A reforma processual da lei 11.277/2006 Citação e princípio do contraditório

Por Tájara Marina Leite Guimarães | 22/12/2020 | Direito

A reforma processual da lei 11.277/2006

Citação e princípio do contraditório


 

TÁJARA MARINA LEITE GUIMARÃES*

 

Sumário: Introdução. 1. Reformas processuais no Brasil 2. Conceito de Citação. 3. O princípio do contraditório. 4. Análise da lei 11.277/2006 5. Conclusão. Referências


 

RESUMO

 

Este trabalho tem como principal objetivo analisar os aspectos relacionados à reforma do Código de Processo Civil, determinada pela lei 11.277 de 7 de fevereiro de 2006. Juntamente com a análise dessa mudança analisaremos a Citação, e as influências que recebeu face o advento dessa nova lei. Acima de tudo, esse estudo se preocupa com as reformas processuais, dando atenção aos aspectos constitucionais, verificando os princípios e ainda a real necessidade dessas reformas no Direito Processual Civil.

 

 

Palavras-chave: processo, lei, Citação, reforma.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Fazer um estudo aprofundado das mudanças que vem ocorrendo na nossa legislação é de grande relevância para que se possa entender as necessidades processuais e ainda, das pessoas, que precisam do processo para litigar, resolver seus atritos e clamar por seus direitos.

No Direito Processual Civil, que especificamente trata de questões civis envolvendo o processo como um todo, processo não no sentido estrito da palavra (matéria de juízo) como também todo o movimento que se encadeia do início ao fim de cada matéria de juízo, que hoje é bem mais conhecido como procedimento, é grande a preocupação dessas mudanças para que se tenha um desenrolar mais eficiente em todo esse percurso necessário.

Todas essas reformas devem, portanto ser analisadas e verificadas, para que se comprove se as mesmas estão respeitando aos princípios constitucionais, se estão seguindo seu objetivo principal, se não estão se contradizendo e etc.

O Direito das pessoas deve ser considerado um bem incalculável, e não pode ser retirado de forma brusca e sem sentido. O que se deve priorizar é o bem-estar social, que o Estado de Direito exige. Se as reformas chegam para gerar melhoria, isso é grande avanço. Caso contrário, o Direito estaria sacrificando seu próprio papel dentro da sociedade.

 

 

1 REFORMAS PROCESSUAIS NO BRASIL

 

O Brasil é “dono” de um sistema processual dinâmico.  Por muito tempo foi acusado de ser moroso, machista, preconceituoso, paternalista e foi visando uma nova caracterização que começou suas reformas.

Foi com a “criação da secretária de reforma processual em 2003”, pelo governo federal, que a reforma do judiciário foi colocada como prioridade nos compromissos políticos federais. Foram enviados ao congresso muitos projetos, com a expectativa de serem aprovados para que assim proporcionassem uma aceleração na tramitação dos processos e evitar que a justiça agisse em situações meramente protelatórias. Assim, queriam que existisse uma maior atenção aos processos de primeira instância e uma simplificação de procedimentos judiciais.

Na verdade, todos os ordenamentos jurídicos necessitam ser mais ágeis e eficientes, para que possam assim exercer a sua função social de gerar a população ações concretas, efetivas. É comum no mundo todo, a busca pela realização da justiça, e para isso é essencial adequação da mesma à expectativa das pessoas. O que se espera dessas reformas é uma melhoria no sistema e não um conflito com princípios já garantidos constitucionalmente, como o da ampla defesa e do contraditório. O que é preciso na atual conjuntura é um aumento da confiança da população pelas atitudes vindas do judiciário.

 

 

2 CONCEITO DE CITAÇÃO

 

No Direito Processual Civil, especificamente, em Processo do Conhecimento, é feito um estudo de todo o procedimento necessário para que se torne possível a relação jurídica processual. Essa relação começa com a petição inicial, documento que distribui o ato de propositura da demanda e ate ai se, tem uma “relação jurídica processual de configuração linear” , em que se tem apenas autor e o juiz. É necessário, para que essa relação se complete que o réu fique ciente do que está ocorrendo, ou seja, da demanda que está sendo feita contra ele.

É depois de feita a citação do réu que se pode falar em processo constituído, em relação processual formada. Qualquer que seja ação intentada, somente depois que o réu toma conhecimento é que se completa a relação processual. O autor nesse caso está exercendo seu direito de ação e o réu, portanto, tem também seu direito de defesa assegurado pela Constituição. A citação então, é o ato pelo qual se chama a juízo o réu, comunicando-lhe de que existe um processo, para que assim ele possa se defender. É o princípio do contraditório sendo assegurado. Ela é exigida não só em processo do conhecimento, mas como no executório e cautelar e também nos procedimentos comum e especial, de jurisdição contenciosa ou voluntária. O processo só será considerado existente se tiver havido a citação válida.

