A REDUÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS POR NORMA COLETIVA DO TRABALHO

Por Catarina Santos Bogea | 13/06/2017 | Direito

AREDUÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS POR NORMA COLETIVA DO TRABALHO¹

                                                   

Catarina Santos Bogéa²

Hélio Antonio Bittencourt Santos³

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Pedro Correa de Castro era empregado contratado da Montadora de Veículos WFFGM Ltda, ao tempo em que fora firmado ACT, em 02/01/2015, entre a empresa e o sindicato obreiro. No referido instrumento coletivo, ficou pactuada a estabilidade provisória no emprego de todos os 902 empregados, isto na vigência do período de 01/02/2015 a 31/12/2015, tudo nos seguintes termos: a jornada diária seria estendida por 2h remuneradas + 10%, e os empregados não perceberiam o 13º salário. Em contrapartida, no caso de rescisão, todos os direitos trabalhistas seriam pagos com valores dobrados, incluindo-se a multa do FGTS.

Pedro Correa de Castro foi então dispensado em 30/09/2015, tendo percebido todas as verbas rescisórias em dobro, com reflexos até o dia 02/02/2016 (considerando o aviso prévio de 33 dias).

Contudo, em 04/02/2016, o ex-empregado ingressou com reclamação trabalhista requerendo a nulidade do acordo coletivo de trabalho, assim como o pagamento, por parte da reclamada, das seguintes parcelas: 720 horas extras + 40% e 13º salário referente a 2015.

 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

Em âmbito de inicial, Pedro Correa de Castro, alega a nulidade de cláusulas do Acordo Coletivo firmado entre a reclamada e o sindicato obreiro, nos seguintes termos:

A negociação coletiva que reduz garantias dos trabalhadores asseguradas em normas constitucionais e legais ofende princípios do Direito do Trabalho, e a quebra da hierarquia de fontes somente é válida na hipótese de o instrumento inferior ser mais vantajoso para o empregado. Explica-se.

O instrumento coletivo firmado entre a reclamada e o sindicato obreiro, transacionou a prorrogação da jornada mediante a incidência de percentual reduzido sobre as horas extras, além de suprimir verba salarial, qual seja o 13º salário. Isto é, o acordo coletivo fere o princípio protetor trabalhista da indisponibilidade de direitos, que não admite renuncia ou transação lesiva no curso do contrato, mesmo se acordado entre as partes. Logo, em que pese à valorização da autonomia privada coletiva, não há que se falar em qualquer acordo que deixe de observar a natureza hipossuficiente do empregado. Neste espeque, as normas constitucionais e celetistas, garantem a proteção dos limites que restringem a disponibilidade de verbas e direitos no momento de negociação do instrumento coletivo.

Infere-se, portanto, que, no que tange à flexibilização de parcelas trabalhistas, a sua incidência se dá apenas mediante a observação de dois critérios; a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; ou, b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa. (DELGADO, 2013, p. 1359).

Em sendo assim, as normas coletivas poderão estabelecer tão somente direitos aquém do mínimo fixado pela legislação trabalhista, e ainda assim, referida situação somente é possível se houver permissivo legal expresso. Não poderá o empregador, maquiar em forma de transação, a supressão e redução de direitos trabalhistas indisponíveis e não autorizados por lei. Maurício Godinho (2013, p. 217) resume de forma precisa:

 

A indisponibilidade de direitos trabalhistas pelo empregado constitui-se em regra geral no Direito Individual do Trabalho do país, estando subjacente a pelo menos três relevantes dispositivos celetistas: arts. 9º, 444 e 468, da CLT. Isso significa que o trabalhador, quer por ato individual (renúncia), quer por ato bilateral negociado com o empregador (transação), não pode dispor de seus direitos laborais, sendo nulo o ato dirigido a esse despojamento. Essa conduta normativa geral realiza, no plano concreto da relação de emprego, a um só tempo, tanto o principio da indisponibilidade de direitos trabalhistas, como o principio da imperatividade da legislação do trabalho.(grifo nosso).

