A PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Por Sandra Maria dos Reis Bernardo Lira | 03/05/2017 | Educação

  1 - INTRODUÇÃO  

Esse artigo tem por objetivo fazer algumas considerações sobre a importância da psicomotricidade na Educação Infantil, visando o equilíbrio e o desenvolvimento motor e intelectual da criança.

A psicomotricidade está presente em todas as atividades que desenvolvem a motricidade das crianças, contribuindo para o conhecimento e o domínio de seu próprio corpo. Ela além de constitui-se como um fator indispensável ao desenvolvimento global e uniforme da criança, como também se constitui como a base fundamental para o processo de aprendizagem dos indivíduos. 

O desenvolvimento psicomotor evolui do geral para o específico. No decorrer do processo de aprendizagem, os elementos básicos da psicomotricidade (esquema corporal, estruturação espacial, lateralidade, orientação temporal e pré-escrita) são utilizados com frequência, sendo importantes para que a criança associe noções de tempo e espaço, conceitos, ideias, enfim adquira conhecimentos. Um problema em um destes elementos poderá prejudicar a aprendizagem, criando algumas barreiras.

 A criança em que apresenta o desenvolvimento psicomotor mal constituído poderá apresentar problemas na escrita, na leitura, na direção gráfica, na distinção de letras, na ordenação de sílabas, no pensamento abstrato e lógico, na análise gramatical, entre outras. Compreendendo que a má formação psicomotora pode acarretar dificuldades na aprendizagem, qual o papel da escola na prevenção desse quadro?

A escola tem papel fundamental no desenvolvimento no sistema psicomotor da criança, principalmente quando a educação psicomotora for trabalhada nas séries iniciais. Pois é na Educação Infantil, que a criança busca experiências em seu próprio corpo, formando conceitos e organizando o esquema corporal. 

 Abordagem da psicomotricidade irá permitir a compreensão da forma como a criança toma consciência do seu corpo e das possibilidades de se expressar por meio dele, localizando-se no tempo e no espaço. O movimento humano é construído em função de um objetivo. A partir de uma intenção como expressividade íntima, o movimento transforma-se em comportamento significante. É necessário que toda criança passe por todas as etapas em seu desenvolvimento. 

O trabalho da educação psicomotora com as crianças deve prever a formação de base indispensável em seu desenvolvimento motor, afetivo e psicológico, dando oportunidade para que por meio de jogos, de atividades lúdicas, se conscientize sobre seu corpo. Através dessas atividades lúdicas a criança desenvolve suas aptidões perceptivas como meio de ajustamento do comportamento psicomotor.

2 - Compreendendo  o Desenvolvimento Motor  

 Pesquisas recentes abordam que um bom desenvolvimento motor repercute na vida futura das crianças nos aspectos sociais, intelectuais e culturais. O termo desenvolvimento motor diz respeito a interação existente entre o pensamento consciente e inconsciente e os movimentos efetuados pelos músculos , com o auxílio do sistema nervoso. Dessa maneira, estudar o desenvolvimento motor implica em compreender  as transformações contínuas que ocorrem por meioda interação dos indivíduos entre si e com o meio em que vivem. Já para David L. Gallahue o desenvolvimento motor está associado às áreas cognitiva e afetiva do comportamento humano:   O desenvolvimento motor está relacionado às áreas cognitiva e afetiva do comportamento humano, sendo influenciado por muitos fatores. Dentre eles destacam os aspectos ambientais, biológicos,familiar, entre outros. Esse desenvolvimento é a contínua alteração da motricidade, ao longo do ciclo da vida, proporcionada pela interação entre as necessidades da tarefa, a biologia do indivíduo e as condições do ambiente.  (GALLAHUE, 2005, p. 03). 

Podemos analisar que O desenvolvimento motor é um processo de mudança no comportamento motor, o qual está relacionado com a idade, tanto na postura quanto no movimento da criança. Como também observamos que o desenvolvimento motor apresenta características fundamentais sendo elas, as possibilidades de nosso corpo agir  e expressar-se de forma adequada, a partir da interação de componentes externos, que é o próprio movimento, e através de elementos internos, que são todos os processos neurológicos e orgânicos que executamos para agir.

 As primeiras tentativas de estudo do desenvolvimento motor foram realizadas a partir da perpesctiva maturacional, no qual argumentava que essa ação é considerada como função de processos biológicos inatos que resultam na aquisição de habilidade motora na infância.Esses estudos foram conduzidos por  Arnold Gesell (1928) e Myrtle Megraw (1935), que tornaram-se lendários na pesquisa do desenvolvimento motor. 

