A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA E O CONSTRUTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO, NA DOUTRINA DE PAULO DE BARROS CARVALHO: CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CRITÉRIO MATERIAL DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (IPVA).

Por Poliana Coqueiro Gouveia | 03/02/2015 | Direito

 

A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA E O CONSTRUTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO, NA DOUTRINA DE PAULO DE BARROS CARVALHO: CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CRITÉRIO MATERIAL DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (IPVA)

 

            Poliana Coqueiro Gouveia[1]

Renata Orlando de Deus[2]

Antônio de Moraes Rego Gaspar[3]

 

1 Introdução. 2 A Regra Matriz de Incidência (RMI) segundo Paulo de Barros Carvalho. 2.1 O critério material como parte integrante da RMI. 2.1.1 Conceito e características do IPVA (imposto sobre a propriedade de veículos automotores). 3 Considerações acerca do critério material no âmbito de atuação do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA). 4 Conclusão. Referências.

 

RESUMO

O trabalho a ser apresentado, mostrará de forma sucinta e objetiva, a Regra-Matriz de Incidência Tributária, que revela um contexto mínimo a ser verificado, seja qual for à norma jurídica tributária, levando em consideração especial o critério material do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA). A utilização da Regra-Matriz de Incidência Tributária torna possível ao estudioso de direito tributário a melhor compreensão do seu objeto de estudo, ou seja, da norma jurídica tributária. Para isso, far-se-á uma análise da norma, tratando o suficiente para permitir a compreensão necessária para o presente tema.

É importante salientar Paulo de Barros Carvalho, ao discutir as normas tributárias, trata do critério quantitativo (base de cálculo e alíquota), no lugar do critério prestacional, critério este sugerido pela professora Aurora Tomazini como critério aplicável a qualquer norma geral e abstrata, e não somente às normas tributárias.

Palavras- Chave:Regra Matriz de Incidência. Critério Material. IPVA.

1 INTRODUÇÃO

 

Consoante dispõe o artigo 3º da Lei nº 5172 de 1966 (Código Tributário Nacional-CTN) define-se tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Denotam-se desta definição alguns importantes elementos que são pontuais para a compreensão da proposta temática sugerida neste ensaio científico.

Entre eles destaca Harada (2007) o caráter pecuniário compulsório do tributo; significa dizer que se trata de uma prestação que deve ser paga em dinheiro; ou seja, representa uma obrigação de dar. Além deste, a contraprestação será dada em moeda ou cujo valor se possa exprimir a partir dela, o que significa que o tributo deve ser pago em moeda corrente, porém nada impede que o adimplemento possa ser dado de outra forma equivalente à moeda desde que seja admitido pela legislação ordinária de cada entidade tributante.

 Soma-se a não vinculação em pagar decorrente de um ato ilícito, ou seja, é importante que se diferencie tributo de multa, a qual se trata de uma sanção pecuniária decorrente de um ato ilícito, muito embora o descumprimento de obrigações tributárias gere sanções o que se deve ter em mente é que qualquer cobrança de tributo não representa imposição de penalidade.

Outro elemento também presente no artigo 3º do CTN é a instituição do imposto através de lei; ou seja, este somente poderá ser criado através deste imperativo, apresentando respaldo no artigo 150, I, da Constituição Federal, segundo o qual dispõe que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

A princípio vale ressaltar as espécies de tributos presentes no artigo 5º do CTN e no artigo 145 da Constituição Federal, sendo que ambas as lei listam três espécies de tributos, mas peculiarmente, a Constituição cita, em seu Título XI - DA TRIBUTAÇÃO, outras duas modalidades tributárias. Deste modo, inclusive sob o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, existem, portanto, cinco modalidades de tributos: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais.               

E por último a expressão “e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, ou seja, a cobrança de tributos somente poderá ser realizada a partir de atos administrativos vinculados em lei, afastando qualquer possibilidade de discricionariedade do agente público.

Visto estas breves considerações acerca da conceituação de tributo faz pontual considerar que a partir das mesmas se pode concluir acerca da supremacia do poder estatal, o qual possui competência de criar e cobrar tributos a partir de limites impostos por lei.

