A prostituição e o Poder Legislativo brasileiro: das controvérsias sobre o tema e das tentativas de regulamentação.

Por CARLOS EUGÊNIO RODRIGUES FERREIRA | 22/06/2017 | Direito

1. Introdução

Neste trabalho, faremos uma exposição das tentativas de regulamentação da profissão perante o nosso Poder Legislativo, especificamente na Câmara dos Deputados. Digo tentativa, pois os quatro projetos de lei (PL’s) apresentados até o presente momento foram todos arquivados, baseados, principalmente, no conservadorismo dos membros da Casa legislativa diante das pressões de variados segmentos sociais.

Devemos, entretanto, ter a compreensão de que um posicionamento favorável à regulamentação do exercício da prostituição não significa, obrigatoriamente, um estímulo ao exercício da mesma. É inegável a necessidade de debate sobre o tema e, mais importante, a adoção de medidas efetivas que visem sanar ou amenizar as situações de marginalização e estigmatização que sofrem as prostitutas que, mesmo tendo forte presença na realidade social, tendem a ser ignoradas pela mesma sociedade que fomenta a sua atividade. De acordo com Albuquerque (2008)[1], “na medida em que a prostituição está presente na sociedade de classes, de alguma maneira o Estado precisou criar regras para a atividade. A regulamentação, portanto, corresponde a uma resposta concreta do Estado em relação à prostituição em cada contexto. Sendo assim, não pode parecer surpresa que o Estado tenha regulado por diversas vezes a prostituição. O que muda e torna específica cada regulamentação é o tipo de resposta concreta dada pelo Estado e a justificativa apresentada, que sempre está articulada com o contexto concreto em que surge. Por isso, vimos como mudam as justificativas dadas pelo Estado para regulamentar a prostituição.”.

De forma oficial, o Estado brasileiro deu o seu primeiro passo legislativo no tocante à prostituição com o Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890 (Código Penal)[2], em seus artigos 277 e 278, aderindo ao sistema abolicionista, criminalizando somente as atividades que circundam a prostituição. Assim dispunham:

 

DO LENOCINIO

Art. 277. Excitar, favorecer, ou facilitar a prostituição de alguem para satisfazer desejos deshonestos ou paixões lascivas de outrem:

Pena - de prisão cellular por um a dous annos.

[...]

    Art. 278. Induzir mulheres, quer abusando de sua fraqueza ou miseria, quer constragendo-as por intimidações ou ameaças, a empregarem-se no tratico da prostituição; prestar-lhes, por conta propria ou de outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, assistencia, habitação e auxilios para auferir, directa ou indirectamente, lucros desta especulação:

    Penas - de prisão cellular por um a dous annos e multa de 500$ a 1:000$000.

 

Entretanto, mesmo antes do mencionado dispositivo legal, o exercício da prostituição já sofria restrições, principalmente pela polícia que visava proteger a moral e os bons costumes da sociedade, bem como pelas campanhas sanitárias, ambas em âmbito administrativo. Consistia, basicamente, em métodos segregadores e invasivos da privacidade humana, como a delimitação de áreas em que eram toleradas as práticas sexuais das meretrizes e a imposição de realização de exames médicos e o consequente tratamento, caso necessário.

Embora seja moralmente condenado, o ato de exercer a prostituição não é crime em nosso país, bem como não o é o fato de recorrer a tais serviços para satisfação de desejos sexuais. A criminalização penal se volta às atividades que figuram como intermediadoras e favorecedoras da prostituição, o que, de certo modo, acaba por atingir a atuação das prostitutas. Roberts[3] (1998, p. 350) diz que:

Umas das restrições legais mais controvertidas aos relacionamentos privados e públicos das prostitutas é a proibição dos “cafetões”, que figuram em todas as legislações referentes ao comércio do sexo. Mas, como já vimos, é a criminalização do sexo em si que cria condições que são propensas à exploração – se o comércio do sexo não fosse ilegal ou quase ilegal em toda parte, as prostitutas poderiam se organizar contra a sua exploração, tanto pelos cafetões baratos quanto pelos grandes chefes como os homens que dirigem os Centros de Eros. Seja como for, toda a questão dos “cafetões” é muito complicada, implicando em muitas suposições falsas.

 

Assim, gera-se um debate por demais acalorado dentro da própria categoria ao passo que, de um ponto de vista, teria a legalização da exploração sexual através do pleno funcionamento das casas de prostituição, denotando uma conduta arbitrária e estimuladora da “escravização” e “objetificação” da mulher, e de outro ponto, a permissão para que as prostitutas exercessem o seu ofício de forma ampla e com a possibilidade de amparo estrutural de um empregador, bem como a possibilidade de obter diversos direitos trabalhistas e previdenciários, além de terem o seu reconhecimento positivo perante a sociedade.

2. A divergência entre as prostitutas sobre a regulamentação de sua atividade.

Como dito anteriormente, a questão da regulamentação não é pacífica em nossa sociedade, pois o tema é muito complexo e o atual cenário de desrespeito à figura humana da prostituta requer uma atitude precisa. Dentre os movimentos sociais mais participativos no referido debate, temos os grupos feministas, que também se dividem, quanto às opiniões, em radicais e liberais.

