A RECORRIBILIDADE DA DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR: AGRAVO INTERNO
Por kálita rita gonçalves feitosa | 13/05/2011 | DireitoAUTORAS: Kálita Rita Gonçalves Raíssa Guimarães Gonzalez Introdução O Agravo é o recurso que sofreu as mais significantes alterações desde o início da vigência do Código de processo Civil de 1973. A Lei n. 11.187 atribui um novo regramento ao recurso em tela. De acordo com o parágrafo único do artigo 527 (a novidade radical trazida pela Lei acima citada), a decisão do relator que deferir ou indeferir a antecipação dos efeitos da tutela recursal ou atribuir ou negar efeito suspensivo, só pode ser reformada pelo julgamento do agravo, salvo se o relator a reconsiderar. A nova lei veio para suprir da ânsia de se conseguir justiça mais célere, tendo em vista a realidade do Poder Judiciário, superlotado de recursos, sem conseguir prover a prestação jurisdicional que lhe foi confiada pela Constituição Federal. Assim, será analisada a irrecorribilidade de tal decisão, demonstrando que tal procedimento viola princípios constitucionais, e partir dos mesmos, surge a discussão acerca da constitucionalidade de tal dispositivo e o cabimento de Agravo Interno, que é o que será analisado no decorrer do presente artigo. 1 Análise do artigo 527 § único do Código de Processo Civil de acordo com a reforma introduzida pela Lei n. 11.187/05 A Lei n. 11.187/05 revogou os artigos 522, 523 e 527 da Lei 5.869/73 ? Código de Processo Civil ? de forma que dentre essas modificações trataremos nesse artigo com maior profundidade as alterações trazidas ao artigo 527, sobretudo ao que diz respeito aos incisos II e III e parágrafo único do dispositivo acima citado. Cássio Scarpinella Bueno considera que a maior inovação trazida pela lei está "na imposição da conversão. Antes, havia espaço para que se sustentasse que o relator poderia não converter o agravo de instrumento em retido mesmo diante de uma daquelas hipóteses." A conversão a que se refere o renomado jurista consiste na obrigação do relator em converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo nas hipóteses de decisão suscetível de causar a parte lesão de grave ou difícil reparação, nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa, conforme dispõe o inciso II do artigo 527. A Lei n. 10.352/01 que vigorava anteriormente, por sua vez, não atribuía essa função ao relator de forma imperativa, mas sim uma faculdade evidenciada pela expressão "poderá converter". No entanto a grande discussão acerca da matéria reside no parágrafo único do artigo 527, isso porque tal dispositivo determina que a decisão proferida no caso dos incisos II e III (que trata da possibilidade do relator atribuir efeito suspensivo ou deferir tutela antecipada recursal total ou parcialmente) somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, ou se o próprio relator a reconsiderar. Dessa forma ao interpretarmos o dispositivo chegamos à conclusão que o legislador vedou a utilização de agravo interno conta as decisões acima mencionadas. O doutrinador José Carlos Barbosa Moreira ao falar sobre o § único do artigo 527, chega a sopesá-lo como um "dispositivo de redação deselegante (bem que se poderia ter evitado o eco ?no momento do julgamento)" , pois, tal fato parece não fazer sentido, pois seria desnecessária a reforma do agravo retido no momento do julgamento, como destaca Freddie Didier Jr. E Leonardo José Carneiro da Cunha: Ora, convertido agravo de instrumento em agravo retido, essa decisão que determinou a conversão somente será revista, quando for julgado o agravo retido...!?Não tem sentido a dicção do texto legal! Julgado o agravo retido, não há mais como ser desfeita a conversão, subtraindo-se a utilidade do agravo de instrumento então interposto. A regra ofende o principio da efetividade, deixando de garantir um processo justo com resultados efetivos. Sua inconstitucionalidade é, portanto, manifesta. Além do mais, é sabido que a norma não pode positivar situações esdrúxulas, absurdas ou impraticáveis, devendo, então ser desconsiderada. (grifo nosso) Dessa forma fica evidenciada a falta de praticidade do dispositivo, pois o recurso só poderia ser reformado por ocasião do julgamento da apelação, o que se manifestaria totalmente desnecessário, visto que o recurso já fora processado e julgado na sua forma retida, abalando dessa forma o principio constitucional da efetividade. Também é imprescindível fazer menção a outro meio de reforma da decisão que converte o agravo de instrumento em retido, meio esse que é o mandado de segurança. Existe certa divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de impetração do mandado de segurança nessa hipótese. Pedro Miranda de Oliveira, em interessante artigo que trata sobre o tema, afirma que "os tribunais tem