A Questão Terceiro Mandato

Por Rafael O. Carvalho Alves | 20/11/2008 | Direito

A QUESTÃO TERCEIRO MANDATO

O deputado federal Devanir Ribeiro (PT – SP), sob o pálio de uma proposta de emenda constitucional (PEC) ou de um plebiscito, está a avultar o propalado terceiro mandato ao atual Presidente da República nas próximas eleições presidenciais.

Tal atribuição é imprópria.

Em linha intróita, há aproximadamente duas décadas e meia atrás presenciava-se cabal situação da história política brasileira: o fim do governo João Batista Figueiredo (Ditadura Militar) e as eleições visando a sua sucessão.

Paulo Salim Maluf, pertencente ao Partido Democrático Social (PDS) além de candidato dos militares, e Tancredo Neves, representante do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) que se aliou ao Partido da Frente Liberal (PFL) através da apresentação de José Sarney de Araújo Costa como candidato a vice-presidente em sua chapa, disputaram tais eleições, cabendo ao Tancredo o mérito da vitória eleitoral. Neste período, o mandato presidencial correspondia a seis anos e não existia a possibilidade de reeleição.

Com a morte de Tancredo Neves sem a efetivação da posse presidencial marcada para 15 de março de 1985, assumiu o vice-presidente, e hoje senador da república, o alagoano José Sarney (que para os militares da época era mais "flexível" que o seu maior concorrente, o presidente da Câmara dos Deputados Ulisses Guimarães).

O mandato presidencial de José Sarney, que era de 6 anos no período em que assumiu o cargo, após a entrada em vigor da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foi alterado para 5 anos. Em vistas disto, Sarney governou do ano de 1985 até março de 1990, sendo o único vice-presidente a cumprir integralmente um mandato no lugar do presidente.

Em 1994, a Emenda Constitucional nº 05 de 07 de junho de 1994 alterou, novamente, o tempo dos mandatos eletivos dos chefes dos executivos federal (Presidente da República), estadual (Governador de Estado) e municipal (Prefeito Municipal). O mandato, que antes era de 5 anos, passou a ser de 4 anos.

Já a Emenda Constitucional nº 16, de 04 de junho de 1997, permitiu a reeleição (não somente dos chefes do executivo federal, mas também do estadual e municipal), para um novo mandato, inovando no tocante ao tratamento do instituto da irreelegibilidade, suavizando a vedação para permitir que os titulares dos cargos de Presidente da República, Governador de Estado e Prefeitos pudessem postular, por mais uma vez, em linha subseqüente, o mesmo posto. Surge, desta forma, o inédito sistema de reeleição que, com aprovação do Senado Federal (cujo presidente era o então Senador Antônio Carlos Magalhães) e da Câmara dos Deputados (que tinha na pessoa do Michel Temer seu presidente), tenta espelhar-se no sistema eletivo norte-americano (baseado na Emenda Constitucional nº XXII, Seção I) que se constitui na possibilidade de existência de 2 mandatos eletivos com duração de 4 anos cada (caso haja reeleição).

Nesta linha de intelecção, vislumbra-se que, em menos de três décadas, o sistema eletivo brasileiro pululou três grandes mudanças e, adotando-se visão mais panorâmica do contexto histórico da política nacional, percebe-se que após a criação do Estado Novo em 1937, o Brasil sofre uma notória inconstância político-eleitoral danosa ao nosso Estado Democrático de Direito.

Em concatenação com o exposto, o deputado federal petista Devanir Ribeiro busca, a partir de uma proposta de emenda constitucional (PEC) na Câmara dos Deputados, o retorno à situação eletiva da época da promulgação da nossa Lex Fundamentalis, qual seja, a possibilidade de apenas 1 mandato para os chefes dos executivos com duração de 5 anos.

Logo, percebe-se que a PEC do deputado petista não objetiva explicitamente a criação de um terceiro mandato, camuflando-o com a tentativa de retorno a situação pretérita, ou seja, confundindo o terceiro mandato com a reforma política.