  O montante de pesquisa que esses estudiosos efetuaram foi motivado pelo seu interesse no relacionamento da maturação, ou seja, nas alterações qualitativas que capacitam o indivíduo a progredir para níveis mais altos de funcionamento e de processos de aprendizagem com o desenvolvimento cognitivo.

Após as pesquisas de Gesell e Megraw outros estudiosos dedicaram-se aos estudos sobre o desenvolvimento motor. Durante a Segunda Guerra Mundial surgiu uma nova geração de desenvolvimentistas motores, liderados por Anna Espenshade, Ruth Glassow e G. Lawrence Rarick que concentraram-se na descrição das capacidades de desempenho motor de crianças na idade escolar. 

No século XX, o desenvolvimento motor humano passou a ser analisado profundamente, por  profissionais conceituados como especializados, comgraduação em educação física. A partir dos estudos desses pesquisadores permitiu-se compreender que os indivíduos possuem estágios de desenvolvimento de suas funções psicomotoras, essas que estão relacionadas as suas faixas etárias, além do que, foi considerado que cada pessoa possuem habilidades motoras diferentes, que se evoluem de acordo com as necessidade de cada um, em decorrentes períodos de tempo. E que existem processos causadores de alteração no comportamento motor ao longo da vida dos seres humanos.

Atualmente, o desenvolvimento motor é estudado de três maneiras: longitudinal, que envolve o mapeamento de vários aspectos do comportamento motor de um indivíduo por vários anos, medindo as alterações associadas as idades do comportamento. A transversal em que permite ao pesquisador coletar, simultaneamente, dados de grupos de pessoas de variadas faixas etárias, apresentando as “diferenças” médias em grupos no decorrer do tempo desenvolvimentista.  E a longitudinal misto, no qual combina aspectos dos estudos citados anteriormente, abrangendo todos os dados possíveis e necessários à descrição e/ou à explicação de diferenças e alterações, no decorrer do tempo, tanto das funções do desenvolvimento como também das funções etárias.  

“O desenvolvimento motor apresenta fases, estágios” (Gallahue (2005, p. 54). Isto é, o processo de desenvolvimento motor revela-se por alterações no comportamento motor. Podemos observar diferenças de desenvolvimento no comportamento motor provocadas por fatores próprios do indivíduo (biologia), do ambiente (experiência), e da tarefa em si (físico/ mecânicos). Assim, o processo de desenvolvimento motor pode ser considerado sob o aspecto de fases e estágios.

A primeira fase é conceituada como a de motora reflexa, os primeiros movimentos de um feto são reflexos, esses que parecem servir como equipamentos de teste neuromotor para mecanismos estabilizadores, locomotores e manipulativos que serão usados mais tarde com controle consciente pelo indivíduo.

 Segunda fase é dos movimentos rudimentares, que são determinados pela maturação e caracterizam-se por uma sequência de aparecimento altamente previsível.

Já a terceira fase é a dos movimentos fundamentais, que ocorrem na primeira infância e constituem-se como consequência da fase anterior do período neonatal. Este período do desenvolvimento motor representa um estágio, no qual as criançaspequenas estão ativamente envolvidas na exploração e na experimentação das capacidades motoras de seu corpo. Essa fase é propicia para descobrir como desempenhar uma variedade de movimentos estabilizadores, locomotores e manipulativos, primeiro isoladamente e, posteriormente, esses movimentos podem ser orientados de modo combinado.

 A última fase do desenvolvimento motor é denominada de movimentos especializados, no qual se caracteriza como o resultado da fase de movimentos fundamentais. Nesse estágio, o movimento torna-se uma ferramenta que se aplica a muitas atividades motoras, complexas e presentes na vida diária, na recreação e nos objetivos esportivos. Este é um período em que as habilidades estabilizadoras, locomotoras e manipulativas fundamentais são progressivamente refinadas, combinadas e elaboradas para o uso em situações crescentemente exigentes.

“Diversos fatores podem colocar em risco o curso normal do desenvolvimento de uma criança”. (Gallahue, 2005, p. 54). Assim, o autor define como fatores de risco uma série de condições biológicas ou ambientais que aumentam a probabilidade de déficits no desenvolvimento neuropsicomotor da criança. Dentre as principais causas de atraso motor encontram-se: baixo peso ao nascer, distúrbios cardiovasculares, respiratórios e neurológicos, infecções neonatais, desnutrição, baixas condições sócio-econômicas, nível educacional precário dos pais e prematuridade.

