A REFEIÇÃO DO FAZENDEIRO
Por Henrique Araújo | 01/11/2009 | ContosA REFEIÇÃO DO FAZENDEIRO
Com a enorme crise que eu estava, resolvi abandonar a pequena cidade e procurar um trabalho numa fazenda qualquer. Eu tinha mulher e dois filhos e eu tinha que dar um jeito na situação, já que era responsável por eles.
Andei numas duas ou três fazendas, mas a crise estava nas fazendas também e ninguém queria mais saber de empregados. Eu me propus a fazer qualquer serviço desde que estivesse em minhas possibilidades.
Acabei chegando numa fazenda com poucos empregados, mas o problema ali era a alimentação, por isto o patrão punha um pormenor neste detalhe, perguntando e explicando tudo. Eu não estava muito preocupado com a alimentação, queria apenas um salário que desse para sustentar minha família. O dono da fazenda chamava-se Ziraldo e foi logo me dizendo:
- Muita gente tem vindo aqui, seu Antônio, mas trabalham pouco e comem muito. Parece que só querem comer. Acho que o salário não é tão ruim, mas quem faz a alimentação somos nós mesmos.
- Quanto a isto o senhor não se preocupe, seu Ziraldo. Eu, além de comer pouco, não sou homem de luxo. Preciso mesmo é de um salário para a família e para isto faço qualquer sacrifício.
- O sacrifício aqui pode ser um pouco alto para o senhor, seu Antônio. Por exemplo, o que acha o senhor que comemos aqui de manhã?
- Bem, deve ser uns dois pães com mel e leite de vaca, além de algumas frutas.
- Não, senhor. Pães aqui não produzimos, mel vendemos na cidade e o leite das vacas é para fazer queijo para vender no mercado. Aqui, de manhã comemos mandioca cozida com chá de erva-cidreira. É o que produzimos na fazenda.
- Não tem importância. Dá pra levar.
O fazendeiro continuou falando do leite, do mel e das frutas. Eles eram a fonte de riqueza da fazenda. E como tinha mel, leite e frutas naquela fazenda! Mas de manhã a gente passa com qualquer coisa. E ele continuou:
- Às 9 horas, damos um lanche a nossos empregados. Quem trabalha precisa comer um pouco para produzir muito. Não gostaria de ver nossos empregados morrerem de fome. O que o senhor acha que servimos neste horário?
- Às 9 horas? Neste horário deve haver um lanche leve. Não atrapalha o andamento do serviço e já está perto mesmo do almoço. Deve ser uma farofa de banana.
- Não, senhor. Servimos mandioca assada com suco de limão. Mandioca é massa pura e limão tem vitamina C e ao natural.
- É verdade, é verdade - respondi.
Falei das qualidades da mandioca assada, vitamina C de limão. É melhor que qualquer receita dada por médicos.
O bom moço falou que sua fazenda era pioneira em produzir limão naquelas redondezas. Ele já fora chamado de o rei do limão.
- Às 12 horas, seu Antônio, servimos o nosso famoso almoço. Neste país inteiro não tem quem sirva um prato como este. O senhor já imaginou o que servimos aqui no almoço?
A barriga roncou muito e fui logo dizendo ao bom fazendeiro:
- Imagino sim, seu Ziraldo. Como o senhor tem muitas galinhas, porcos e vacas, creio que será uma boa refeição a base de arroz, feijão, costela de vaca, alguns franguinhos assados, ovos estalados, além de alface, tomate e como bebida um bom vinho.
- O que é isto, seu Antônio? O senhor está pensando que eu sou a rainha da Inglaterra? Daqui a pouco o senhor vai me pedir faisão à milanesa, uísque escocês e strogonoff.
- Nada disto, seu Ziraldo. Quem sou eu?
- No almoço temos mandioca frita com vitamina de abacaxi. Não é uma refeição de rei, mas dá sustento e é produto da terra. Gosto de ver meus empregados bem alimentados e fortes.
Concordei com o bom homem. Disse que gostava muito de abacaxi e ainda mais de mandioca frita. Tudo ia muito bem.
Conversamos mais um pouco, falamos do progresso da cidade, do isolamento do campo. O fazendeiro disse então que às três horas da tarde tinha uma merenda.
- Com o calor, o senhor sabe, o corpo pede muita vitamina e por isto fornecemos uma leve refeição. O senhor tem uma idéia desta merenda?
- Bem, a tarde eu quase não como nada, mas deve ser uma pipoca torrada e um suco de uva.
- Até que enfim o senhor acertou um tipo de refeição.
- A pipoca torrada?
- Não. O suco de uva. Às 3 horas fornecemos suco de uva com mandioca à palito.
Descobri. Aquele homem só pensava em mandioca o dia inteiro? E eu, que na cidade, comia mandioca uma vez a cada 10 anos. Provavelmente não resistiria o primeiro dia ali. Agora eu sabia porque a fazenda não tinha muitos empregados, mas estava disposto a enfrentar o sacrifício, tal a necessidade.
Novas conversas, novos assuntos e ele resolveu falar sobre o jantar. Ele olhou para mim e perguntou com a cara mais santa deste mundo:
- E o jantar, o senhor tem uma idéia?
Com o corpo mole de desânimo, disse francamente ao homem:
- Sopa de mandioca.
- O senhor é um homem sábio, seu Antônio. Até hoje ninguém adivinhou o que teríamos para o jantar. Estou vendo que o senhor acaba de arrumar um emprego. É sacrifício no começo, mas a gente se acostuma.
E o homem continuou falando. Disse que depois do jantar os empregados se reuniam. Uns contavam histórias, outros tocavam violão, outros ouviam rádio.
Eu já estava muito desanimado quando ele falou:
- Mas antes dos empregados irem se deitar tem mais um lanche reforçado.
Não agüentei mais. Levantei-me da cadeira, agradeci ao homem, disse que ele era muito gentil, que estava satisfeito, mas não poderia pegar o emprego.
- Tenha a santa paciência, mas até na hora de dormir? Não.
Saí apressado e antes de pular a calçada ele gritou:
- Domingo aqui na fazenda é que é ótimo.
- Imagino, imagino, até logo!