 

A luz do esclarecimento doutrinário, passamos a analisar ponto a ponto da presente reclamação.

A convenção coletiva em apreço estabelece, em primeiro lugar, a prorrogação da jornada diária em 2h, a serem pagas com acréscimo de 10% sobre a hora normal. Ocorre que, quanto ao adicional de horas extras, o inciso XVI do art. 7º, da CF/88, expressamente estabelece o mínimo de 50% sobre a hora normal, o que afasta a possibilidade de ser fixado valor em nível inferior, ainda que através de negociação coletiva.

Ressalte-se, o texto constitucional, no mesmo art. 7º, inciso XIII autoriza certa flexibilização de direitos trabalhistas. Todavia, no que concerne a jornada de trabalho, o dispositivo é claro, e atesta “a duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (CF, art.7º, XIII). Isto é, a complacência da norma se limita aos casos em que a jornada sofrerá redução, ou ainda, quando for estabelecido o sistema de compensação por meio de banco de horas. Ademais, acerca da prorrogação de jornada, o art. 59 da CLT estabelece o seguinte:

 

A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de duas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante convenção coletiva de trabalho.

 

Como dito anteriormente, sobre as duas horas excedentes, obrigatoriamente deverá incidir, no mínimo, 50% sobre o valor do salário/hora, de modo que o Acordo Coletivo firmado entre a Montadora de Veículos WFFGM Ltda. e o sindicato obreiro, deverá ser considerado nulo quanto à cláusula que versa sobre a jornada de trabalho. Razão pela qual, a Pedro Correa de Castro, ex-empregado, que teve direitos fundamentais lesados, é devido, no mínimo, o pagamento das horas extras trabalhadas durante a vigência do contrato, considerando o adicional legal de 50% para os cálculos das horas extras, e seus reflexos sobre as verbas contratuais e rescisórias, sendo que para estas últimas considera-se o valor dobrado, conforme firmado em Acordo Coletivo.  

E não é só.  Pedro Correa ainda terá direito ao pagamento do 13º salário referente a 2015. Isto porque, o acordo coletivo firmado mediante transação desproporcional, suprimiu verba salarial garantida por lei. Ora, mais uma vez, o empregador almejou utilizar-se do princípio da criatividade jurídica da normatização coletiva para estabelecer condições que em nada beneficiam o empregado. Explica-se.

Em que pese à constituição preveja a possibilidade de flexibilização do principio da irredutibilidade salarial quando assim for convencionado em instrumento coletivo, o texto legislativo não autoriza a supressão salarial. Ainda, a correta compreensão do disposto no art. 7º, VI, CF, depende de sua interpretação combinada com o conceito de salário, o qual é fornecido pela CLT.

Desta forma, a luz do art. 457 da CLT, o que poderá ser reduzido através de negociação coletiva, por motivo justificado, será o "salário" em seu sentido próprio, estrito, técnico e legal. Não são todas as importâncias que compõem a remuneração, nem são todas as parcelas de "natureza salarial ou remuneratória" que poderão ser objeto desta redução, mas tão somente as quantias pagas diretamente pelo empregador a título de comissões, percentagens, gratificações ajustadas ou habituais, diárias para viagens excedentes de 50% do salário, abonos, e as prestaçõesin natura.(NASCIMENTO, 2000, p. 1105-1122). O 13º salário tem previsão no art. 7º, VIII, CF, e Lei 4.090/62, logo, é parcela salarial obrigatória por lei, que não está passível de supressão mediante manifestação de vontade, ainda que bilateral.

Em sendo assim, absolutamente pertinente o pleito autoral quanto ao percebimento de 13º salário referente a 2015, tendo em vista vício insanável de cláusula do ACT que prevê a supressão da respectiva verba.