Do ponto de vista do movimento feminista radical, temos que a prostituição se mostra como um ato de opressão à mulher que acarreta na violação de sua dignidade humana, defendendo, portanto, a adoção do modelo abolicionista. Podemos verificar tais pensamentos em publicação[4] no site do “Coletivo Feminista Radical Manas Chicas”, do dia 08 de março de 2015, data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher:

Também não podemos compreender a prostituição como uma forma de trabalho. Certamente, a prostituição é consequência direta da exploração laboral das mulheres e da desigualdade econômica. Muitas mulheres estão na prostituição pois precisam obter recursos financeiros para manter a si e a seus dependentes. No entanto, não podemos considerar a prostituição como mero “trabalho” ou “oferecimento de serviço sexual”, pois o que está implicada nesta relação não é uma simples venda de força de trabalho, mas o próprio corpo da mulher. Neste sentido, naturalizar a prostituição como trabalho para regulamentá-la como “profissão do sexo” seria normalizar o direito de acesso sexual dos homens às mulheres e banalizar o estupro.

Já no feminismo liberal, temos a prostituição como uma opção de vida da mulher decorrente de sua liberdade e, com o advento de uma possível regulamentação da atividade, deixa a mulher em nível de igualdade com o homem no momento da “negociação”, além de utilizar-se dos mais variados mecanismos para a satisfação dos seus direitos que, porventura, fossem violados. Sendo regulamentada, a prostituição seria verdadeiramente uma profissão, o que conferiria à classe um maior reconhecimento social. Fernando Bessa Ribeiro[5] afirma que:

A regulação da economia do sexo passa a fazer-se, sobretudo, pela esfera do trabalho em lugar da esfera criminal, sem deixar de se combater o tráfico e exploração da prostituição forçada. A deslocação do enfoque político-jurídico sobre aqueles que se prostituem, em especial quando mulheres, para relação social entre duas ou mais pessoas que se envolvem em transacções sexuais de natureza mercantil, na esteira do que é defendido por Petherson (1996), facilita o processo de desestigmatização que essa abordagem pretende alcançar, num quadro alargado de uma regulação inclusiva do campo prostitucional, por via da transformação do trabalho sexual num trabalho igual a qualquer outro, com os mesmos direitos e obrigações.

Em nosso país, refletindo a ideia propagada pelo feminismo liberal quanto à prostituição, temos alguns dos movimentos organizados das prostitutas criados a partir do I Encontro Nacional das Prostitutas, em 1987. O mais importante deles, a ONG Davida, criada pela ativista Gabriela Leite, objetivou dar maior visibilidade à luta das prostitutas, dentro de suas possibilidades, ao criar, por exemplo, um periódico intitulado de “O beijo da rua” e a grife de roupas “Daspu”, ambas como demonstração de afirmação de autonomia da classe. Com forte influência na sociedade, a referida ONG conseguiu, junto ao Ministério da Saúde, uma efetiva campanha de conscientização na prevenção às DST’s, em especial à Aids.

Diante destes conflitos, vemos que o enfrentamento do tema pela Câmara dos Deputados Federais esbarra em inúmeras barreiras: a divergência entre as próprias profissionais, os movimentos feministas e seus segmentos, a aceitação da sociedade em geral e o conservadorismo dos próprios membros da Casa. Apesar disso, alguns projetos de lei já foram propostos no sentido de resolver a questão, conforme será visto a seguir.

3. Análise dos projetos de Lei sobre a prostituição.

3.1. Projeto de Lei nº 3.436/1997[6]

O referido projeto de lei foi proposto pelo Deputado Wigberto Tartuce, do Partido Progressista Brasileiro - PPB, a fim de regulamentar a prostituição em um sentido claramente abolicionista, onde se busca a proteção à prostituta e ainda criminaliza as condutas que margeiam a sua atividade, como o rufianismo, por exemplo.

Apesar de seu caráter protetivo às prostitutas, é notória a acepção da atividade como um “mal necessário”, pensamento moralista extremamente presente na sociedade da época, tratando-a como destoante dos costumes morais e atentatórios ao pudor. Em sua ementa, assim dispunha: “Dispõe sobre a regulamentação das atividades exercidas por pessoas que praticam a prostituição em desacordo com os costumes morais e atentatórios ao pudor”.

Em seu art. 1º, expressa ser livre o exercício da prostituição, que será feito pessoalmente e mediante remuneração ou vantagem, utilizando-se do próprio corpo. Vale ressaltar que o fato de o texto do projeto deixar livre o exercício da profissão, deve-se atentar que a mesma é proibida a menores de 18 (anos), conforme expresso em seu § 2º.

Em seguida, no art. 2º, traz a possibilidade de as profissionais do sexo inscreverem-se como segurados da Previdência Social, na qualidade de autônomos. Desnecessário, ao nosso ponto de vista, pois a contribuição nessa categoria já é possível a qualquer pessoa, atualmente intitulada como contribuinte individual, conforme o art. 11 da Lei nº 8.213/1991[7], que assim diz:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

(...)

V - como contribuinte individual:  

(...)

h) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não;

 

Nas lições de Vólia Bonfim Cassar, temos que:

Autônomo é o trabalhador que explora o seu ofício ou profissão com habitualidade, por conta e risco próprio. A palavra habitualidade tem o conceito temporal, ou seja, que a atividade é exercida com repetição. O exercício da atividade é habitual em relação ao trabalhador (que tem constância e repetição no seu labor) e não em relação a cada tomador, como é o caso do empregado, cuja necessidade de sua mão de obra para o empregador é permanente. Normalmente, executa seus serviços para diversos tomadores (clientela variada), sem exclusividade, com independência no ajuste, nas tratativas, no preço, no prazo e na execução do contrato. Corre o risco do negócio e não tem vínculo de emprego.

