A PRIMEIRA PAIXÃO
Por Renato Ladeia | 18/12/2017 | CrônicasCom uns sete anos de idade fui fulminado pela primeira paixão. Era uma menina mais velha do que eu, com os cabelos cacheados, uma boca pequena e sedutora e um sotaque ligeiramente caipira. Sedutora? Será que eu sabia o que era isso? Talvez. Seus pais eram do interior paulista e eram muito amigos dos meus. O pai dela era militar e um homem enorme, mas simpático e gentil. Naquele tempo a criançada brincava nas casas umas das outras ou mesmo nas ruas, principalmente no verão. Brincadeiras de roda para as meninas e pega-pega, unha na mula para os meninos. Mas às vezes por falta de quórum, os meninos participavam das brincadeiras das meninas, como no passa anel. Nessa última brincadeira eu tinha a oportunidade de tocar as suas mãos. Como era bom... É claro que eu não tinha chance alguma com ela, pois eu era apenas um pirralho e havia perdido os dentes de leite da frente e exibia um sorriso mil e um.
Lembro-me quando fomos juntos tirar fotografias numa promoção das lojas Pirani, segurando um instrumento musical. O pai dela foi retirar as fotografias de toda a turma e ela foi entrega-las em minha casa. Ao ver-me no portão adiantou que a minha foto ficara a mais bonita. Aquele elogio me fez derreter e de tão emocionado não consegui dizer que a dela devia ter ficado bem melhor, pois já conhecia a frase de galanteio pelas radionovelas. O retrato segurando uma sanfona, com gravata colorida e um suéter de duas cores desapareceu, mas continua firme em minhas retinas fatigadas.
Geni era ou é ainda o seu nome e não sei que fim ela levou. Na minha adolescência ela namorava um rapaz que morava no Ipiranga que vinha todos os sábados e domingos para encontrá-la. Eu sempre via o meu improvável rival chegando com o seu terno azul marinho e gravata estampada descendo a nossa rua. Nessa época ela já não era mais a minha musa, mas nos meus devaneios, bem que gostaria de estar no lugar dele.
Mas num sábado, dia do esperado encontro com a namorada, aconteceu uma tragédia. O moço tomou um ônibus lotado no Ipiranga e ficou pendurado na porta, quando outro veículo o atingiu jogando-o a alguns metros de distância. Correu a notícia de que ele morreu na hora. O bairro inteiro ficou de luto com a história. Fiquei triste pela dor da minha amiga de infância, que tão jovem ficou quase viúva.
Às vezes a encontrava no caminho indo para o trabalho e conversávamos sobre amenidades como o tempo, o trabalho, os estudos. Não tínhamos mais conexão. Nossos tempos de crianças foram ficando tão distantes que pareciam nunca ter existido. Minha paixão também havia sido consumida pelo tempo e pelo fim da infância. Ela havia sumido no mundo sem me avisar e eu ainda ficava a perguntar o que a vida faria de mim, como diria a canção. Mas a Geni continuava alegre, divertida e falante. No caminho ela parava em todas as esquinas para conversar com algum rapaz e pedia que eu a esperasse. Depois da segunda vez, desisti e nunca mais a acompanhei até o ponto de ônibus que ela tomava para o trabalho e eu para o colégio.
O mundo separa as pessoas de repente, sem prévio aviso e sem perguntar se é isso mesmo que queremos. Vamos desatando laços que se perdem nas ruas escuras da memória e quando voltam, são apenas sonhos confusos que lembramos vagamente. Quando ainda passo pelas ruas onde morava ainda sinto um aperto no peito, não pela paixão, mas pela lembrança daqueles velhos tempos em que era sempre verão, com suas noites claras, cheias de estrelas, vagalumes piscando nos jardins e de longe se ouvia as velhas cantigas de roda. A lua era sempre cheia e tão próxima que dava para ver São Jorge em sua luta interminável contra o dragão. Essas coisas deixam a gente comovida como o diabo e o velho Ataulfo Alves se enfia entre as minhas recordações e me cutuca cantando: “Eu era feliz e não sabia”.