decidido que é cabível mandado de segurança contra decisão judicial, apenas na hipótese de ato ilegal e violação de direito liquido e certo, e que não haja a possibilidade de reversão do ato por via recursal vigente" . É mister também fazer menção a súmula 267 do STF que determina não caber mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso. Como já foi abordada a vedação do agravo interno para o ataque de determinadas decisões, parece ser coerente a possibilidade de impetração de mandado de segurança nas situações aqui estudadas. Sendo assim, surge outro problema que envolve a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 527, problema esse que diz respeito à violação do principio constitucional da celeridade. Isso porque seria bem mais viável a impetração de agravo interno cujo prazo tempestivo é de apenas cinco dias, do que a impetração de mandado de segurança com um prazo de cento e vinte dias. O outro modo de reforma da decisão (no caso dos inc. II e III do art. 527) diz respeito ao pedido reconsideração do próprio relator. Antonio Notariano Jr e Gilberto Gomes Bruschi comentam sobre as diferenças entre esse instituto e os recursos em espécie: Trata-se de figura assemelhável ao recurso, pois por meio dela se pede a reformulação da decisão, porém não pode ser considerada como tal, eis que não há: (i) procedimento,(ii) prazo,(iii) preparo, (iv)razão e formação de instrumento, diferentemente dos recursos, que possuem em sua previsão legal todos esses quesitos. Fica assim clara a diferença entre o pedido de reconsideração do relator e os recursos. A reconsideração é feita pelo magistrado, sem a obrigação do contraditório, pois para que o juiz faça o pedido de reconsideração é necessário que a matéria verse sobre situações em que o magistrado seria capaz de alterá-las sem a necessidade de pedido. Conforme foi discutido acima a Lei n. 11.187/05 trouxe severas modificações a legislação processual brasileira ao modificar o parágrafo único do artigo 527 e estabelecer a irrecorribilidade das decisões que convertem o agravo de instrumento em agravo retido e que suspendem o efeito suspensivo ou concedem a tutela antecipada nos recursos. Tais modificações acabaram por gerar sérias discussões acerca da constitucionalidade do dispositivo citado visto que a irrecorribilidade proveniente dessas alterações vai de encontro a uma série de princípios da Constituição Federal conforme veremos nos próximos tópicos desse artigo 2 Possibilidade de Agravo Interno contra decisão monocrática do relator Assim como Cássio Scarpinella assegura, é complicado sustentar que cabe o agravo interno contras a decisão dos incisos II e III do artigo 527, uma vez que a Lei 11.127/2005 veio para vedar justamente isso. Entretanto, o presente artigo tem o escopo de afastar o impedimento imposto pelo parágrafo único do dispositivo supracitado (para admitir a recorribilidade da decisão do relator), sempre que houver violação do direito do jurisdicionado e na presença de perigo de demora, "sob pena de atropelarmos o amplo acesso à justiça (CF, art. 5º, inc. XXXV)" . Em relação à idéia de afastar o óbice imposto pelo parágrafo único do art. 527, há quem entende que isso compromete a efetividade do processo, entretanto, entendemos que é justamente o contrário. A recorribilidade terá a efetividade, pois o efeito antecipativo tem potencial para ser um dos pronunciamentos mais relevantes do processo. Logo, a irrecorribilidade dessa decisão ? quando proferida equivocadamente ? implica a violação ao acesso à justiça. Vale ressaltar o posicionamento de Ernane Fidélis Santos ao afirmar que "a rapidez esperada com a supressão do agravo interno não prosperou, em face da irrecorribilidade, ensejando a possibilidade do mandado de segurança" . Dessa forma, o mandado de segurança exigirá tempo muito mais amplo para a sua tramitação e julgamento do que o agravo interno, como já mencionado no item anterior. Observa-se, então, que o legislador conseguiu congestionar ainda mais o Poder Judiciário. Athos Gusmão Carneiro exterioriza seu pensamento acerca do parágrafo único do art. 527 da seguinte maneira: (...) três fundamentos, principalmente de ordem pragmática, levam-nos todavia a reconsiderar tal ponto de vista, passando, portanto, a admitir, em tais casos, o emprego do agravo interno. Em primeiro lugar, a inexistência de recurso contra a decisão singular do relator poderá motivar o litigante a novamente utilizar, de forma anômala e vitanda, o mandado de segurança como sucedâneo recursal, e conduzir a jurisprudência a novamente tolerar tal despautério processual. Além disso, se é certo que as decisões monocráticas, em sua grande maioria, são justas e razoáveis, algumas podem apresentar injuridicidade gritante, que necessite de correção a mais pronta e eficaz (...) Diante disso, faz-se necessário agora fazer uma sucinta análise sobre os princípios que o dispositivo em análise viola e o que torna o mesmo inconstitucional de acordo com tais garantias impostas pela Carta Magna. 