 

Ao trazer essa disposição no PL, o autor da proposta acaba por complicar ainda mais a discussão de uma matéria que, por si só, já seria de dificílima aceitação na Câmara dos Deputados, pois a existência prévia de possibilidade de filiação a regime previdenciário por parte da meretriz tende a evidenciar a desnecessidade de regulamentação por parte do Poder Legislativo.

Entretanto, além de qualquer barreira ideológica no debate, o projeto de lei do Deputado Wigberto Tartuce trata de proteger somente uma parcela das profissionais do sexo, quais sejam, aquelas que exercem a “prostituição de rua”. A estas é reconhecido o caráter de autonomia em sua atividade, pois a exercem da forma que bem entenderem, sem cumprimento obrigatório de horários, locais, e sem dever de obediência. Deixa à margem, portanto, as meretrizes que exercem suas atividades em casas de prostituição que, por sinal, representa uma significante parcela da categoria. Submetem-se a um empregador, muitas vezes, atraídas pela estrutura do estabelecimento e pela facilidade de captação de clientes, visto ser um lugar mais reservado. Tiramos tal conclusão a partir da leitura do art. 4º do PL 3.436/1997, o qual diz que “o livre exercício da prostituição não autoriza que a atividade seja incentivada ou explorada, mantidas as disposições do Capítulo V, do Título VI, da Parte Especial, do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal”.

Assim, refletindo o caráter abolicionista no tratamento da prostituição, a propositura visa o reconhecimento legislativo de licitude da atividade, dando a quem a exerce alguns direitos, dentre eles, acesso à Previdência Social, à Saúde e à Segurança, mantendo a criminalização àqueles que promovem ou se beneficiam da prostituição alheia, como no caso dos rufiões, mantendo-se os dispositivos penais sobre o tema. Justifica que, nos termos do art. 41 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), o rufião condenado e preso teria uma série de direitos, dentre eles a atribuição de trabalho e sua remuneração, bem como à previdência social, configurando-se uma tremenda injustiça com as vítimas de seus crimes, no caso, as prostitutas, que não teriam acesso aos mesmos direitos.

Em um contexto temporal de acentuação na proliferação de doenças sexualmente transmissíveis – DST’s, e ao considerar que o Estado brasileiro limitava-se somente a simples campanhas de prevenção e esclarecimento em relação a essas doenças, o autor dispõe no art. 3º do PL que é “obrigatório aos profissionais de que trata esta lei o cadastramento em unidades de saúde e o exame mensal para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis”. No parágrafo único do dispositivo em comento, encontra-se a determinação de que os referidos exames seriam anotados em cartão de saúde de acompanhamento de doenças sexualmente transmissíveis.

Trata-se, aqui, de um mecanismo de controle que costumeiramente era utilizado em outras épocas pelas autoridades policiais em âmbito administrativo, só que trazido de forma mais atenuada, pois não impunha a segregação em determinadas áreas nem trazia a figura da internação compulsória. Embora seja plausível tal argumento sob a ótica do movimento sanitarista, não se pode dizer o mesmo quando nos atentamos aos valores previstos em nossa Constituição Federal, principalmente quanto ao respeito à dignidade da pessoa humana e nos princípios de igualdade, visto que tal imposição direciona-se somente à prostituta, deixando o cliente de seus serviços desobrigado ao controle de sua saúde, como se este não fosse um potencial transmissor de doenças. Apresenta-se, portanto, dotado de forte teor discriminatório e invasivo na esfera individual.

Em resposta ao presente projeto de Lei nº 3.436/1997, o então Subprocurador Geral da República e Coordenador da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, Dr. Miguel Guskow, enviou ofício ao relator da proposição no qual tecia comentários a respeito da matéria proposta. Apresentando alto teor de conservadorismo, afirma que a regulamentação da prostituição necessita, primeiramente, de uma análise do que a sociedade entende sobre o tema. Visando a rejeição da proposta, afirma:

Ora, é ilógico e inconstitucional pretender regulamentá-la, porque atentatória aos valores morais e culturais da sociedade e contrária aos fundamentos republicanos de cidadania, dignidade e valorização do trabalho humano, quanto ao individuo. De fato, o exercício da prostituição não contribui para promover a integração à vida social dos profissionais que a exercem. Atenta, pois, contra a cidadania. Do mesmo modo, não se coaduna o conceito de prostituição com o de dignidade humana, haja vista que esta significa "autoridade moral, honra, respeitabilidade, decência, decoro". (...) Que utilidade há na prostituição para Nação? Nenhuma. Para a edificação da família, ela é nefasta. Para a construção física, mental e moral do individuo, muito menos. Para a sociedade, é um desvio a ser corrigido.

 

Por fim, e sem ao menos chegar a plenário para votação, o projeto de Lei em comento foi arquivado em 02 de fevereiro de 1.999, nos termos do Art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD)[8].

 

3.2. Projeto de Lei nº 98/2003[9]

 

No início do século XXI, o Estado brasileiro passou por significativas mudanças no tocante ao exercício da prostituição, fazendo com que as autoridades vissem a atividade com um maior grau de seriedade e preocupação com quem a exercesse, adotando postura diferente da que tradicionalmente era tomada. Tais mudanças provavelmente só aconteceram devido o maior grau de organização da classe, principalmente a partir do I Encontro Nacional de Prostitutas, em 1987, na cidade do Rio de Janeiro, o que fez despertar o sentimento de reconhecimento e de busca pelo seu lugar na sociedade por parte das prostitutas.