É o que ocorre em relação ao imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) um imposto que surgiu para substituir a taxa rodoviária única, a qual existia ao lado dos rodágios, cuja constitucionalidade era bastante discutida. O IPVA surge a partir da EC nº 27, de 28-11-1985acrescentando o inciso III ao art. 23 da emenda nº 1/69, cabendo aos Estados à ingerência de cobrá-lo; instituído pela primeira vez a partir da Lei nº 4955 de 27-12-1985 revogada pela atual Lei nº 6606 de 20-12-1989 (HARADA, 2007).

Tem-se que o fato gerador deste imposto trata-se da propriedade de veículo automotor de qualquer espécie (aeronaves, embarcações e veículos terrestres); daí ser pontual apresentar a Regra Matriz de Incidência tributária idealizada por Paulo de Barros Carvalho a qual estabelece um esquema lógico o qual servirá como um padrão na criação de lei que irá regularizar a cobrança deste tributo escolhido para este estudo.

2 A REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA (RMI) SEGUNDO PAULO DE BARROS CARVALHO

A regra-matriz de incidência tributária, também denominada “norma-padrão de incidência” ou “norma tributária em sentido estrito” é aquela que assinala o núcleo da percussão jurídica do tributo (CARVALHO, 2008, p. 93-94).  Edificada através do intérprete, é norma geral e abstrata, a qual é formada por uma hipótese e por um consequente.

Também segundo o referido doutrinador, a hipótese implica no consequente. No plano de aplicação da norma geral e abstrata isso significa que com o relato no antecedente de uma norma individual e concreta ─ relacionada a um evento no mundo real-social onde se amplifica sua abrangência ao fato traçado na hipótese ─ a relação jurídica tributária se conforma ao quadro previsto no consequente da regra-matriz.

A hipótese aponta um fato típico de conteúdo econômico, de possível ocorrência no mundo real-social, onde “haverá um critério material (comportamento de alguma pessoa), condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial)”(...) “O consequente estatui um vínculo obrigacional entre o Estado, ou quem lhe faça às vezes, na condição de sujeito ativo, e uma pessoa física ou jurídica, particular ou pública, como sujeito passivo” (CARVALHO, 2008, p. 95).

       Tem-se que o primeiro ficará investido do direito subjetivo público de exigir da segunda o pagamento de determinada quantia em dinheiro, igual ao produto de uma base de cálculo por uma alíquota; à segunda será cometido o dever jurídico (ou dever subjetivo) de pagar ao primeiro àquela quantia. Haverá, portanto, um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota) (CARVALHO, 2008).

       Entende-se, portanto, que a RMI se refere a uma construção doutrinária, a qual estabelece uma estrutura lógica- implicacional mínima, possível de ser vista em qualquer norma de natureza tributária, e que a partir de enunciados prescritivos, os quais formam uma base estrutural, é possível a compreensão das variáveis lógicas (ALVES, 2013).

       Daí que segundo o autor, se atribui o caráter de “regra”, por vez que se está diante de uma norma, a qual apresenta um reduzido número de informações construídas a partir de um processo lógico de abstração de textos jurídicos legislados, os quais são de fundamental importância para o intérprete, haja vista que acabam se tornando um padrão ou matriz na construção de normas individuais quanto concretas.

       No que concerne à competência para a aplicação da RMI há que se observar que no sistema do direito positivo brasileiro existe um cabedal de normas jurídicas de estrutura vinculadas pela Carta Magna, a qual estabelece de modo vinculado o exercício da função legislativa em que pese à matéria tributária, ou seja, estabelecendo a competência para regular tais matérias (CREPALDI, 201-?).

       Resulta desta regra que uma vez exercida tal prerrogativa ela se extingue permitindo que se insurja a capacidade tributária ativa ─ considerada como prerrogativa estatal na atividade típica da arrecadação de tributos. Tem-se que tal competência é limitada pela própria Constituição Federal, a qual atribui aos contribuintes direitos fundamentais, externados na segurança jurídica, o direito à propriedade e a igualdade. Além disto, há que se ressalvar, conforme o autor, que somente as pessoas políticas podem instituir tributos, haja vista que são as únicas dotadas de Poder Legislativo e, consequentemente, da competência tributária.