2.1 O duplo grau de jurisdição O duplo grau de jurisdição indica a possibilidade de revisão, através de recurso, das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau, "garante assim um novo julgamento, por parte dos órgãos da ?jurisdição superior?, ou de segundo grau" . É um princípio que está implícito na Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º, LV, que embora não tenha mencionado o duplo grau de jurisdição, tal princípio está inserido dentro de um princípio maior, que é o do devido processo legal. Teresa Arruda Alvim Wambier considera ser o princípio do duplo grau de jurisdição um "princípio constitucional por estar incidivelmente ligado à noção que hoje se tem de Estado Democrático" . Cássio Scarpinella Bueno assevera que no caso de decisões interlocutórias, a utilização do princípio do duplo grau de jurisdição significa que elas são recorríveis para reexame pelos Tribunais, e, na esfera dos Tribunais, "sua incidência só pode exprimir a possibilidade de contraste das decisões tomadas isoladamente pelos seus membros perante o órgão colegiado respectivo" . E, a forma para contrastar essa decisão perante o órgão colegiado é por meio do agravo interno, entretanto, a Lei n. 11.187 proibiu o cabimento deste recurso. Mas, enquanto for preponderante o entendimento de que toda interlocutória é recorrível, e que na esfera dos Tribunais, toda interlocutória pronunciada monocraticamente é contrastável pelo colegiado, a vedação imposta pelo § do artigo 527 é inconstitucional. Pois ela agride o duplo grau de jurisdição. A última parte do § único do dispositivo em estudo dispõe que somente é passível de revisão no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar, sob esse modo, a disposição processual remissiva ao agravo não iria de encontro com a norma constitucional, pois a decisão do relator poderia ser contrastada em outra ocasião (o que, de certa forma, seria um atendimento ao principio do duplo grau de jurisdição sob o ponto de vista abstrato). Entretanto, tal disposição contida na parte final do § único é questionável sob o ponto de vista prático, pois, de acordo o entendimento do jurista Christian Barros Pinto: (...) uma vez restando retido o agravo, o conhecimento da matéria nele ventilada somente será feito por ocasião da apelação, quando deverá o recorrente reiterar, expressamente, o pedido de reexame na razoes ou contra-razoes do recurso, conforme o caso. Conseqüentemente, falecerá a parte o interesse de rediscutir se o agravo deveria ou não ser retido; ou se a decisão liminar de retenção, proferida pelo relator, foi ou não acertada A partir de tal entendimento, observa-se que a mera previsão do duplo grau de jurisdição não é satisfatória para afastar a inconstitucionalidade do impedimento de recurso da decisão monocrática do relator nos termos do artigo 527, II e III. Faz-se imprescindível que o duplo grau de jurisdição seja possível e não simplesmente uma possibilidade abstrata de revisão das revisões. Ou seja, deve oferecer ao jurisdicionado o acesso eficaz aos meios de insurgência, caso contrário será demonstrada a violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, e, por conseqüência, ao princípio corolário de todos os outros, o do devido processo legal. 2.2 Princípio da colegialidade dos tribunais Para a compreensão das bases normativas do princípio em estudo é necessário o entendimento do Princípio do Juiz Natural. Tal princípio está disposto no texto da Constituição Federal, no artigo 5º, XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção) e LIII (ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente). O princípio do juiz natural está atrelado ao requisito de constitucional da ordinariedade do juiz, ou seja, um órgão pode considerar-se pertencente a um aparato jurisdicional, de maneira que a sua competência seja constituída ex ante facto. Assim, "é vedada constitucionalmente qualquer criação de órgãos julgadores extraordinários instituídos ad hoc para julgar determinados fatos já ocorridos, constituindo tribunais de exceção" . Outro aspecto acerca do princípio do juiz natural (e o mais relevante para o presente artigo) está relacionado à garantia que todo cidadão possui de ter assegurando um julgamento por um órgão competente (artigo 5º, LIII, CF). O órgão jurisdicional competente para o julgamento dos recursos será sempre o colegiado e não o juízo monocrático do relator. Entretanto, o sistema normativo brasileiro vivencia uma inegável tendência de delegação de poderes monocráticos aos relatores dos recursos, por economia processual, assim, o julgamento de recursos