A pura emoção de Gótica
Por Edson Terto da Silva | 21/02/2011 | CrescimentoEdson Silva
Assim como toda gota de água do planeta, Gótica vivia desde o principio dos tempos seu eterno ciclo das águas. Ela não lembrava com exatidão de toda vez em que agiu coletivamente com as outras gotas, mas certamente esteve no Dilúvio Bíblico, que poupou Noé e família, além dos animais aos pares. Quando perguntada das principais ações em que participou, Gótica era monossilábica, dizia que nem toda gota do ciclo das águas participa de todos acontecimentos.
Ela argumentava que o planeta é imenso e não é raro para uma gota de água muitas vezes estar em estado gasoso, compondo alguma nuvem, enquanto as demais, em estado líquido, estão formando imensos rios ou mares; uma chuva amena ou grande tempestade, regando a plantação que precisa frutificar ou inundando casas e ruas, enfim fenômenos, que tanto podem ser benéficos como podem ser maléficos para a humanidade e tão contraditórios como a própria essência do ser humano.
Por isso, Gótica gostava de esclarecer que uma gota do universo das águas quer mesmo recordar suas formas mais primitivas, quando nascem individualmente numa lágrima emocionada, no orvalho da folha verde ou no suor dos trabalhadores, como o atleta, por exemplo. Particularmente, Gótica lembrava de um de seus nascimentos antes de eternas evaporações, condensações e solidificações a que está sujeita até o final dos tempos.
Segundo a gotinha, anos 60, num país da América do Sul, ela brotou dos olhos de uma jovem estudante que, ao lado de milhares de seus pares, lutava por justiça e liberdade para o povo de seu país. Mais que simples lágrima de emoção, Gótica dizia ter nascido (ou renascido, já que sua existência remontava desde o principio de tudo) de um coração estudante e por isso eternamente aprendiz, que acreditava que podia fazer mais por seu país.
Desgarrada dos olhos da adolescente, Gótica quase não voltou mais ter notícia dos olhos brilhantes que a verteu. Mesmo assim, a gotinha soube que a garota superou momentos difíceis em calabouços, chorou outras gotas de lágrimas tristes, mas não perdeu a esperança, lutou, reconstruiu a vida, formou família, teve uma filha, trabalhou muito e não fugiu do desafio de ser a primeira mulher a governar seu país e o povo que tanto amou e pelo qual verteu sua primeira e eterna lágrima de emoção.
Edson Silva, 49 anos, jornalista da Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Sumaré
edsonsilvajornalista@yahoo.com.br