       Outra questão pontual para se compreender a lógica estrutural da RMI é em saber que há dois tipos de normas no ordenamento jurídico positivo; as regras de comportamento e as regras de estrutura; enquanto a primeira está relacionada ao regramento do comportamento das pessoas em suas relações de intersubjetividades, a segunda liga-se a maneira de como deve ser a norma jurídica; criada, transformada ou extinta do ordenamento jurídico (BOBBIO, 2003). A Regra Matriz de Incidência vem a ser, portanto, uma regra de comportamento, por vez que implica em disciplinar a conduta do devedor ligado a uma prestação fiscal devida a um credor desta mesma prestação, considerado sujeito ativo desta relação obrigacional.

       Assim, a partir da compreensão da norma jurídica, enquanto hipotético implicacional tem-se que, segundo Alves (2013), se podem identificar comportamentos descritos tanto no antecedente quanto no consequente; ou seja, a partir do critério material─ objeto de estudo do presente trabalho─ existe o verbo e o complemento; enquanto no critério espacial se instaura o âmbito de incidência da norma; o critério temporal onde ocorre o momento da ocorrência do evento; critério pessoal (relação entre sujeitos, ativos e passivos numa relação obrigacional) e o critério prestacional ligado a que tipo de conduta deva ser cumprida.

2.1 O Critério Material como parte integrante da RMI

 

Consoante Paulo de Barros Carvalho as normas de incidência- criadas pelo Poder Legislativo- tinham como respaldo certas diretrizes em relação a ação, tempo e a lugar de um determinado fato, daí que torna-se pontual a criação de certos critérios capazes de delimitar o alcance daquilo que foi determinado pelo legislador.

Tais critérios foram divididos em material, temporal e espacial, contudo dar-se-á maior enfoque neste ensaio científico ao primeiro critério, muito embora em hora oportuna sejam comentados para melhor compreensão do assunto proposto. Conforme Carvalho (2008) o critério material vem acompanhado de um verbo e sua complementação os quais irão esclarecer que determinado tributo irão incidir para aquele fato concreto.

Assim, tem-se que neste critério existe a referência a pessoas físicas ou jurídicas; determinando o próprio comportamento das pessoas; como por exemplo, nas ações de “fazer”, “dar”, ou “ser”; além disto, tal critério liga-se a um verbo seguido de seu complemento, tais como: ser proprietário de veículo automotor; circular mercadorias. Daí que para Carvalho (2008) este critério apresenta uma relevante importância, em que pese a viabilidade em se compreender essa RMI e de que modo─ a depender da situação─ o ente político irá atuar para a incidência de determinado tributo.

Além disso, o critério material enquanto elemento importante da RMI possibilita que se entenda a relevância desta regra, por vez que, segundo Cassone (2004, p.87):

A esquematização formal da regra-matriz de incidência tem-se mostrado um utilíssimo instrumento científico, de extraordinária fertilidade e riqueza para a identificação e conhecimento aprofundado da unidade irredutível que define a fenomenologia básica da imposição tributária. Seu emprego, sobre ser fácil, é extremamente operativo e prático, permitindo, quase que de forma imediata, penetrarmos na secreta intimidade da essência normativa, devassando-a e analisando-a de maneira minuciosa. Em seguida, experimentando o binômio base de cálculo/hipótese de incidência, colhido no texto constitucional para marcar a tipologia dos tributos, saberemos dizer, com rigor e presteza, da espécie e da subespécie da figura tributária que investigamos.

 

Denota-se, portanto, a partir desse critério uma visualização em especial da RMI a partir da ótica da designação do comportamento das pessoas; importante para definição da norma padrão do tributo a ser estudado.

2.1.1 Conceito e características do IPVA (Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores).

                   Historicamente, havia a Taxa Rodoviária Federal[4] (Decreto 397/68) que incidia sobre a propriedade de veículos automotores à alíquota de 0,5%. Essa taxa consistia verdadeiramente em um imposto, porque incidia sobre a propriedade, e não sobre uma atuação estatal. Em seguida, foi instituída a Taxa Rodoviária Única (TRU – Decreto 999/69), sendo que 60% da arrecadação era destinada a Estados e Municípios. A intenção de tal taxa era garantir a conservação das rodovias.