A principal medida veio através do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE que, através da Portaria nº 397[10], de 09 de outubro de 2002, incluiu a categoria “profissional do sexo” como ocupação na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, integrante da família “prestador de serviço”, sob o código 5198-05. Dentro da categoria expressa na CBO, aparecem as denominações das pessoas que a exercem, quais sejam: garota de programa, garoto de programa, meretriz, messalina, michê, mulher da vida, prostituta e trabalhador do sexo. Ao trazer as condições gerais de exercício, o documento ministerial diz que a atividade é exercida por conta própria, em locais diversos e horários irregulares, podendo estar sujeitos a intempéries e a discriminação social, havendo ainda riscos de contágios de DST, maus-tratos, violência de rua e morte. Traz ainda, além de outras informações, a necessidade de trabalho educativo e conscientizador, a fim de proporcionar condições adequadas de trabalho.

Junto à referida inclusão da ocupação “profissional do sexo” na CBO, temos que a influência dos movimentos organizados das prostitutas, representados pela Rede Brasileira de Prostitutas – RBP e a ONG Davida, e a inspiração pela regulamentação da prostituição em outros países, como no caso da Alemanha, acarretaram na apresentação do projeto de Lei nº 98/2003 na Câmara dos Deputados, pelo Deputado Fernando Gabeira, do Partido dos Trabalhadores – PT, a fim de regulamentar a atividade no Brasil.

Diferentemente do já analisado PL nº 3.436/97, do Deputado Wigberto Tartuce, a presente proposta não visa, precipuamente, o controle da atividade do ponto de vista da saúde. Vai além, pois apresenta, na sua ementa, que pretende viabilizar a exigência de pagamento pela prestação de serviços sexuais, bem como retirar a tipificação penal sobre as atividades que figuram como intermediárias da prostituição, previstas nos artigos 228, 229 e 231 do Código Penal Brasileiro - CP. Em sua justificativa, temos que:

O primeiro passo para isto é admitir que as pessoas que prestam serviços de natureza sexual fazem jus ao pagamento por tais serviços. Esta abordagem inspira-se diretamente no exemplo da Alemanha, que em fins de 2001 aprovou uma lei que torna exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual. Esta lei entrou em vigor em 1º de janeiro de 2002. Como consectário inevitável, a iniciativa germânica também suprimiu do Código Penal Alemão o crime de favorecimento da prostituição – pois se a atividade passa a ser lícita, não há porque penalizar quem a favorece.

No caso brasileiro, torna-se também consequente suprimir do Código Penal os tipos de favorecimento da prostituição (art. 228), casa de prostituição (art. 229) e do tráfico de mulheres (art. 231), este último porque somente penaliza o tráfico se a finalidade é o de incorporar mulheres que venham a se dedicar à atividade.

 

Assim, nos termos do art. 1º do PL, seria exigível o pagamento pela prestação de serviços sexuais, considerando-se o tempo em que o prestador ficasse a disposição do tomador (§ 1º), deixando claro que tal cobrança somente poderia ser feita por aquele que efetivamente tenha prestado o serviço ou ficado à disposição para prestá-los (§ 2º).

Em seu art. 2º, traz a descriminalização das condutas que circundam o ato de prostituir-se. Pretende suprimir o crime de “favorecimento à prostituição”, “casa de prostituição” e “tráfico de mulheres para o exercício da prostituição”[11], previstos, respectivamente, nos artigos 228, 229 e 231, do Código Penal.

A intenção com tal medida seria proporcionar a criação de uma nova atividade empresarial, o que não prejudicaria as pessoas que se empregassem nesse ramo, pois a exploração sobre o trabalho de outra pessoa já estava sujeita a pena, como no caso do crime previsto no art. 149 do Código Penal, intitulado de “redução à condição análoga a de escravo”, o qual se aplica a qualquer tipo de atividade, visando retirar o caráter estigmatizante sobre a prostituição. Assim, além do tipo penal acima citado como meio para coibir abusos por parte do “empresário do sexo”, a prostituta poderia se valer, ainda, das disposições do nosso Código Civil referentes às obrigações e aos negócios jurídicos, bem como da legislação trabalhista e as suas disposições protetivas ao trabalhador.

Em relação à sua tramitação, o PL nº 98/2003 foi apresentado em plenário em fevereiro de 2003. O passo seguinte foi a realização de uma audiência pública sobre a proposta, sob orientação da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara dos Deputados, em agosto de 2003, da qual participaram diversos segmentos da sociedade, bem como representantes das classes envolvidas com o objeto da regulamentação.

O primeiro relator designado para o PL nº 98/2003 na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), Deputado Chico Alencar, do Partido dos Trabalhadores (PT-SP), emitiu parecer, no dia 30 de setembro de 2003, pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa adequada, e no mérito, pela aprovação. Para tanto, entendeu:

Como visto, é historicamente comprovado que a sociedade nunca abriu mão da prostituição. Por que razão, então, não se deve deixar de lado a hipocrisia e permitir que a atividade de prestação de serviços sexuais possa existir de forma legal e cívica?

É exatamente essa, segundo entendemos, a motivação do presente projeto de lei. Legalizando-se a atividade, estar-se-á, unicamente, tirando-a do submundo e trazendo-a para o campo da licitude.

