A Relação Causal Entre Desordem e Criminalidade
Por Erick Marassi de Freitas Coutinho | 22/05/2009 | DireitoResumo: O presente artigo busca evidenciar a relação causal entre desordem e criminalidade, analisando a implementação da denominada Teoria das Janelas Quebradas(The Broken Windows Theory).
1.Introdução
Vivemos numa época em constante transformação, ambígua, complexa, capaz de gerar incerteza, insegurança e, principalmente, receio quanto às futuras gerações.Tempo de erosão dos valores que tanto inspiraram nossos pais e avós, do respeito do ser humano como membro de uma coletividade, da entidade familiar que tanto inspira apreço e esforços para o futuro de nossos filhos.
A adequação perante os contornos da vida social começa a esvair-se renitentemente em face à inoperância do Estado: o crescimento delitivo é vislumbrado como o principal fator desestabilizante.
O estudo da Teoria das Janelas Quebradas possibilita uma análise da gênese delitiva, demonstrando a necessidade de se prevenir pequenas infrações penais no contexto social, por mais irrelevantes e não-lesivas a bens jurídicos.Evidencia-se, a partir da respectiva teoria, uma correlação entre desordem e criminalidade.
2.A Relação Causal entre Desordem e Criminalidade.
Existiria alguma relação causal entre distúrbios sociais, condutas consideradas incivilizantes, por exemplo, mendicância, vadiagem, com os crimes que merecem efetiva reprovação e baliza da norma penal? É certo que a insegurança e o desamparo das cominações legais - pela falta da atuação imediata da autoridade estatal -, podem ensejar crises, perturbações sociais.
No contexto brasileiro, a chamada região da ''cracolândia'', no município de São Paulo, pode ser vislumbrado como um grande exemplo hábil a ratificar a correlação entre desordem e crimininalidade: era considerado um verdadeiro antro de prostituição, consumo de drogas e delinqüência.
Os órgãos estatais ignoravam qualquer ocorrência criminal pelo fato de ser uma área que ''não valia a pena se intrometer'': não adiantaria despender esforços na repressão dos usuários de drogas que praticavam pequenos ilícitos adstritos àquele contexto territorial.
Assim, arguta foi a análise à época, 1995, pelo professor associado do Departamento de Saúde Materno Infantil da Faculdade de Saúde Pública da USP, Rubens Adorno, sobre a área em questão:
''O que mais nos chamou a atenção era o uso totalmente aberto do crack. Se por um lado isso chocava, por outro havia uma grande indiferença por parte daqueles que passavam, comenta o professor. Adorno lembra o caso de um adolescente que estava deitado na calçada no final da rua Barão de Itapetininga e foi dado como morto. De repente, chegou um policial e disse que se tratava apenas de "um vagabundo que usava drogas". Inconformadas, as pessoas chamaram ajuda para o garoto e ouviram a mesma resposta da equipe de resgate: "é só um vagabundo drogado". "Ou seja, crianças, adolescentes e jovens na região central da cidade, usando crack, deitados nas calçadas por horas não eram considerados um problema para as instituições da cidade. Tratava-se apenas de vagabundos que usavam crack: uma política de evitação social, como se eles não fizessem parte do contexto1.''
Os autores corroboravam tal perspectiva pelo descaso do aparato policial no combate aos pequenos ilícitos, haja vista a localidade em que se manifestavam, periferias urbanas, e a uma dedicação somente no combate aos crimes, não devendo se ater, por exemplo, a meras perturbações de vizinhança ou condutas desordeiras de mendigos ou pedintes.
Portanto, verifica-se uma correlação latente para se erigir veementes esforços contra incivilidades e pequenos desvios.Um processo de desordem vivenciado num contexto social é reflexo da passividade e leniência para o escalonamento da violência urbana.
3.A Teoria das Janelas Quebradas.
O estudo denominado de ''Broken Windows Theory'', Teoria das Janelas Quebradas, foi desenvolvido exclusivamente em prol de uma análise empírica na constatação da insurgência delitiva nos grandes centros urbanos2.A partir das condutas consideradas como meros desvios sociais ou incivilidades, George Kelling e James Wilson fizeram uma análoga, e até certo ponto alegórica, comparação entre a destruição das janelas de uma fábrica e a relação causal entre desordem e criminalidade.
Perante a destruição de um patrimônio que não fosse imediatamente consertado, a manifesta ausência de uma autoridade estatal para reprimir tal conduta e, principalmente, na própria aceitação da comunidade local pelos pequenos desvios infracionais, estaria instalada apermissibilidade para a desordem (pichações, depredações de aparelhos telefônicos públicos, mendicância desenfreada, acúmulo de lixo, formação de gangues juvenis, brigas constantes entre os moradores da vizinhança, ou seja, propiciar-se-ia um verdadeiro habitat para a prática delitiva).
