇÃO DE SOCIOAFETIVIDADE. DETERMINAÇÃO DO PAI BIOLÓGICO AGRAVÉS DO EXAME DE DNA. MANUTENÇÃO DO REGISTRO COM A DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. POSSIBILIDADE. TEORIA TRIDIMENSIONAL. Mesmo havendo pai registral, o filho tem o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF, § 6º do art. 227), pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor uma à outra. Ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e ontológica .APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70029363918, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 07/05/2009). CIVIL. PROCESSUAL. LOCAÇÃO. RETOMADA PARA USO PELA SOGRA. DESPEJO. RECURSO. 1. SOGRA E PARENTE, SIM, POR AFINIDADE EM PRIMEIRO GRAU EM LINHA RETA. 2. A LEI N. 6.649/79, ART. 52, III, ALCANÇA PARA PROTEGER NÃO SO ASCENDENTES E DESCENDENTES CONSANGUINEOS MAS IGUALMENTE AOS AFINS. 3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. (STJ - REsp: 36365 MG 1993/0017889-0, Relator: Ministro EDSON VIDIGAL, Data de Julgamento: 18/08/1993, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 20.09.1993 p. 19192) Teixeira e Rodrigues (2009) cita uma decisão proferida pela 8ª câmara cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 07.05.09, vejamos: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESENÇA DA RELAÇÃO DE SOCIOAFETIVIDADE. DETERMINAÇÃO DO PAI BIOLÓGICO ATRAVÉS DO EXAME DE DNA. MANUTENÇÃO DO REGISTRO COM A DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. POSSIBILIDADE. TEORIA TRIDIMENSIONAL. Mesmo havendo pai registral, o filho tem o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF, § 6º do art. 227), pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor uma à outra. Ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e ontológica. APELO PROVIDO. Desta forma, resta clara a iminente transformação legislativa que as decisões proferidas pelos tribunais estão trazendo, vez que a necessidade de regulação concreta pelo parentesco por afinidade, é de extrema necessidade para os enteados, seus padrastos e madrastas, pois na maioria das famílias reconstituídas o afeto está presente entre estes membros, motivo pelo qual a discussão acerca do assunto se faz tão relevante. CONCLUSÃO Na antiguidade a sociedade admitia somente uma forma de existência de uma família, o casamento, que por sua vez só era admitido ou reconhecido através da cerimônia religiosa, e sua dissolução se dava em regra, apenas com a morte de um dos cônjuges. Com o decorrer do tempo e a evolução da sociedade passou-se a verificar que as pessoas muitas vezes se davam conta de que seus casamentos precisavam ser desfeitos, e assim o faziam ou desfaziam, o que trouxe o reconhecimento do que foi denominado divórcio. Porém, estas mesmas pessoas que se separam necessitam de unir novamente, se refazerem, se reconstituírem, mesmo que já tragam consigo uma bagagem familiar e seus filhos. E o novo cônjuge ou compaheiro, ás vezes também traz filhos de relacionamento (s) anteriores, e assim se fazem as famílias recompostas que precisam conviver entre si. Atualmente a doutrina é extensa a respeito das opiniões e discussões acerca do tema, mas a legislação possui algumas omissões. As famílias que se reconstituem possuem parentes biológicos e afins, sendo estes em sua maioria, os padrastos, as madrastas e seus enteados, e estes, por sua vez, necessitam se esforçar imensamente para estabelecer um bom convívio, indo de encontro a uma cultura milenar de que essas relações entre os que a doutrina tem chamado de pais, mães e filhos afins não darão certo, que o digam as histórias de madrastas más que nos embalam desde a infância. Falamos em distinguir o parentesco biológico do parentesco afetivo, sendo que este deriva do afeto e aquele do sangue, mas esquecemos de que o parentesco biológico, por mais que ainda seja privilegiado pelo ordenamento jurídico em detrimento do afetivo, pouca relevância prática possui sem o afeto, ou seja, o parentesco formal