Incontáveis são os benefícios sociais decorrente da medida. As pessoas que se dedicam à prostituição passarão a poder exercer os mesmos direitos que qualquer cidadão empregado possui: carteira de trabalho assinada, filiação à previdência social, assistência médica etc.

 

Arquivado por duas vezes antes de chegar à apreciação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o projeto foi desarquivado e submetido à relatoria do Deputado Federal Antônio Carlos Magalhães Neto, do Partido da Frente Liberal (PFL-BA), no ano de 2005.

Ao analisar o PL nº 98/2003, o relator da proposta entendeu que, sob o aspecto do Direito Civil, os serviços sexuais não poderiam ensejar exigência de pagamento em decorrência de um contrato típico, alegando que este não atenderia aos requisitos limitadores da autonomia privada presentes no art. 421 do Código Civil[12], considerando a relação decorrente da atividade como uma obrigação natural, ou seja, uma relação em que o credor não pode exigir do devedor a sua respectiva prestação, embora possa reter a quantia devida em caso de pagamento voluntário.

Já quanto ao aspecto penal, o relator atacou o PL nº 98/2003 ao considerar incoerente a revogação dos artigos do Código Penal que criminalizam as condutas acessórias à prostituição. Em seu voto, afirmou que:

Mais importante é evitar que jovens, sobretudo das classes menos favorecidas, sejam levadas a prostituir-se como única opção para auferir algum ganho. O que falta são políticas públicas voltadas à geração de emprego, para que as jovens do nosso País, muitas com bom nível de escolaridade, possam desempenhar atividades produtivas e socialmente justas, livrando-se da praga da prostituição.

 

Assim, diante de contundente repressão por parte do relator da proposta, a mesma foi rejeitada e arquivada.

Convém observar que, paralelamente ao projeto de Lei de autoria do Deputado Gabeira, foi apresentado o projeto de Lei nº 2.169/2003[13], de autoria do Deputado Elimar Máximo Damasceno, do Partido da Reedificação da Ordem Nacional (PRONA-SP), que àquele foi apensado. Ao propor a alteração do Código Penal com o acréscimo do Art. 231-A, ficaria criado o crime de “contratação de serviços sexuais”, dispondo que pagar ou oferecer pagamento a alguém pela prestação de serviço de natureza sexual, bem como aceitar a oferta de prestação do serviço, sabendo que o mesmo está sujeito a remuneração faria com que o infrator se submetesse à pena de detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses. Trouxe aqui uma intenção de tratar a prostituição sob uma ótica proibicionista, porém mitigada, pois trataria de punir somente o usuário do serviço sexual que oferecesse dinheiro à prostituta ao aquele que aceitasse a oferta do serviço. Na justificativa do referido PL, temos que:

A proposição que ora apresentamos tem por escopo criminalizar a conduta daquele que paga ou oferece pagamento pela prestação de serviços sexuais, ou seja, daquele que contrata a prostituição. Apesar das recentes discussões ocorridas nesta Casa acerca da legalização da prostituição como profissão, continuamos entendendo que a venda do corpo é algo não tolerado pela sociedade. A integridade sexual é bem indisponível da pessoa humana e, portanto, não pode ser objeto de contrato visando a remuneração.

(...)

Aspecto de relevo da presente iniciativa é a criminalidade única da conduta daquele que efetiva ou oferece o pagamento pela prestação dos serviços sexuais, e não da própria prostituta ou prostituto. A nosso ver, não seria justo puni-los, uma vez que eles constituem a parte já oprimida da relação. A necessidade de exercer a prostituição como forma de subsistência é um encargo gerado pelas circunstâncias sociais. Além disso, se houver o desejo de se deixar a atividade, não será necessária a preocupação com as consequências de se assumir publicamente o fato de ter sido prostituta.

 

Tendo tramitação também sob a relatoria do Deputado Antônio Carlos Magalhães Neto, a presente proposta também foi rejeitada, pois entendeu-se que a conduta trazida pela proposta já estaria amoldada aos tipos penais previstos no Código Penal, em especial nos artigos 228, 229 e 230, embora entendamos que o motivo mais plausível seria o grau de extremidade entre este o PL nº 98/2003 ao considerarmos que, um pretendia descriminalizar as condutas acessórias à prostituição, enquanto o outro pretendia criminalizar aqueles que se valessem dos serviços sexuais, adotando posicionamentos radicais.

3.3. Projeto de Lei nº 4.244/2004 [14]

O presente projeto foi apresentado pelo Deputado Federal Eduardo Valverde, do Partido dos Trabalhadores (PT-RO), em 07 de outubro de 2004. Mais extenso dos que os outros apresentados anteriormente visando a regulamentação da prostituição, este trazia, além de reconhecer o caráter trabalhista da atividade (art. 1º), um público-alvo maior, não se restringindo a abordar a situação da prostituta ou do prostituto.

Em seu artigo 2º, a proposta tratava dos “trabalhadores da sexualidade”, gênero que abrangia diversos profissionais relacionados à atividade, desde a prostituta até o gerente de casa de prostituição. Assim dispunha o referido dispositivo do projeto de Lei:

Art.2° - São trabalhadores da sexualidade, dentre outros:

1 – A prostituta e o prostituto;

2 – A dançarina e o dançarino que prestam serviço nus, seminus ou em trajes sumários em boates, dancing’s, cabarés, casas de “strip-tease” prostíbulos e outros estabelecimentos similares onde o apelo explícito à sexualidade é preponderante para chamamento de clientela;

3 – A garçonete e o garçom ou outro profissional que presta serviço, em boates, dancing’s, cabarés, prostíbulos e outros estabelecimentos similares que tenham como atividade secundária ou predominante o apelo a sexualidade, como forma de atrair clientela;

4 – A atriz ou ator de filmes ou peças pornográficas exibidas em estabelecimentos específicos;

5 – A acompanhante ou acompanhante de serviços especiais de acompanhamento intimo e pessoal de clientes;

6 – Massagistas de estabelecimentos que tenham como finalidade principal o erotismo e o sexo;

7 – Gerente de casa de prostituição.