Por ser ela, garantidora do princípio do contraditório, por mais que não sejam cumpridos alguns aspectos formais, revestidos pela lei, para o processo civil, basta que de alguma forma a citação atinja a sua finalidade. Portanto se o réu comparecer, ele se mostra ciente.

 

3 O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

 

Muitos princípios são norteadores do processo, estabelecendo os direitos e as garantias individuais previstos no art. 5º da Constituição Federal de 1988. Dentre eles temos o princípio do contraditório, que está visceralmente ligado ao princípio da ampla defesa e o do duplo grau de jurisdição.

O conceito empregado a este princípio, em geral é o de que “é preciso dar ciência  ao réu da existência do processo, e às partes, dos atos que nele são praticados, permitindo-lhe reagir àqueles que lhes sejam desfavoráveis.”

Esse princípio é constitucional decorrente do direito de defesa. É de ampla importância para o processo, pois por ser este um conjunto de atos deve ter uma estrutura com base em contradições. Ainda, o contraditório não é uma mera expressão jurídica com possibilidades idênticas concedidas as partes, mas, sobretudo a imparcialidade do juiz. Esse princípio visa garantir meios necessários a igualdade do processo. Assim, se faz possível ocorrer êxito, gerando àqueles que se encontram em juízo, as mesmas possibilidade de obter a tutela de suas reivindicações. Tudo isso pela real necessidade de que seja retirado tudo aquilo que impossibilita a um sujeito do processo de operar em concomitância com os outros e para tanto é indispensável a igualdade na hora de expor as idéias.

No processo civil, diferentemente do que ocorre no penal, basta que seja dada ciência aqueles que participam do processo de que tudo que ocorre no mesmo, dando a oportunidade de reação. Se a parte atingida, no caso o réu, resolver não se defender sofrerá as conseqüências da sua inércia, sendo que no processo penal o juiz deverá agir para que de fato haja a defesa daquele que está sendo acusando, visto que se trata da liberdade das pessoas.

Por conta desse princípio constitucional, há discussões na doutrina m relação a Citação face o advento da lei 11.277/2006, pois se torna duvidosa a constitucionalidade do art. 285-A, inserido por ela. A citação como já foi exposto é a concreta garantia desse princípio constitucional e que acaba por mudar seu caráter com a introdução desse artigo.

 

4 ANÁLISE DA LEI 11.277 

 

Em 7 de Fevereiro de 2006, a lei 11.277 acrescentou ao artigo 285 da legislação processual civil, o artigo 285-A, em que se lê: “quando houver matéria controvertida e esta for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. O parágrafo 1º diz que se o autor da ação apelar, é facultado ao juiz decidir no prazo de cinco dias, não manter a sentença e determinar prosseguimento da ação e no parágrafo 2º, caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.”

Essa faculdade concedida ao juiz é nova, que até o advento dessa lei era desconhecida, no que tange a resolução de mérito. Antes sim, com as relações processuais, era cabível a rejeição da inicial, em casos de não preenchimento de requisitos essenciais.

Essa lei traz consigo grande abertura ao judiciário, pois se a matéria trazida na inicial for apenas de direito e o juiz já tiver julgado casos “idênticos” mesmo sendo as partes diferentes, poderá ele de oficio, dá a improcedência do pedido. Essa expressão “idênticos” é bem questionável, pois a partir do momento em que se fala de partes diferentes, não se pode mais falar em idênticos. “Há um dever de dialogo do juiz com as partes.”  Cabendo a ele decidir depois de ouvi-las e não diretamente. Isso não é apenas um formalismo, pois é primordial para que ocorra um processo de qualidade, seguro e ético. É arriscada a afirmação de que no campo real, existam duas ações absolutamente idênticas, para que se justifique a incidência dessa nova lei. De acordo com o que se vivencia na prática, as pretensões levadas a juízo, nunca são iguais, sempre tendo pequenos detalhes e especificações que as diferem umas das outras.

No que diz respeito aos princípios constitucionais existem grandes controvérsias com relação às exigências dos mesmos. Alguns autores seguem a posição de que não há nenhum tipo de afetação ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Para Humberto Theodoro em seu livro, as novas reformas processuais, “a previsão de um juízo de retratação e do recurso de apelação assegura ao autor, com a necessária adequação, um contraditório suficiente para o amplo debate em torno da questão de direito enfrentada e solucionada in limine litis” Para esse autor, ambas as partes disporão de condições para exercer o contraditório, mesmo sendo uma causa prolatada antes da citação do demandado.

