A QUESTÃO DO IMPEACHMENT

Por Renato Ladeia | 18/04/2016 | Política

A discussão se o impeachment é ou não legítimo não depende apenas do ponto de vista de cada um. A legitimidade da medida está prevista na constituição desde 1950 e não foi alterada com a constituição de 1989. Algumas afirmações considerando o impeachment como um golpe de estado é a mais recorrente nas redes sociais e por partidos ligados ao governo. FHC também foi alvo de um pedido de impeachment liderado pelo Partido dos Trabalhadores. Na época a proposta foi encabeçada por José Dirceu, Genoíno e outros líderes.  Levada à votação, o congresso não aprovou o pedido por considerá-lo inconsistente. Na época a situação política de FHC não era tão crítica e contava com apoio da base governista, apesar de ter perdido apoio popular em decorrência do baixo crescimento econômico.

Como o impeachment está previsto na Constituição, a afirmação de que é um golpe é tentar desviar o foco do problema. Caso um processo seja aprovado através de votação por meio dos poderes legais, é uma forma civilizada de destituir um governante que não cumpriu as suas obrigações ou se revelou inapto para administrar os destinos de um país. Mas por que isso está previsto na constituição do pais? Ora, entenderam os legisladores que numa situação crítica, com um governante que não atende as expectativas dos seus eleitores, cometa crimes de responsabilidade no exercício de suas funções ou se revele incapaz de conduzir o país, precisa ser apeado do poder para evitar um mal maior como a que estamos vivendo no momento com inflação crescente, recessão econômica, desemprego e falta de confiança entre políticos, empresários e população em geral. De qualquer forma, o uso desse recurso depende de fundamentos políticos e só vai ocorrer diante de uma situação sem conserto, em que o governante não tenha mais condições de governar.

Outra questão que não aparece em discussão e que parece ser bastante relevante é se alguém eleito democraticamente pelas regras do jogo deve se manter no poder até o final independentemente da sua capacidade de governar.  O poder é outorgado pelo voto da maioria como uma missão e não como um prêmio que não pode ser tirado. Não se ganha uma eleição, mas se recebe uma missão da população que acredita que aquele que foi o mais votado é o mais preparado para a missão a que se propôs.  Portanto, não é uma vitória que deve ser levada como um troféu, mas um teste quanto à capacidade de resolver problemas, utilizar os recursos da res-pública com probidade, ser capaz de negociar com os demais poderes os conflitos políticos e, sobretudo, ser um fiel cumpridor das leis. Ser destituído do poder não é agradável para ninguém, mas continuar se apegando a ele a todo custo pode desembocar em problemas muito mais graves para o indivíduo e para a sociedade.

Assim, deve ser entendido o recurso do impeachment como mecanismo democrático, uma salvaguarda para os próprios cidadãos em caso de se eleger alguém que não corresponda ou que é incapaz de cumprir as suas promessas de campanha, as quais geraram a sua eleição. No parlamentarismo esse mecanismo é mais prático e rápido, convocando-se uma nova eleição quando o gabinete ministerial perde o voto de confiança do congresso; enquanto no presidencialismo o processo é lento e pode se arrastar por meses, comprometendo a saúde econômica de um país. Para o filósofo Rousseau o soberano é sempre o povo, entendido como vontade geral, sendo, portanto o governante apenas o representante desse povo e não o soberano. Entende-se, assim, que se o governante não mais representa o povo, não se justifica a sua permanência no poder, mesmo que tenha chegado ao cargo legitimado por uma eleição que ocorreu em condições anteriores em uma situação adversa da atual.

Infelizmente o processo de impeachment da presidente poderá se arrastar por longo tempo, e mesmo que ela consiga derrotá-lo no primeiro momento, outros pedidos poderão vir, pois ela perdeu o apoio político de sua base e isso não se recupera num passe de mágica. Sua eleição foi fruto de uma campanha mercadológica que faltou com a verdade sobre a real situação do país, pois “vendeu” aos eleitores uma situação cor de rosa, quando a realidade era exatamente o oposto.

Portanto, mesmo superando o primeiro pedido de afastamento, nada vai garantir que tenha governabilidade, fruto de seus próprios erros e do seu partido. O vaso quebrou e faltam pedaços para tentar reconstruí-lo. A situação econômica é tão grave que para recuperá-la demandará anos e precisará de uma liderança com credibilidade para levar a bom termo as mudanças necessárias.

Assim, a presidente ao invés de se agarrar ao poder, deveria ter a grandeza de admitir que não tem mais condições políticas para fazer os ajustes necessários para que a economia consiga encontrar seu caminho e volte a crescer. A renúncia seria um ato político que poderia engrandecer sua biografia, pois estaria assim pensando mais no país e no seu povo do que no seu orgulho pessoal. Não se pode acusá-la de más intenções na condução do país.  Não acredito que houve uma ação deliberada para levar o país a bancarrota, como querem alguns setores à extrema direita. As intenções podem até ter sido boas, mas a visão de mundo do seu grupo não tem mais lugar na contemporaneidade.  É notória a sua dificuldade como gestora e temos de considerar que o Brasil é num país extremamente injusto e complexo com um sistema partidário fragmentado, corrupto e fisiológico, que compromete a governabilidade por mais hábil que seja o presidente. Há que mudar o nosso sistema político para que o país consiga decolar rumo a uma sociedade mais justa e de oportunidades para todos, mas esta tarefa, infelizmente, não é para já e demandará muito esforço de cada um nós.

Renato Ladeia

Professor do Centro Universitário da FEI