 

Embora o PL não trouxesse de forma expressa a revogação dos artigos do Código Penal que incriminam as atividades de intermediação da prostituição, poderia ver seu caráter implícito nesse sentido ao estabelecer que “os trabalhadores da sexualidade poderiam prestar seus serviços de forma subordinada e em proveito de terceiros, mediante remuneração, devendo as condições de trabalho serem estabelecidas em contrato de trabalho”, conforme expresso no art. 3º, exigindo deste a obtenção de registro profissional junto à Delegacia Regional do Trabalho, que seria renovado a cada 12 (doze) meses, sendo necessário, para tanto, a comprovação de condição como segurado do INSS e de atestado de saúde sexual, emitida por autoridade de saúde pública. Ainda como exigência do PL, os estabelecimentos em que fossem desempenhadas as atividades dos trabalhadores da sexualidade deveriam ter autorização para funcionamento expedida pelas autoridades de segurança pública e de vigilância sanitária, a fim de garantir um ambiente adequado para o exercício da profissão.

Dentre os direitos garantidos aos trabalhadores da sexualidade, destacam-se a possibilidade de expor o seu corpo nos locais permitidos pelas autoridades competentes, o acesso aos mecanismos de saúde relacionados à prevenção e conscientização no combate às doenças sexualmente transmissíveis e a inscrição no INSS como segurado obrigatório e tendo a sua atividade a natureza de trabalho sujeito a condições especiais, fazendo jus à aposentadoria especial[15].

Por fim, no tocante à organização do trabalho, o art. 7º da proposta deixa a possibilidade aos trabalhadores de estabelecerem cooperativas de trabalho ou empresas em nome coletivo para explorar as atividades econômicas correlatas, como prostíbulos, casas de massagem, agências de acompanhantes e cabarés, visando um maior atendimento às pretensões econômicas da classe.

Apesar de muito complexo, a presente propositura não foi nem levada a debate nas comissões, e teve o seu arquivamento requerido pelo seu próprio autor, em 21 de outubro de 2005, nos termos do art. 104 do RICD[16], e talvez motivado pela ação interna de movimentos contrários à causa.

3.4. Projeto de Lei nº4.211/2012 (Projeto de Lei Gabriela Leite) [17]

Na iminência do acontecimento dos grandes eventos esportivos no Brasil (Copa do Mundo de 2014 e Olímpiadas do Rio de 2016), acentuou-se a preocupação em nossa sociedade no tocante à exploração sexual, impulsionada pelo grande número de turistas presentes em nosso território. De acordo com publicação do site da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS)[18], temos a seguinte afirmação no tocante ao turismo sexual no Brasil:

O Brasil é uma das rotas preferenciais do turismo sexual no mundo. Despontou como destino entre as décadas de 1980 e 1990, quando o mercado asiático começou a ficar saturado. Até hoje, no entanto, a Ásia lidera como o principal destino de turismo sexual do globo, com destaque para a Tailândia, altamente problemática. Em seguida vêm América Central, Caribe e América do Sul. Entre os principais destinos do turismo sexual no continente americano estão México, Cuba e Brasil.

 

A partir desse cenário, o Deputado Jean Willys, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL-RJ), apresentou o projeto de Lei nº 4.112/2012, que visava regulamentar a atividade dos profissionais do sexo. O referido projeto, posteriormente, foi apelidado de projeto de Lei Gabriela Leite, ex-prostituta falecida em 10 de outubro de 2013, como uma forma de homenagear a mais importante ativista na luta pelo reconhecimento da prostituição como atividade regulamentada e na busca de direitos para a classe.

Apresentado em plenário no dia 12 de julho de 2012, o projeto traz sua base no projeto de Lei nº 98/2003, do Deputado Fernando Gabeira, já analisado anteriormente. Além de conceituar o profissional do sexo, traz a possibilidade de exigência pelas vias judiciais do pagamento pelos serviços prestados, os limites em que a atividade pode ser explorada por terceiros, as formas de organização dos trabalhadores do sexo e, diferentemente de outras propostas sobre o tema, a simples alteração na redação de dispositivos do Código Penal, e não revogação.

Em seu art. 1º, traz que a profissão pode ser exercida por pessoa maior de 18 (dezoito) anos, absolutamente capaz e que preste serviços sexuais por voluntariedade e mediante remuneração, de forma pessoal e intransferível, podendo exigir o acordado com o tomador do serviço através da via judicial, estando, portanto, presente no campo das obrigações civis.