no âmbito do Tribunal é concretizado monocraticamente pelo relator. Tal decisão monocrática não invalida a competência do ente coletivo, pois nesse caso, opera como delegado do órgão colegiado. De maneira que, a decisão singular não poderia ser irrecorrível, tendo em vista que, o juiz natural do tribunal é o órgão colegiado. Destarte, "negar-se um meio processual de levar o recurso a exame coletivo importaria subtrair à parte o acesso ao seu juiz natural, incorrendo, por isso, em inconstitucionalidade" Assim, independentemente do conteúdo da decisão singular enunciada pelo relator, o prejudicado, almejando que a sua pretensão não fique a mercê de um pronunciamento monocrático, poderá vê-la reapreciada pelo órgão colegiado, através da interposição de agravo interno. Com Lei 11.187/05, o que se analisa é a "tentativa de excluir a hipótese de acesso à Justiça, constitucional e historicamente consagrada em nosso sistema processual, qual seja, a de garantia de julgamento colegiado nos tribunais" . Então, observa-se que o principio do julgamento colegiado nos tribunais e, em conseqüência, o principio do juiz natural, que é um garantia constitucional assegurada no artigo 5º LIII, são violados pelo dispositivo em tela (artigo 527, § único, CPC), uma vez que impede o exame, em sede de preliminar, pelo colegiado, limitando-o ao relator, que acaba por ferir o texto constitucional. 2.3 Segurança Jurídica A irrecorribilidade das decisões liminares proferidas pelo relator do agravo de instrumento é originada de grave insegurança jurídica. O parágrafo único do art. 527, ao estabelecer que a decisão liminar, "proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar", avigora os entendimento minoritários, em prejuízo das teses preponderantes no colegiado, cuja adoção poderá ser preterida até a ocasião do julgamento do mérito do agravo de instrumento, "isso se o agravo não tiver perdido o objeto, fato comum, em virtude do tempo que leva o relator para submetê-lo à apreciação da turma ou câmara" . Assim, observa-se que o ensejo de celeridade pode gerar uma insegurança jurídica aos jurisdicionados, e, conseqüentemente, a prestação jurisdicional vai ser utilizada de forma inadequada, pois, nessa incoerente circunstância de dar mais valor aos entendimentos minoritários (mesmo que a tese jurídica seja pacífica na turma ou órgão especial do tribunal), o jurisdicionado precisa torcer par que o seu recurso não seja distribuído a desembargador que, não obstante isolado, sustente o entendimento desfavorável à sua tese, o jurisdicionado também contar com sorte para que o seu recurso seja julgado rapidamente, com o escopo de sua tese preponderar no julgamento do colegiado. O reexame pelo colegiado das decisões liminares tomadas pelo relator do agravo de instrumento é necessidade imprescindível, e seu impedimento é um válido motivo ensejador de insegurança jurídica. Conclusão O legislador brasileiro, no desígnio de afastar a morosidade da prestação jurisdicional, vem alterando a legislação processual, principalmente no que tange aos recursos, é o que analisamos a partir da Lei n. 11.187. Entretanto, não parece que a supressão de agravo interno trazida pelo regime da lei supracitada foi um fator de aperfeiçoamento da celeridade, visto que as decisões dos inc. II e III do artigo 527 abrem lugar para manejo de outros mecanismos de impugnação de decisões judiciais, o que ensejará desenvolvimentos procedimentais mais burocratizados do que o seu julgamento. A redação no dispositivo em estudo também é inconstitucional, pois transgride respeitáveis princípios constitucionais, uma vez que princípios como o duplo grau de jurisdição e juiz natural estabelecem que seja oportunizada a parte ao menos uma revisão dos pronunciamentos judiciais. E, a ampliação dos poderes do relator (que se observa no parágrafo unido do art. 527) é imprópria, pois provoca insegurança jurídica, representa desprestígio aos juízes de primeiro grau e aos órgãos colegiados e potencializa as ocasiões de ocorrência de erro judiciário. APPEALS MAY DECISION OF THE RAPPORTEU: APPELLATE PROCEDURE ABSTRACT This article explores the changes as Law 11,187 of 19 October 2005, which gave the Bill a new discipline, examining in particular the sole paragraph of Article 527 of the Code of Civil Procedure, or deals with the formal legal decision conferring suspending implementation or enjoy appellate interlocutory injunction. Subsequently, we show the unconstitutionality of the aforementioned article by constitutional principles and their violation, finally, which appeals the decision enjoying injunctive relief by interlocutory appellate procedure. KEY-WORDS Article 527, paragraph one of the CPC. Unconstitutional. Which appeals. Complaint Procedure. 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