 “Quanto maior o número de fatores de risco atuantes, maior será a possibilidade do comprometimento do desenvolvimento”. (Gallahue, 2005, p. 55). No caso de crianças nascidas prematuras, para compensar a desvantagem da imaturidade biológica, foi elaborada a correção da idade gestacional para distinguir adequadamente o atraso no desenvolvimento. Para correção da idade subtrai-se o número de semanas de sua gestação, de um total de 40 semanas. Esta diferença corresponde ao tempo de prematuridade da criança, que é então descontado de sua idade cronológica. O desenvolvimento motor atípico não se vincula, obrigatoriamente, à presença de alterações neurológicas ou estruturais. Mesmo crianças que não apresentam sequelas graves podem apresentar comprometimento em algumas áreas de seu desenvolvimento neuropsicomotor. Estudos descrevem prejuízos mais comumente ligados à memória, à coordenação visiomotora e à linguagem.

Neste sentido, crianças com desenvolvimento motor atípico, ou que se apresentam com risco de atrasos, merecem atenção e ações específicas, já que os problemas de coordenação e controle do movimento poderão se prolongar até a fase adulta. Além disso, atrasos motores frequentemente associam-se a prejuízos secundários de ordem psicológica e social, como baixa auto-estima, isolamento, hiperatividade, entre outros, que dificultam a socialização de crianças e o seu desempenho escolar. 

3 - O Papel da Educação Psicomotora na Escola  

 Durante anos a Psicologia buscou compreender e solucionar o desenvolvimento da criança na medida em que ela cresce e amadurece fisicamente, pois sua inteligência também se desenvolve e muda seu comportamento social e emocional. Assim, surge a educação psicomotora, entendida como uma metodologia de ensino que instrumentaliza o movimento humano enquanto meio pedagógico para favorecer o desenvolvimento da criança. De acordo com Airton Negrine a educação psicomotora pode ser compreendida como uma técnica:

A educação psicomotora é uma técnica, que através de exercícios e jogos adequados a cada faixa etária leva a criança ao desenvolvimento global de ser. Devendo estimular, de tal forma, toda uma atitude relacionada ao corpo, respeitando as diferenças individuais (o ser é único, diferenciado e especial) e levando a autonomia do indivíduo como lugar de percepção, expressão e criação em todo seu potencial. (NEGRINE, 1995, p. 15).

No entanto, essa técnica não pretende realçar a automação, a eficácia, a destreza motora ou o rendimento motor. Pretende, na verdade, transformar o corpo em um instrumento de ação sobre o mundo, em que permitira a interação com os outros. Através de várias pesquisas, estudiosos do assunto acreditam que a psicomotricidade auxilia e capacita melhor o aluno para uma melhor assimilação das aprendizagens escolares. Assim, buscou-se trazer seus recursos para a sala de aula, na modalidade da educação psicomotora.

Durante vários estudos, cientistas tentaram distinguir o principal objetivo da educação psicomotora, destacando o aspecto fundamental dessa técnica, que é ajudar a criança chegar a uma imagem do corpo operatório, permitindo que ela se desenvolva da melhor maneira possível, tirando o melhor partido de todos os seusrecursos, preparando-a para a nova etapa do desenvolvimento motor e consequentemente afetivo e cognitivo.

Além de apresentar esse objetivo, a educação psicomotora abrange algumas metas, sendo elas: a aquisição do domínio corporal, definindo a lateralidade, a orientação espacial, desenvolvimento da coordenação motora, equilíbrio e a flexibilidade; controle da inibição voluntária, melhorando, o nível de abstração, concentração, reconhecimento dos objetos através dos sentidos (auditivo, visual, etc.), desenvolvimento sócio-afetivo, reforçando as atitudes de lealdade, companheirismo e solidariedade. Assim, Le Boulch destaca a importância da psicomotricidade ser trabalhada na escola nas séries iniciais:

   A educação psicomotora deve ser enfatizada e iniciada na escola primária. Ela condiciona todos os aprendizados pré escolares e escolares; leva a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar o tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos, ao mesmo tempo em que desenvolve a inteligência. Deve ser praticada desde a mais tenra idade, conduzida com perseverança, permite prevenir inadaptações, difíceis de corrigir quando já estruturadas. (LE BOULCH, 1984, p. 24).