Como medida mais ousada, a proposta traz três requisitos objetivos para a configuração de exploração sexual, prática vedada pela proposta, conforme art. 2º. A partir das informações contidas, temos que a apropriação total ou maior que 50% do rendimento de prestação de serviço por terceiro (inciso I), o não pagamento pelo serviço sexual contratado (inciso II), bem como forçar alguém a praticar prostituição mediante grave ameaça ou violência (inciso III), configuram exploração sexual. O intuito foi o de estabelecer a clara diferença entre a prostituição (lícita) e a exploração sexual (ilícita), já que ambas são bens jurídicos tutelados pelo nosso Código Penal, o que impede a intermediação de terceiros sobre a atividade. Assim justificou o autor da proposta:

Impor a marginalização do segmento da sociedade que lida com o comércio do sexo é permitir que a exploração sexual aconteça, pois atualmente não há distinção entre a prostituição e a exploração sexual, sendo ambos marginalizados e não fiscalizados pelas autoridades competentes. Enfrentar esse mal significa regulamentar a prática de prostituição e tipificar a exploração sexual para que esta sim seja punida e prevenida.

 

A partir dessa lógica e como forma alternativa ao exercício de forma autônoma ou cooperada, torna-se possível a existência e funcionamento de casas de prostituição, desde que respeitados os limites impostos para que a atividade ali exercida não configure exploração sexual. Reforçando a coerência do texto, traz em seu art. 4º as alterações necessárias na redação dos artigos do Código Penal que tratam do lenocínio, deixando como elemento nuclear do tipo o ato de explorar sexualmente outrem e retirando, na medida do possível, o termo prostituição. Assim dispõe o referido dispositivo:

 

Art. 4º - O Capítulo V da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Favorecimento da prostituição ou da exploração sexual.

Art. 228. Induzir ou atrair alguém à exploração sexual, ou impedir ou dificultar que alguém abandone a exploração sexual ou a prostituição:

(...)”

“Casa de exploração sexual

Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:

(...)”

Rufianismo

 “Art. 230. Tirar proveito de exploração sexual, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:

(...)”

“Art. 231. Promover a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a ser submetido à exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

(...)”

“Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para ser submetido à exploração sexual:

(...)”

 

Vale lembrar aqui que, os artigos 231 e 231-A encontram-se, atualmente, revogados em virtude da modificação do Código Penal pela Lei nº 13.344, de 06 de outubro de 2016, o qual acrescentou no mesmo diploma legal o art. 149-A que, dentre outras previsões, a ideia dos artigos suprimidos.

Por fim, trata o projeto de conferir o direito ao profissional do sexo a se aposentar de forma especial, contando com 25 anos de exercício, devido às condições que prejudicam a saúde e/ou a integridade física, conforme dispõe o artigo 57 da Lei nº 8.213/1991.

Do ponto de vista ideológico, a proposta, conforme justificativa apresentada pelo autor, expressa que:

O escopo da presente propositura não é estimular o crescimento de profissionais do sexo. Muito pelo contrário, aqui se pretende a redução dos riscos danosos de tal atividade. A proposta caminha no sentido da efetivação da dignidade humana para acabar com uma hipocrisia que priva pessoas de direitos elementares, a exemplo das questões previdenciárias e do acesso à Justiça para garantir o recebimento do pagamento. (...) O atual estágio normativo - que não reconhece os trabalhadores do sexo como profissionais - padece de inconstitucionalidade, pois gera exclusão social e marginalização de um setor da sociedade que sofre preconceito e é considerado culpado de qualquer violência contra si, além de não ser destinatário de políticas públicas da saúde.

 

Não diferente das demais proposituras sobre o tema, a presente proposta foi alvo de duras críticas na Câmara dos Deputados. Na Casa, tramitou na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), sob a relatoria do Deputado Pastor Eurico, do Partido Socialista Brasileiro (PSB-PE), tido como um dos mais conservadores da chamada “bancada evangélica”.

Inicialmente, em seu relatório, afirma que:

O discurso dos que defendem a legalização da prostituição no Brasil parte de um argumento falacioso: a prostituição seria uma questão que diz respeito apenas ao indivíduo maior de dezoito anos, mulher ou homem, que se prostituiria por vontade ou opção própria. Só que esse indivíduo com plena liberdade de escolha diante da prostituição não existe. Todo pessoa age conforme as condições que enfrenta e a cultura onde está inserido. A chamada “opção” pela prostituição é resultado de um fenômeno social muito maior hoje, que é conduzido, na verdade, pela lógica da indústria do sexo.  

 

Para o relator, a opção pela prostituição é estimulada, principalmente, pela objetificação do corpo humano pela indústria do sexo. O contexto aparenta-se como uma rede interligada à prostituição, composta por bares, boates, restaurantes, produtoras de filmes pornográficos, motéis, dentre outros estabelecimentos. Diante de tal estrutura, o “sistema” busca recrutar pessoas de baixa instrução e renda, vulneráveis aos atrativos financeiros e que dificilmente abandonarão a atividade.

Reforçando os seus argumentos, o relator da proposta na CDHM relembra as proposituras que tinham o mesmo objetivo do PL em análise, e questiona-se sobre a insistência da abordagem sobre o tema perante a posição legítima da Casa como representante do povo, votando, em seguida, pela rejeição da matéria. Assim relata:

Podemos questionar ainda se a legalização da prostituição constitui realmente um interesse da sociedade brasileira. Pelo menos em relação a iniciativas parlamentares, isso não fica demonstrado. Pesquisa no portal da Câmara dos Deputados mostra que, nos últimos dez anos, apenas dois projetos de lei reconhecendo, de alguma forma, a profissão de prostituta foram apresentados: o PL 98, de 2003, e o PL 4.244, de 2004, este último retirado pelo autor após um ano de sua apresentação, sem ter recebido parecer em nenhuma Comissão da Casa.