se origina a partir da certidão de nascimento do indivíduo, mas na prática é um construído, que se faz na convivência. O afeto é indispensável tanto no parentesco biológico quanto civil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARIÉS, Philippe. História Social da Criança e da Família, tradução de Dora Flaksman, Rio de janeiro, LTC, 2ªed., 1981. AZEVEDO, Álvaro Villaça, Estatuto da Família de Fato, São Paulo, atlas, 2ªed., 2002. BARBOZA, Heloisa Helena, Efeitos jurídicos do Parentesco Socioafetivo, Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, Magister,nº 09, ano XI, abr-mai-2009. BARROS, Sergio Resende, disponível em http:||www.srbarros.com.br|artigos.php. (acesso em 02 de novembro de 2013). COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga, tradução de Jean Melville, São Paulo, Martin Claret, 2ª ed., 1997. DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo, saraiva, 25ªed., 2010, 5v. ENGELS, Friedrich. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, tradução de Leandro Konder, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 14ª ed., 1997. FILHO, Waldyr Grisard, Famílias Reconstituídas: Novas Relações depois das Separações, Parentesco e Autoridade Parental, Revista IOB de Direito de Família, Porto Alegra, Síntese, nº 47, ano IX, abr-mai-2008. FREYRE, Gilberto, Casa Grande e Senzala, São Paulo, Global, 52ªed., 2013. GAMA, Ramiro, Lindos Casos de Chico Xavier, Lake, 20ªed., 2006. GIORGIS, José Carlos Teixeira, Arqueologia das Famílias: da Ginecocracia aos Arranjos Plurais, Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, Magister, ano XII, nº17, ago-set-2010 GOMES, Orlando, Direito de Família, Rio de Janeiro, Forense, 7ªed., 1994. HOUAISS, Antonio;VILLAR, Mauro Salles,Rio De Janeiro, Objetiva, 2001. MADALENO, Rolf, Laços que Ficam e Paternidade Alimentar, Revista Café e Justiça, ano 03, 7ªed., 2013, p.25. MELO, Luiz Gonzaga de, Antropologia Cultural:Iniciação, Teoria e Temas, Petrópolis, Vozes, 17ed, 2009. MELO, Nehemias Domingos de, A Família Ensamblada - Uma Análise à Luz do Direito Argentino e Brasileiro, disponível em : WWW.editoramagister.com/doutrina (acesso em: 18 de novembro de 2013). MENEZES, Tamara, O retrato da Nova Família, disponível em: WWW.istoe.com.br/reportagens, 2241ed., 19 de outubro de 2012 PAULO, Beatrice Marinho, Ser Mãe Nas Novas Configurações Familiares: A Maternidade Psicoafetiva, Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, Magister,nº 09, ano XI, abr-mai-2009. PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Famílias Ensambladas e Parentalidade Socioafetiva: A propósito da Sentença do tribunal Constitucional, de 30.11.2007, Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, Magister, nº7, ano X, dez-jan-2009. PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Nova Revolução na Constituição de Famílias, Revista Café e Justiça, ano 03, 7ª ed., 2013. PÉREZ, Reynaldo Armando Shols, Sentença do Tribunal Constitucional: República do Peru, Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, Magister, nº 07, ano X, dez-jan-2009. PINTO, Cristiano Vieira Sobral, Direito Civil Sistematizado,Rio de Janeiro, forense, 4ªed., 2012. REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito, São Paulo, saraiva, 27ªed., 2009. ROSADO, Ruy, disponível em www.cjf.jus.br/cjfnoticias, (acesso em 02 de novembro de 2013.). STRAUSS, Claude Lévi, As Estruturas Elementares do Parentesco, Tradução de Mariano Ferreira, Petrópolis, Vozes, 1982. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando, Direito Civil, Rio de Janeiro, forense, 8ªed., 2013, 5v. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima, Multiparentalidade Como Efeito da Socioafetividade nas Famílias Recompostas, Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, Magister, nº XI, jul-jul-2009. WELTER, Belmiro Pedro, Igualdade Entre a Filiação Biológica e Socioafetiva, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese, nº14, ano IV, jul-ago-se