Recebida a inicial, a Montadora de Veículos WFFGM Ltda, oferece Contestação com base nos argumentos a seguir:

O art. 444 da CLT estabelece que as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas. Com base neste preceito celetista, é possível conceber a flexibilização dos direitos trabalhistas mediante negociações coletivas transacionais. Conforme lições de Sérgio Pinto Martins, a flexibilização visa:

 

Assegurar o conjunto de regras mínimas ao trabalhador e, em contrapartida, a sobrevivência de empresas, por meio de modificações de comandos legais, procurando garantir aos trabalhadores certos direitos mínimos e ao empregador a possibilidade de adaptação de seus negócios, mormente em épocas de crise econômica. (MARTINS, 2009, p. 506).

 

Nessa perspectiva, surge o princípio da adequação setorial negociada, no qual setores do trabalho (empregados/empregadores), devidamente representados, procedem à negociação coletiva, adequando-se ao princípio da proteção, não sendo permitida, durante negociação coletiva, a renúncia unilateral de direitos, mas tão somente a transação de direitos passíveis de disponibilidade. (DELGADO, 2013, p. 1371-1411).

Ora, conforme autorizado em texto constitucional, a operação transacional mútua na forma de direitos, e devidamente expresso em instrumento coletivo, poderá tratar de forma diferenciada a jornada de trabalho, assim como reduzir, quando necessário e conveniente a ambas as partes, parcelas salariais.  

Neste sentido, o reclamante pleiteia a nulidade do Acordo Coletivo com base no suposto desrespeito a direitos trabalhistas. Contudo, a norma coletiva não foi estabelecida de forma unilateral, e, da mesma forma, a concessão de direitos se deu em ambos os polos, não havendo que se falar em lesão pecuniária em face da dispensa imotivada.

Se, por um lado o sindicato obreiro concordou com a prorrogação da jornada de trabalho e renúncia do 13º salário, por outro lado, a reclamada garantiu estabilidade de 12 meses para mais de 900 colaboradores, em um período extremamente incerto para qualquer empregador.  Não há que se falar em afronta a ditames trabalhistas quando, por meio do Acordo Coletivo, a reclamada prima, acima de tudo, pelo principio da continuidade no emprego.

Repise-se, na atual conjuntura econômica, além de constitucionalmente possível, é até mesmo aconselhável transigir coletivamente. O momento é de acreditar na força no grupo, e com base nela, admitir negociações e derrogações que permitam não somente a continuidade do emprego, mas também a continuidade da empresa.

A flexibilidade laboral é o instrumento de que se vêm servindo os países de economia de mercado, para que as empresas possam contar com mecanismos jurídicos capazes de compatibilizar seus interesses e os dos seus trabalhadores, tudo em observância a atual situação econômica, caracterizada pelas rápidas e contínuas flutuações de mercado, além do surgimento de novas tecnologias, e outros fatores que exigem ajustes rápidos e inadiáveis a fim de evitar qualquer demissão em massa.

A luz das reflexões supra, deve-se considerar que a reclamada trouxe grande ônus para si ao firmar o Acordo Coletivo. Isto porque, além da garantia de estabilidade, em caso de dispensas, todas as verbas rescisórias seriam pagas em dobro, inclusive a multa do FGTS. No caso do reclamante, em que houve a dispensa, este se vê amparado por verbas rescisórias para além de justas, que, inclusive, superam o valor das horas extras e 13º pleiteados.

Em sendo assim, mediante o exposto, esta reclamada requer o reconhecimento do Acordo Coletivo firmado com o sindicato da classe, assim como a improcedência dos pleitos autorais, tendo em vista as verbas rescisórias já quitadas. Contudo, em atenção ao principio da eventualidade, acaso este r. Juízo decida pelo reconhecimento das verbas pleiteadas, requer-se que sejam deduzidos os valores já quitados em âmbito de rescisão, inclusive, com restituição por parte do reclamante, a ora contestante, tendo em vista possíveis diferenças entre o que já foi percebido e o que será arbitrado em sentença liquidada.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013.

DELGADO. O direito constitucional e a flexibilização das normas trabalhistas. In: Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário, vol. 6, nº 32, set./out. 2009. 

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. O Debate sobre Negociação Coletiva. In Revista LTr. Vol. 64, nº  9, Setembro de 2000. SP: LTr, 2000.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 25. Ed. – 2. Reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009.