Já o Projeto de Lei nº 98, de 2003, que “dispõe sobre a exigibilidade de pagamento por serviço de natureza sexual e suprime os arts. 228, 229 e 231 do Código Penal”, foi distribuído para as Comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania e a de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Somente em novembro de 2007 a proposição foi apreciada pela CCJC, recebendo do relator parecer contrário do Deputado Antonio Carlos Magalhães Neto, aprovado em plenário, de 66 membros da CCJC, contra o voto de apenas seis deputados (Maurício Quintella Lessa, Sarney Filho, Maurício Rands, Sérgio Barradas Carneiro, Marcelo Itagiba e José Genoíno). Entre os que concordaram com o parecer do relator, ou seja, pela rejeição do referido projeto, estavam parlamentares de diversos partidos, estados e religiões, dentre eles o atual Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo (Portanto, a regulamentação da profissão de prostituta teve posição contrária de 60 membros na única vez em que o assunto foi submetido à votação por uma Comissão da Câmara).

 

Atualmente, conforme consulta no sítio da Câmara dos Deputados, o projeto de Lei nº 4,211/2012 encontra-se no aguardo de constituição de Comissão Temporária pela Mesa, após ter pedido de desarquivamento pelo autor da proposta em fevereiro de 2015. Porém, passados mais de cinco anos de sua propositura e diante de uma Casa Legislativa de alto teor conservador, é difícil imaginar que o PL venha a prosperar e atingir os seus efeitos previstos.

 

4. Conclusão

Assim, analisando as propostas já apresentadas, entendemos que, além de uma mudança na postura dos legisladores no sentido de reconhecer direitos a uma classe que historicamente é condenada à exclusão social, deve-se valer da boa técnica legislativa no sentido de regulamentar a profissão, promover o acesso dos envolvidos aos mecanismos de saúde e de educação preventiva, permitir a relação “empregado x empregador”, dentro dos limites prudentes de respeito à dignidade humana e prevenção ao trabalho escravo, a concessão de benefícios previdenciários e a possibilidade de proporcionar a quem a exerce, caso queira, meios que possibilitem a sua migração para outras atividades.

Embora tenhamos a convicção de que a prostituição não é a profissão desejada pela maioria das pessoas que a exercem, as dificuldades de acesso a direitos básicos, principalmente a educação, faz com que jovens a busquem como meio alternativo para ganhar o seu sustento. É impossível extinguir a atividade, como já se verificou com a sua perpetuação ao longo dos tempos. A ideia de vitimizar a prostituta perante a sociedade é uma forma não muito proveitosa de resolver o problema, pois evita o debate, fazendo com que as pretensões legislativas esbarrem e o problema persista. Portanto, faz-se necessária a regulamentação prudente da atividade, a fim de conferir direitos aos profissionais do sexo e ampliar as suas possibilidades diante de suas pretensões.

 

[1] ALBUQUERQUE, Rossana Maria Marinho. Para além da tensão entre moral e economia: reflexões sobre a regulamentação da prostituição no Brasil. 2008. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Sociologia) – Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas. Maceió, 2008.

 

[2] Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 25 de maio de 2017.

[3] ROBERTS, Nickie. As prostitutas na história /Nickie Roberts; tradução de Magda Lopes. – Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 1998.

[4] Disponível em: <https://manaschicas.wordpress.com/category/prostituicao/>. Acesso em 05 de maio de 2017.

 

[5] RIBEIRO, Fernando Bessa. Proibições, abolições e a imaginação de políticas inclusivas para o trabalho sexual. Bagoas, Rio Grande do Norte, n. 2, jan/jun. 2008. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v02n02art01_ribeiro.pdf> Acesso em: 25 de maio de 2017, p 25.

[6] Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=212708. Acesso em 03 de maio de 2017.

[7] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213compilado.htm>. Acesso em 03 de maio de 2017.

 

[8] Assim dispõe o Art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados: Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles (...).

 

[9] Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=104691. Acesso em 12 de maio de 2017.

[10] (Disponível em <http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/legislacao.jsf>. Acesso em 13 de maio de 2017)

[11] O art. 231 do Código Penal, que trazia o crime de “tráfico de mulheres para o exercício da prostituição” foi revogado pela Lei nº 13.444/2016, que instituiu, no mesmo código, o art. 149-A, que trata do crime de “tráfico de pessoas”, absorvendo o objeto do artigo revogado e ampliando o seu rol de possibilidades.

[12] “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

[13] Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=136127. Acesso em 22 de maio de 2017.

[14] Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=266197. Acesso em 23 de maio de 2017.

[15] A aposentadoria especial, uma vez cumprida a carência exigida, será devida ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual, este somente quando cooperado filiado à cooperativa de trabalho ou de produção, que tenha trabalhado durante 15, 20 ou 25 anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Disponível em: <http://www.sitesa.com.br/contabil/conteudo_trabalhista/procedimentos/p_previdencia/a12.html>.Acesso em 21 de maio de 2017.

[16] Assim dispõe o Art. 104 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados: A retirada de proposição, em qualquer fase do seu andamento, será requerida pelo Autor ao Presidente da Câmara, que, tendo obtido as informações necessárias, deferirá, ou não, o pedido, com recurso para o Plenário.

[17] Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=551899>. Acesso em 17 de abril de 2017.

[18] Disponível em: http://renas.org.br/2012/01/23/o-turismo-sexual-no-brasil/. Acesso em 17 de maio de 2017.

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