                   Atualmente, o art. 155, III, da Constituição dispõe competir aos Estados e ao Distrito Federal a imposição de imposto sobre a propriedade de veículos automotores. Sendo um imposto, o IPVA é tributo não vinculado, de forma que o imposto será devido pela realização do fato gerador, e não por qualquer atuação estatal. Embora a competência para sua instituição seja estadual, não há lei nacional (complementar) uniformizando a sua aplicação, o que gera alguns problemas.

       Segundo a Lei 13.296/2008, o IPVA é um imposto nacional, o qual recai sobre a propriedade de veículos. Apenas os Estados e o Distrito Federal têm competência para instituí-lo de acordo com o art.º 155, III, da Constituição Federal, ou seja, é um tributo estadual. O IPVA tem como fato gerador a propriedade do veículo automotor. Assim, os contribuintes do referido serão os proprietários de veículos automotores.

                   Assim, sob os aspectos jurídicos, pode-se conceituar o IPVA como sendo o tributo que incide sobre a propriedade de veículos automotores, qualquer que seja a sua natureza e que alcança, portanto, veículos rodoviários, aeroviários e aquaviários (marítimos fluviais e lacustres). Cobrado anualmente pelos Estados e pelo Distrito Federal, não tem relação direta com prestação de serviço (asfalto em ruas, colocação de sinais etc.) como tinha a antiga Taxa Rodoviária Única, que era recolhida com o objetivo de fazer os motoristas pagarem pelo uso e manutenção das rodovias. Aliás, esta é a característica essencial de todo imposto: é uma receita da União, Estados ou Municípios, utilizada para as despesas normais da administração, tais como, educação, saúde, segurança, saneamento etc.Registre-se que a propriedade do veículo automotor é comprovada por meio do documento de propriedade emitido pelo DETRAN de cadaEstado e que a incidência de tal imposto se dá a partir da emissão do documento comprovante da propriedade que está no seu conteúdo, ou seja, quando o veículo é pela primeira vez vendido, não incidindo o imposto, todavia, enquanto estiver na fábrica ou na concessionária para ser vendido ao primeiro proprietário (MACHADO, 2007)     

O IPVA surgiu através da Emenda Constitucional nº. 27, de 28.11.1985, que atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituir imposto sobre propriedade de veículos automotores vedando a cobrança de impostos ou taxas incidentes sobre a utilização de veículos, dispositivo esse ratificado pelo art. 155 da CF/88. Ressalte-se que não permaneceu no dispositivo constitucional a vedação à cobrança de impostos ou taxas incidentes sobre a utilização de veículos.

                   Aspecto interessante é o da imunidade, pois são imunes ao tributo, os veículos das pessoas jurídicas de direito público, dos templos de qualquer culto desde que utilizados em suas funções específicas e os veículos das instituições de educação e assistência social (CASTRO, 2007).                                                                                                                     Sendo o IPVA um imposto que incide sobre a propriedade, além do próprio veículo garantir a satisfação do tributo em caso de inadimplência, o imposto acompanha o bem, inclusive impossibilitando o licenciamento e/ou transferência, e aplica-se o disposto no art. 130 do CTB (Código Trânsito Brasileiro):

Art. 130. Todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque, para transitar na via, deverá ser licenciado anualmente pelo órgão executivo de trânsito do Estado, ou do Distrito Federal, onde estiver registrado o veículo.

                   Destaque-se ainda que a distinção de alíquotas, feita pelas legislações estaduais para aumentar o valor do imposto em relação aos veículos importados, fere o princípio da isonomia tributária, inserto no art. 150, II, da CF. Ademais, o STJ consagrou o entendimento de que a distinção de alíquotas fere não só princípio da isonomia, como também o art. 152 da CF, que vede aos Estados, ao DF e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.                                             Segundo Castro (2007), quanto à possibilidade de ter que se pagarem dois impostos sobre a propriedade de veículo automotor no mesmo ano sobre o mesmo fato gerador, inexiste essa possibilidade. Não há condições de um veículo que pagou o IPVA num Estado, com a transferência para outro estado e no mesmo exercício, ter que pagar novamente o imposto. Estando este imposto ligado ao local onde esteja registrado o veículo automotor, no caso de aeronave e embarcações, mesmo atuando em território nacional, quando registrada em outro país, parece que há impossibilidade de cobrança desse imposto.