Kelling e Wilson apregoavam que o policial deveria se inserir no contexto diário de dada comunidade, entender os seus percalços, os problemas rotineiros da vizinhança, enfim, deveria fazer parte da mesma para erradicar qualquer manifestação prévia que pudesse ser responsável pelo ensejo da criminalidade.A mínima conduta desordeira deveria ser sancionada3.
Ademais, outra perspectiva difundida foi quanto ao pavor dos indivíduos de saírem de seus lares pelo acintoso índice da violência urbana.Evidenciando-se o crescimento dos pequenos distúrbios, os cidadãos evitariam a utilização do próprio espaço público e, consequentemente, reduziriam o próprio controle social - os criminosos encontrariam condições mais favoráveis para perpetrar condutas infracionais.
A cidade de Nova York, após inúmeros anos de uma aviltante criminalidade, oferecia tranqüilidade para os seus cidadãos e os milhares de visitantes de todas as partes do globo.Ruas limpas, seguras, crianças brincando despreocupadamente.Conseqüência advinda da implementação de um modelo inovador de segurança pública pelo prefeito local, Rudolph Giuliani, o chamado programa ''Tolerância Zero''.Os seus fundamentos nortearam-se a partir da Teoria das Janelas Quebradas de Kelling e Watson.
Recentemente, no ano de 2003, George Kelling realizou prestigiada palestra no Brasil acerca da divulgação de sua nova obra, corroborando os ideais da Teoria das Janelas Quebradas4. Ao lado de Catherine Coles, Kelling novamente enalteceu uma atuação mais efetiva dos policiais e promotores de justiça perante as comunidades (consideravelmente no tocante a prática das condutas de menor potencial ofensivo).
4.Conclusão.
A repressão à desordem e aos pequenos delitos já faz parte dos ensinamentos de ilustres autores, como bem pontifica Foucault: '' A mínima desobediência é castigada e o melhor meio de evitar delitos graves é punir muito severamente as mais leves faltas''5.
Os ensinamentos depreendidos pelo estudo da Teoria das Janelas Quebradas são de grande valia para o firmamento de novos rumos para se prevenir os elevados índices criminais que acometem o país.
Enfrentar os crimes de menor potencial ofensivo ( incluídas incivilidades ou condutas simplesmente desordeiras) é uma forma adequada para evitar a formação de um ciclo que, notadamente, retroalimenta a insurgência criminal.
Necessitamos buscar novas perspectivas para combater a criminalidade.Revela-se necessária a mudança de um conceito estritamente repressivo da utilização da norma penal para a implementação de políticas criminais preventivas, balizadas pelo saber criminológico.
Desse modo, as referências depreendidas proporcionarão o melhor entendimento sobre o contexto gerador do delito, os meios hábeis necessários ao seu controle e, por conseguinte, a traçar um efetivo programa de política criminal.
Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, Gevan Carvalho. Modernos Movimentos de Política Criminal e seus Reflexos na Legislação Brasileira.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.
COLES, Catherine ; KELLING, George. Fixing Broken Windows: Restoring Order and Reducing Crime in Our Communities. Nova York: Free Press, 1996.
FOUCAULT, Michel.Vigiar e Punir.Petrópolis: Vozes, 1987.
GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio.Criminologia: uma introdução a seus fundamentos teóricos;Tradução de Luiz Flávio Gomes.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992.
DIAS NETO, Theodomiro.Policiamento comunitário e controle sobre a polícia: a experiência norte-americana.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
1 CAMPOS, Morgana. O mapeamento do quadrilátero do crack. Pesquisa especial/violência, São Paulo, 1999.Disponível em: < http://www.usp.br/jorusp/arquivo/1999/jusp487/manchet/rep_res/rep_int/pesqui1.html>.Acesso em :18 agosto 2006.
2 O artigo intitulado The Police and Neiborghood Safety (A Polícia e a Segurança da Comunidade) publicado em 1982 na revista Atlantic Montly, por George Kelling e James Wilson é o marco da presente teoria.KELLING, George L; WILSON, James Q. The Police and Neiborghood Safety.The Atlantic Monthly; March 1982; Broken Windows; Volume 249, No. 3; 29-38.Disponível em:http://www.theatlantic.com/doc/prem/198203/broken-windows.Aceso em :17 agosto 2006.
3 Surge a concepção pelo policiamento comunitário, o denominado ''foot patrol'' (o patrulhamento por rondas realizado presencialmente junto à comunidade, sem a distante verificação motorizada por viaturas policiais).
4Fixing Brokin Windows – Restoring Order and Reducing Crimes in Our Communities (Consertando Janelas Quebradas – Restaurando a Ordem e Reduzindo Crimes em Nossas Comunidades).COLES, Catherine ; KELLING, George. Fixing Broken Windows: Restoring Order and Reducing Crime in Our Communities. Nova York: Free Press, 1996.
5 FOUCAULT, Michel.Vigiar e Punir.Petrópolis: Vozes, 1987.p.257.