Consoante se aduz do pensamento argumentativo de Devanir Ribeiro, tal possibilidade de terceiro mandato estaria presente na seguinte interpretação constitucional: caso a idéia do deputado federal vire uma PEC (o que necessita de um mínimo de 171 subscrições na Câmara dos Deputados) e esta seja aprovada pelo Congresso Nacional, modificando o sistema eletivo vigente, existirá a partir desta emenda à Constituição da República uma nova realidade constitucional que não se confundirá com a anterior, ou seja, "zeraria" a quantidade de mandatos de todos os chefes dos executivos para, a partir de então, vigorar o novo sistema de mandato único de 5 anos. (sic)

Vale ressaltar que caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) – se a PEC vier a existir – decidir sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do referido sistema, viabilizador de um terceiro mandato, em dois momentos:

1)Após a aprovação pelo Congresso Nacional. Isto porque o poder constituinte reformador sujeita-se a limitações circunstanciais, materiais e procedimentais, podendo as emendas à constituição serem declaradas inconstitucionais e suprimidas do sistema jurídico;

2)E, se declarada constitucional a PEC, existir ou não a possibilidade de poder-se "zerar" a contagem dos mandatos anteriores à nova realidade constitucional oriunda de emenda a Lex Fundamentalis.

Neste lamiré, percebe-se o quão espinhoso será aprovar texto desta magnitude. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, propalou ipsis verbis:

"Eu compreendo a necessidade de reformas constitucionais, mas me pergunto qual é a necessidade da reforma neste ponto específico. Essa reforma me cheira a casuísmo, seja para alongar mandato para cinco anos, seja para fazer a coincidência com mandato de prefeitos. Será que isso é necessário? Se houver de fato uma emenda de permissão de terceiro mandato, certamente teremos uma grande polêmica no STF para saber se essa emenda é compatível com a cláusula pétrea." No caso, a cláusula pétrea seria a forma republicana de governo".

Diante disso, pode-se afirmar que uma realidade de terceiro mandato no Brasil acarretaria uma inevitável lesão ao princípio da rotatividade (alternância) no poder – que é fundamental à manutenção de um regime político democrático –, ao princípio da segurança jurídica e ao princípio da periodicidade, desvirtualizando a jovem Democracia existente em nossa nação, que sofre diuturnamente com a corrupção (como a compra de votos de parlamentares), a lavagem de dinheiro, os danos ao Erário Público (peculato), o mal uso da máquina pública (escândalo dos cartões corporativos) etc.

De igual modo, a possibilidade de criação de um Plebiscito favorável à reforma política (que ensejaria também o equivocado pensamento do terceiro mandato) com fulcro na vontade direta do povo atine em latente equívoco. Debelando o anexim "a voz do povo é a voz de Deus", não é cabível convolar a vontade direta do povo em fonte imediata das ações de um governo. Se assim fosse, já estaríamos diante da permissão integral da pena de morte, da tortura nos interrogatórios e demais anomalias jurídico-sociais.

A vontade do povo sofreu e sofre interferências diversas. É salutar os processos de manipulação, de indução, impetrados por meios de comunicação, partidos políticos etc., concernentes à busca de apoio em assuntos que lhes são palatáveis. A exemplo disso, têm-se as situações anti-democráticas geradas em passado recente, como o nazismo alemão (a Constituição de Weimar, aprovada pelo povo alemão, legalizou as atrocidades cometidas por Adolf Hitler enquanto esteve no poder), o fascismo italiano etc.

Nesse ínterim, o adágio do norte-americano Abraham Lincoln, ex-presidente dos EUA e Advogado, faz-se relevante: "A Democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo", e não apenas para uma maioria que apóia o governo vigente.

Com efeito, a adoção de um terceiro mandato, como afirmou ipso facto o Presidente Luís Inácio Lula da Silva em pronunciamento no Nordeste, seria "brincar com a Democracia" e "arriscar a sua consolidação no Brasil". Destarte, em conclusão minerva, destruir a democracia seria regredir politicamente, uma vez que, como afirmou salutarmente o ilustre inglês Winston Churchill, ex-primeiro-ministro britânico e estadista:

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas."