A professora e a prostituta

Por Joel Carlos Santana Santos | 07/04/2009 | Contos

(Joel Carlos Santana Santos/01.04.09)

 

                Escola Primária Estadual Adelide Pittalacchio Madruga, março de 1990, Feira de Santana, Bahia. É o começo de mais um ano letivo. Janete era a mais jovem e bela professorinha. Trabalhava na escola fazia 5 anos, desde que completou os 18. Era profissionalmente tão precoce quanto elegante e cobiçada. Suas quase duas décadas não previam seu futuro. Era determinada e havia passado no vestibular cedo e logo ingressou no serviço público. Seus pais a gloriavam, espalhavam suas virtudes aos quatro cantos do mundo. Era a menina prodígio.


               
Adorava lecionar. Via em cada uma das crianças, com quem passava todas as manhãs letivas, um promissor cidadão e sonhava vê-los depois de formados, só para poder saber que o que fez ali valeu a pena. Ia, vinha. Passavam os anos e ela ali: a Pittalacchio era seu refúgio.


               
Sua vida profissional fluía tranqüilamente. A vida amorosa também. Janete se preparava para subir ao altar. Júnior era seu príncipe encantado; fidalgo baiano, era um bon vivent. Terminara a faculdade de Relações Internacionais. Visava à vida de diplomata, essa era sua única perspectiva de futuro. Acostumara-se a viajar pelo mundo.


               
Nete, como era carinhosamente tratada por seus pais, prosseguia em sua jornada, cumprindo seu papel, que defendia com unhas e dentes. Ia e vinha. Perdia noites na lida docente. Ao sair da escola, seguia direto a casa e preparava toda a atividade do dia seguinte, além de revisar tudo o que fez: acerto a acerto, erro a erro. Dedicação era seu sobrenome, e a escola sua irmandade. 1997, são passados sete anos. Longos, árduos e de uma dedicação quase religiosa. Janete agora tem duas notícias, uma boa e outra ruim. Uma provinda do governo do estado e outra, de Júnior.


               
Após greves, crises financeiras e um grande período de escassez, a professora recebe um convite para mudar de turno, mudar para as séries maiores e ganhar um pouco mais. Essa era a boa notícia. Júnior recebera dos pais uma viagem à Espanha, presente de aniversário. Iria ficar lá por um ano. Foi, e o ano se passou. Decidiu ficar. Toca o telefone, é ele. A cultura céltica jamais o atraiu, embora essa tenha sido a desculpa que dera. Não iria mais voltar. Disse pretender ficar mais alguns anos.


               
– Sinto muito! – foi apenas o que disse. Desligou. Estava a seu lado a bela Cruz, mulher andaluz que conhecera nas andanças e cuja mão segurava apaixonadamente. Janete, do outro lado da linha e ainda esperançosa de aquilo tudo fosse um trote, mantinha o aparelho ao ouvido e em transe. Por alguns segundos, ouvia o sinal sonoro insistentemente repetido pelo fone [tu, tu, tu, tu, tu, tu, tu...]. Pô-lo no gancho, e – como num passe de mágica – sua vida se desligou no instante em que o apoiou sobre o console. Nada mais tinha razão de ser. Foi abandonada pelo único homem que teve, amava e a quem havia devotado parte de sua vida. Essa era a notícia ruim.


               
Não havia uma só lágrima nos olhos de Janete. Atônita, pôs-se a pensar nos porquês daquilo tudo. Olhava a casa que acabara de comprar e a todo o enxoval comprado nos meses de véspera ao casório. Havia de tudo, do bom e do melhor. Muitos presentes dos amigos, das cunhadas e dos irmãos paulistas, enviados via postagem. O catálogo de vestidos de noiva estava sobre a mesa de tampa de granito polido, caríssima; repousava lá ainda lacrado. Não havia escolhido um. Num rompante e com a força de um suspirar, girou o braço e o apanhou. Na capa, o mais belo de todos. Mas não! A recém-ex-noiva se encantaria por outro. O filme plástico que envolvia a revista fora retirado com avidez. Folheado, abriu-se naturalmente no centro onde ficam os nós dos grampos e da cola. E lá estava ele, o escolhido. Já era tarde: tudo estava abortado, até os sonhos. E o vestido, imponente no corpo do manequim, parecia que lhe caberia como uma luva, de pelica, com a qual tomara o tapa e sua vida havia parado. Solitária, por seu rosto juvenil desce uma lágrima, única. Prenúncio da profunda revolta que logo sentiria, quando atinasse para que aquilo era um caminho sem volta. Secou-a com a mão revolta e decepcionada a ponto de lhe deixar a tez enrubescida. Apagou a luz (era cedo para dormir) e, sem sair do lugar, agaixou-se em meio ao breu. Amanheceu o dia.


               
Não havia voltado mais à escola. Vários chamados e comunicados e nada! Foi exonerada por abandono de serviço. Não via razão em viver e sabia que não poderia ensinar mais nada dali para frente. Não se sentia realizada, porém acreditava que era hora de parar. Foram semanas sem sair da casa nova, desde que recebeu o telefonema. A casa havia sido impecavelmente arrumada. Pôs a réplica caseira do vestido, que cozeu durante a reclusão. Apanhou uma escada das longas, que mal podia carregar. Com esforço a recostou na fachada da casa, puxou o vestido até a altura das coxas, deixando à mostra seu belo par de pernas e subiu. No topo da escada e já com uma platéia, que se formou devido à curiosidade por saber o que a fez sair de casa, apregou uma placa.


               
Lá estava escrito em letras garrafais e em bom português: Vende-se sexo. Noiva que jamais foi amada e que desistiu de aprender a amar.