Percebemos que o principal objetivo da educação psicomotora não se restringe ao conhecimento da criança sobre uma imagem do seu corpo, ou seja, ela não se prende apenas ao conteúdo, mas auxilia na descoberta estrutural da relação entre as partes e a totalidade do corpo, formando uma unidade organizada, instrumento da relação com a realidade. Assim, quando mais cedo abordado no ambiente escolar mais os alunos poderão conhecer-se melhor, desenvolvendo a maturidade, a consciência e a inteligência apropriada aos seres humanos. Le Boulch aponta o objetivo central da educação psicomotora:

O objetivo central da educação pelo movimento é contribuir para o desenvolvimento psicomotor da criança, da qual depende, ao mesmo tempo, a evolução de sua personalidade e o sucesso escolar. (LE BOULCH, 1984, p. 24). 

Segundo Negrine (1995, p. 20) um dos argumentos que justificam a educação psicomotora na educação básica durante a fase pré-escolar é a evidência sobre seu papel na prevenção das dificuldades de aprendizagem. Pois, é durante esse período que a personalidade de cada indivíduo vai sendo moldada. É o momento em que a criança constrói os principais instrumentos internos de que servirá primeiramente de maneira inconsciente e depois conscientemente para interagir-se com a suarealidade externa. Assim, através da interação com o meio, a criança descobre, inventa, resiste, pergunta, argumenta e socializa-se. O que exige um bom acompanhamento daqueles que estão presentes nessa construção simbólica (pais, professores, etc.) e no seu desenvolvimento físico, cognitivo e afetivo. Le Boulch menciona que a educação psicomotora é uma preparação para a vida das crianças:

A educação psicomotora na idade escolar deve ser, antes de tudo, uma experiência ativa de confrontação com o meio. Dessa maneira, esse ensino segue uma perspectiva de uma verdadeira preparação para a vida que se deve inscrever no papel de escola, e os métodos pedagógicos renovados devem, por conseguinte, tender a ajudar a criança a desenvolver-se da melhor maneira possível, a tirar o melhor partido de todos os seus recursos, preparando para a vida social. (LE BOULCH, 1984, p. 24). 

Compreendemos que a aprendizagem e o desenvolvimento estão inter- relacionados desde que acriança passa a ter contato com o mundo ao seu redor. Pois, a criança ao interagir com o meio físico e social, passa a se desenvolver de forma mais abrangente e de maneira eficaz. Isto significa que a partir do envolvimento com o meio social são desencadeados processos internos de desenvolvimento que permitirão um novo patamar de aprendizagem. Diante da interação da criança com o meio social, Negrine observa:

A criança, por meio da observação, imitação e experimentação das instruções recebidas de pessoas mais experientes, vivencia diversas experiências físicas e culturais, construindo, dessa forma, o conhecimento a respeito do mundo que a cerca. (NEGRINE, 1995, p. 23). 

Assim, podemos analisar que a educação psicomotora junto com o auxílio dos pais e do meio escolar, tem a finalidade não de ensinar a criança comportamentos motores, mas sim de permiti-lhe, mediante o jogo, exercer sua função de ajustamento, individualmente ou com outras crianças. No estágio escolar, a prioridade constitui a atividade motora lúdica, fonte de prazer, permitindo a criança prosseguir na organização de sua “imagem de corpo” ao nível do vivido servindo de ponto de partida na sua organização prática em relação ao desenvolvimento de suas atitudes de análise perceptiva. Outro papel atribuído a educação psicomotora é a de prevenção, esse que é argumentado por Fonseca:

A educação psicomotora pode ser vista como preventiva, na medida em que dá condições à criança desenvolver melhor em seu ambiente. É vista também como reeducativa quando trata de indivíduos que apresentam desde o mais leve retardo motor até problemas mais sérios. É um meio de imprevisíveis recursos para combater a inadaptação escolar (FONSECA, 2004, p. 10).

Entendemos que a educação psicomotora, aplicada na Educação Infantil, é preponderante para o sucesso no sistema escolar. Entretanto, é fundamental que a participação do o professor como pesquisador, principalmente nos assuntos relacionados sobre psicomotricidade. Dessa maneira, é interessante que o docente se interesse sobre a educação psicomotora, do que essa trata essa prática pedagógica; conhecer sua estrutura, o desenvolvimento psicomotor, as implicações do sistema nervoso e a importância da maturação neurológica; compreender como ocorre o desenvolvimento infantil (etapas do desenvolvimento), as funções psicomotoras, as dificuldades de aprendizagem presentes no ambiente escolar, para a organização, planejamento e encaminhamentos acadêmicos.          O educador precisa saber se sua proposta de trabalho está de acordo com as necessidades dos alunos, que caminho deve seguir e aonde pretende chegar. Então, cabe aqui compreendermos a importância da psicomotricidade nas séries iniciais do Ensino Fundamental. 

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