 

3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CRITÉRIO MATERIAL NO ÂMBITO DE ATUAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (IPVA)

 

Consoante Paulo de Barros Carvalho as normas de incidência- criadas pelo Poder Legislativo- tinham como respaldo certas diretrizes em relação à ação tempo e a lugar de um determinado fato, daí que torna-se pontual a criação de certos critérios capazes de delimitar o alcance daquilo que foi determinado pelo legislador.

Tais critérios, como preceituado por Carvalho (2008), para que o fato social se torne fato jurídico tributário, fazendo nascer à relação jurídica tributária, aquele fato deve conter os elementos capazes de preencher os critérios fixados minimamente pela hipótese da regra-matriz de incidência tributária, que são os critérios material, espacial e temporal[5].No critério material, tem-se o núcleo do fato jurídico tributário, sendo formado por um verbo pessoal e com predicação incompleta, o que significa requerer sempre um complemento, direto, indireto ou predicativo. Conforme Carvalho (2008) o critério material vem acompanhado de um verbo e sua complementação os quais irão esclarecer que determinado tributo irão incidir para aquele fato concreto.

Segundo De Carvalho (2009) ao tratar deste critério em especial ressalva a respeito que àquele uma vez estando presente no antecedente está intrinsicamente ligado a um fato em específico desencadeado pelo homem e capaz de ensejar uma tributação. No que tange à junção entre o verbo e seu complemento há que se pontuar o aspecto concreto que o primeiro deva abarcar, esclarecendo melhor, as ações determinadas por ele devem ter consequências reais no mundo jurídico, daí que verbos de caráter subjetivo não estão compreendidos no critério material na Regra Matriz de Incidência.

No tocante ao Imposto sobre a propriedade de veículos automotores o fato gerador está na propriedade de veículo automotor, não importando qual espécie for, sendo que em se tratando de veículo novo o fato gerador ocorrerá “na data da sua primeira aquisição, pelo que o fabricante não é contribuinte deste imposto” (HARADA, 2007, P.444).

Segundo o alusivo autor em se tratando de veículo importado o fato gerador será contado a partir da data do seu desembaraço aduaneiro, enquanto que nos demais casos ocorrerão sempre no dia 1º de Janeiro de cada ano. No que tange à base de cálculo será dada a partir do valor venal do veículo; ou seja, segundo o autor se trata do valor da compra e venda à vista considerando as condições normais de mercado.

O critério material da hipótese de incidência do IPVA é o estado do sujeito passivo (“em ser proprietário de veículo automotor”) e não ação por ele executada (como, p. ex., “vender mercadorias”, “industrializar produtos”). “Ser proprietário de veículo automotor” é “estado de fato”, ou seja, “fato (estrito senso) que aconteceu e permanece e que, por isto, pode ser contemplado: ou no momento em que aconteceu (portanto, como fato estrito senso) ou sob ângulo de sua duração continuada (portanto, como estado de fato)” (BECKER, 1998, p. 323).

       Seguindo lição de Alfredo Augusto Becker, mas com a linguagem utilizada por Paulo de Barros Carvalho, podemos afirmar que, no exercício a que se refere à exigência do IPVA, o contribuinte ou o agente fiscal interpreta a amplitude do preceito geral da regra-matriz, fazendo-o incidir no caso particular (“estado de fato” ou relação de propriedade) e sacando, assim, a norma individual e concreta[6](CARVALHO, 2008b, p. 90). Enquanto durar a relação de propriedade do veículo automotor, a regra-matriz deverá ser incidida uma única vez em cada exercício.

O IPVA tem como fato gerador (continuado, porque se repete anualmente) a propriedade de veículos automotores (aqueles que possuem propulsão própria): automóveis, ônibus, caminhões, motocicletas, tratores, jet-ski, barcos, lanchas, aviões de esporte e lazer. “Ser proprietário de veículo automotor” é também “situação jurídica” (a que se refere o inc. II do art. 116 do CTN), que é definitivamente constituída no momento em que se dá a tradição do veículo (caput do art. 1.267 do Código Civil – CC). Relatada no antecedente de norma individual e concreta de lançamento, a relação de propriedade do veículo transforma-se em fato jurídico tributário (BECKER, 1998).