No entanto, existem posições totalmente contrárias ao texto do artigo 285-A, cuja argumentação se apóia na impossibilidade de sacrificar os princípios constitucionais universais em nome da celeridade processual. Nesse caso, é defendida a harmonização entre a necessidade do processo e os princípios, sem que, de forma alguma, seja violado o Texto Constitucional.

A citação se encontra nesse meio de maneira bem evidente, pois é justamente a garantia que tem o réu de ser informando do processo. Se se concretiza essa medida ditada por essa lei, o réu não será informado, sendo a sentença improcedente, em prejuízo ao autor. Apesar de ser em prejuízo ao autor, o objetivo principal desse dispositivo não é o de favorecer ao réu, mas sim de economia processual e consequentemente a aceleração do processo. O sentido é de diminuir o percurso que inúmeros processos precisam seguir até chegar ao resultado. No entanto, não justifica a extinção de um direito, o direito de ser citado e de conhecer o processo, baseando se apenas em características processuais, na verdade parecidas e não idênticas.  

                  O que tem que ficar claro é que deve estar garantido ao autor não a procedência ou improcedência da sua ação, mas também a possibilidade de presenciar o réu e seus argumentos, para que ele mesmo possa fazer a sua análise e entender o porquê da decisão do juiz.

Se esse principal objetivo for atingido, faz sentido essa mudança, no entanto, os próprios parágrafos desse artigo em questão geram situações que com facilidade causam  a morosidade do processo. A conseqüência disso é o entendimento de que a intenção mais válida desse dispositivo acaba por ser “traída” pelos parágrafos 1 e 2 e que abrindo “brechas”, geram novamente a tão preocupante falta de celeridade processual. Nesse caso, então, o réu perde seu direito de ser citado, e se tornar ciente de uma ação que foi intentada contra a sua pessoa, o autor de acompanhar com detalhe o processo que ele provocou e não se chega ao objetivo mais esperado da aceleração.

 

CONCLUSÃO

 

A conclusão que se pode chegar, com o término desta pesquisa, é a de que se faz necessária a avaliação minuciosa de cada reforma processual que vem ocorrendo nos últimos tempos, observando seu caráter, seus objetivos, e assim entender o porquê das mudanças.

A população mais leiga muitas vezes aceita algumas mudanças porque não entendem ou não se interessam por isso. Mas é dever do operador do Direito, conhecer todo o procedimento que leva a essas reformas processuais.

Foi possível também, com este paper, concluir que a lei 11.277/2006, traz amarrados com ela, alguns princípios constitucionais e o conhecimento de Citação. Amarrados porque necessariamente estarão caminhando juntos, mesmo que de maneiras opostas.

Foram feitas algumas indagações neste trabalho, como a inconstitucionalidade dessa lei e necessariamente muitos aspectos relativos à Citação foram expostos e questionados.

A Citação enfim, é necessária e não pode ser ultrapassada. No caso, o artigo 285-A defende que ela não se efetive e nem exista, em alguns casos. Mas, não se pode vislumbrar o processo dessa maneira, pois não se segue os procedimentos necessários e por essa razão não se deveria falar na sentença do mérito.

                 O que a lei defende, é a economia processual, mas como todos comprovam essa mudança não atinge essa meta. Na prática, os processos continuam lentos. O próprio dispositivo, em seus parágrafos 1º e 2º dá abertura a essa lentidão, o que faz com que se volte ao problema inicial e toda essa reforma do artigo 285, perca seu sentido.

Conclui-se, então que a citação deve continuar ocorrendo, mesmo em casos que pareçam idênticos. Em se tratando de direitos e de pessoas, tudo é único e deve ser julgado de maneira atenciosa. A Citação é um procedimento válido, mesmo se tratando de causas de pedir parecidas, que a prima facie parecem idênticas e de resultados iguais, em que se pode conquistar um adiantamento do resultado já previsto, é necessário que esses dispositivos cumpram com seu objetivo principal.

O que se espera com a Citação não é o mero beneficio do réu, mas sim a relação processual ocorrendo de forma estritamente responsável.  

 

REFERÊNCIAS

 

DE ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. A lei 11.277. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7982&p=2> Acesso: 15. Abril. 2009

 

RIOS GONÇALVES, Marcos Vinicius. Novo Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

 

THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. 1ª edição. 4ª tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

 

 

WAMBIER, Luis Rodriguez; DE ALMEIDA, Flávio Renato Correia; TALAMIN, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Volume 1. 8ª edição São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

 

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