A recíproca relação entre a amizade e justiça em face da felicidade, na filosofia moral peripatética

Por Adrian Barbosa | 25/04/2010 | Filosofia

A recíproca relação entre a amizade e justiça em face da felicidade, na filosofia moral peripatética Por Adrian Barbosa e Silva "O homem é um animal político", este é o mote sobre o qual tudo que será dito na filosofia aristotélica está pautado. O ser humano é por essência um ser social, ou seja, é por natureza, destinado a viver com os outros, e, portanto, premeditado à vida em sociedade. A vida em sociedade implica no exercício da política, pois é esta quem irá estabelecer as regras de convívio de qualquer espécie de habitat social. A ciência política busca a formação ética do homem social, a criação de um caráter baseado na virtude (aretê). Esta virtude munida de outros bens externos (fortuna, os próprios bens materiais, e outros meios que buscam o bem humano) e o próprio intelecto ? que é a essência do ser humano e que o torna distinto dos demais seres irracionais ? se assim o indivíduo se autodeterminar e o fizer voluntariamente, poderá alcançar a felicidade (eudaimonia), o maior de todos os bens. A felicidade é um bem que possui um fim em si mesmo, e um fim desejável e plenamente perquirido. É o bem sob o qual todas as ações humanas estão previamente fundamentadas. Então, o bem humano é o exercício ativo das faculdades da alma humana conforme a virtude. Aristóteles concebe a Justiça como igualdade, e preleciona: "a justiça envolve, ao menos, quatro termos, ou seja, especificamente: dois indivíduos os quais há justiça e duas porções que são justas. E haverá a mesma igualdade entre porções tal como entre os indivíduos, uma vez que a proporção entre as porções será igual à proporção entre os indivíduos, pois não sendo as pessoas iguais, não terão porções iguais ? é quando os iguais detêm ou recebem porções desiguais, ou indivíduos desiguais [detêm ou recebem] porções iguais que surgem conflitos e queixas. Fica evidente a concepção de igualdade em Aristóteles: não haverá igualdade entre iguais e desiguais, é necessário que ambas as partes sejam iguais. A própria tentativa de se estabelecer igualdade entre iguais e desiguais, se não houver um fator de descrimine positivo que penda para o lado do desigual (tornando-o, através deste tratamento de desigualdade necessária, igual), haverá injustiça. Ficam implícitos então, no conceito de Justiça aristotélica, os princípios de que "só há justiça entre iguais" e que "estabelecer a igualdade entre iguais e desiguais indiscriminadamente é injusto". A justiça está, portanto interligada ao conceito de proporcionalidade, defluindo-se que o justo é o proporcional. A amizade (filia ), como já dito, é o mais importante dos bens externos, e também é uma virtude ou envolve uma virtude, é uma condição sine qua non para que a felicidade possa ser alcançada pelo homem, é um atributo adicional aos elementos que já foram mencionados. A relação entre amigos exige proporcionalidade tal como a justiça, o amor entre amigos é proporcional, ao amar um amigo ama-se o seu próprio bem e este é reciprocamente considerado, de fato, há uma relação de afeto mútuo, quer o bem e fazer o bem portanto, neste sentido, é uma idéia solidária para ambas as partes no contexto da relação de amizade. Em Ética a Nicômaco, o ilustríssimo filósofo grego, assevera "Ademais, a amizade parece ser o vínculo que une o Estado; e os legisladores parecem mais zelar por ela do que pela justiça, uma vez que promover a concórdia, que se afigura aparentada à amizade, constitui o principal objetivo deles, enquanto o banir da discórdia, que é inimizade, é sua maior preocupação. E se os homens são amigos, não há necessidade de justiça entre eles, ao passo que ser meramente justo não basta, não dispensando um sentimento de amizade. Na verdade, a forma mais elevada de justiça parece conter um elemento de amizade" . A amizade possui justiça, é um bem proporcional, é condição para que o Estado possa ser caracterizado pela paz, e porque não felicidade? Haja vista que, enquanto houver amizade, pode-se dizer que há justiça, não haverá, portanto a necessidade do Estado fazer valer o seu poder de coerção, principalmente no que concerne ao seu ius puniendi, como medida de segurança e controle social, tratando-se aqui é claro, do sentido substancial de amizade. Três são as principais espécies de amizade: a amizade vinculada pela utilidade como finalidade precípua, a amizade vinculada pela utilidade como objeto imediato e a tão virtuosa e bem quista amizade perfeita, a mais difícil de ser conquistada. As amizades baseadas na utilidade e no prazer são amizades que se caracterizam somente pelo interesse e por si só não há felicidade, pois como já exposto, esta (felicidade) deve ser entendia como um bem que por si só é autosatisfatória, essas espécies de amizade são meios para uma egoísta satisfação, já que uma das partes vê a outra como um meio que lhe proporciona vantagem, sem mesmo haver qualquer espécie de retribuição. Estes modelos de amizade, portanto, não estão constantes no rol solidarístico do conceito substancial de amizade. A amizade é muito mais dar do que receber é muito mais perceber e se importar com as necessidades do outro, mesmo que em detrimento da sua própria, daí surge a terceira e principal espécie de amizade, a amizade perfeita. A amizade perfeita é "aquela entre os indivíduos bons e mutuamente semelhantes em matéria de virtude, isso porque esses amigos se desejam igualmente o bem alheio na qualidade de bem e são bons em si mesmos. Ora, são aqueles que querem o bem de seus amigos em favor de seus amigos que são amigos em sentido mais pleno, visto que se amam por eles mesmos e não acidentalmente" . Portanto, no conceito de amizade perfeita, os indivíduos da relação não vêem o outro como um mero instrumento para o alcance de determinada finalidade, seja o lucro ou o interesse, a utilidade ou o prazer imediato, não. Há amizade aqui pelo simples fato de haver amor e afeto, reciprocamente considerados (daí a idéia de filia em sentido estrito), voltados pela consideração não de alguma qualidade ou vantagem que o indivíduo alheio possa proporcionar, mas pela própria essência deste, pelo próprio modo e maneira de cada um ser, é que haverá a relação de amizade perfeita. Na verdadeira amizade, supracitada, o indivíduo que carece de bens e o indivíduo que esboça bens permutar-se-ão, no sentido de que, o mais necessitado procurará compartilhar de seus, mesmo que poucos, bens com o que aparenta possuir mais. O primeiro indivíduo compartilha bens que o outro não possui, sejam bens materiais ou imateriais, e o outro, de forma recíproca preenchendo as lacunas decorrentes da desigualdade, atende a esta demanda. Este fato ocorre inconscientemente, e voluntariamente. É aqui que se tornam visíveis os elementos da proporcionalidade, pois, com esta mútua cooperação, ambos estarão sob o mesmo pé de igualdade, podendo portanto, haver justiça. Então, conclui-se que o homem feliz necessita de amigos, e também necessita ser justo. A felicidade, o bem humano maior, é o principal liame entre estes dois conceitos, e mesmo assim, estes conceitos não deixam de ser correlatos por natureza, pois cada qual, amizade e justiça, justiça e amizade, possuem elementos alheios e semelhantes. Na justiça haverá amizade e na amizade, se encontrará justiça. Justiça aqui compreendida como a idéia de igualdade com viés de proporcionalidade e mediania. Já dizia o grande poeta lírico ateniense, Teógnis (séc. IV a.C), "na Justiça se encontra toda a virtude somada", e aqui incluo a amizade como um dos elementos essenciais para o pleito do bem humano maior, a felicidade. Bibliografia Base: ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. 2ª Ed. São Paulo: Edipro, 2007.