       Também a respeito do aspecto material do IPVA, ainda não foi editada a lei complementar que trata do fato gerador, da base de cálculo e contribuintes do IPVA. Como os Estados possuem competência suplementar para estabelecer normas gerais (art. 24, § 2º, CF), eles exercem, nesse aspecto, competência plena (MACHADO, 2007).                                                          
4 CONCLUSÃO

       Convive-se hoje sob as regulamentações impostas pela Constituição elaborada em 1988 e, no âmbito tributário, isto não se apresenta de forma diferente. Entretanto mudanças na legislação tributária nos últimos anos colaboraram para aprofundar a crise no federalismo brasileiro, ou seja, criou um sistema falho no que diz respeito aos repasses de tributos por intermédio da União, tanto a Municípios quanto a Estados.

       Os recursos advindos das contribuições de IPVA são divididos: 50% vão para os municípios e o restante é dirigido aos Estados ou ao Distrito Federal. Não existe, entretanto, uma destinação específica  para a aplicação da verba. O que define então a destinação do dinheiro são as prioridades que os Estados, Distrito Federal e as prefeituras estabelecem de forma particular. Dentre as possibilidades de utilização da verba estão reparos de estradas e viadutos, pagamento da alimentação de presos, construção de escolas e compra de remédios. O dinheiro não é completamente direcionado para a manutenção das vias públicas, como é de praxe considerar.

       Em suma, a destinação dos recursos do IPVA (e demais impostos) dependerá, em cada caso, do que for alocado em cada Administração, a cada exercício, pelasrespectivas leis orçamentárias, naturalmente em consonância com os correspondentes planosplurianuais e diretrizes orçamentárias. Certamente, a ausência de uma lei complementar federal com normas a respeito o IPVA se faz sentir nas inúmeras controvérsias suscitadas a respeito de sua incidência. Todavia, no atual ordenamento jurídico, não se tem guarida às interpretações normativas que amputam a eficácia das normas constitucionais e tentam suprimir as normas de incidência tributária injustificadamente.

 

REFERÊNCIAS

 

ALVES, Rogério Salviano. A regra- matriz de incidência tributária e sua aplicabilidade. 2013.Disponível em :< http://www. jus.com.br/artigos/25350/a-regra-matriz-de-incidencia-tributaria-e-sua-aplicabilidade>. Acesso em 18 Out. 2014.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Lejus, 1998.

BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Bauru: Edipro, 2003.

BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. Lei 9.503 de 23 de setembro de 1997.

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei 5172 de 25-10-1966.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

BRASIL. Lei nº 6606 de 20-12-1989. Dispõe acerca do Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA).

CASTRO, Aldemario Araújo. Direito Tributário. 3. ed. Brasília: Fortium, 2007

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico semântico. São Paulo: Noeses, 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

CASSONE, Vitório. Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 

CREPALDI, Silvio Aparecido. A regra matriz de incidência tributária. Disponível em :<http://www.ambito-juridico.com.br> . Acesso em 18 Out. 2014.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

 

 

 



[1] Acadêmica do 7º Período Noturno do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB.

[2] Acadêmica do 7º Período Noturno do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB.

[3]Professor, Mestre, Orientador.

[4]RE 134.509. O Min. Sepúlveda Pertence entendeu que o IPVA foi criado em substituição à Taxa Rodoviária Única. Sendo assim, os seus elementos, de acordo com um critério histórico, devem ser definidos em consonância com os do tributo extinto.

[5]Não se faz necessário o critério pessoal na hipótese da regra-matriz de incidência tributária, em virtude de que a ação ou estado previstos no critério material são necessariamente pessoais, além disso, a individualização dos sujeitos da relação é adequadamente realizada no consequente da regra-matriz. Isso porque não se dá a incidência se não houver um ser humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação que o preceito normativo determina. As normas não incidem por força própria. Assim, requer que o ser humano como elemento intercalar, movimentando as estruturas do direito, extraindo de normas gerais e abstratas outras gerais e abstratas ou individuais e concretas.

[6]Ao recolher espontaneamente o IPVA, o contribuinte põe no ordenamento norma individual e concreta que formaliza e, ao mesmo tempo, extingue o crédito tributário. A linguagem competente (assim entendida a exigida pelo direito posto), utilizada para relatar o evento tributado e a relação jurídica tributária, está expressa na guia de recolhimento com a autenticação do pagamento ou no comprovante de pagamento emitido pelo terminal bancário.

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