A presença das injustiças sociais na Obra Doidinho de José Lins do Rego

Por Ana Aparecida da Rocha | 22/06/2017 | Literatura

A presença das injustiças sociais na Obra Doidinho de José Lins do Rego

 

ROCHA, Ana Aparecida da.

SOUSA, Antonia Patrícia do Santos.

Resumo: Com base na análise da obra de José Lins do Rego, esse ensaio apresenta um levantamento acerca da presença das injustiças sociais que ocorrem no colégio interno, onde assim como doidinho outras crianças sofrem um sistema rígido com castigos físicos e más condições sociais. Além de mostrar uma hierarquia de ensino opressor. Desse modo, na Obra, a instituição onde eles estudam representa a sociedade injusta e opressora.

 

Palavras- chave: Carlos de Melo, colégio interno, hierarquia, injustiças sociais.

 

     A Segunda fase do Modernismo, situada entre 1930 e 1945, foi um período de amadurecimento, principalmente na prosa, onde os romances passam a analisar a realidade de forma crítica, conflitos sociais urbanos e íntimos dos personagens, bem como seu mundo interior.O regionalismo teve grande importância nesta fase, destacando a figura do nordestino sofrido e tratando de temas como a seca, a migração, os problemas do trabalhador rural, caracterizando uma denúncia às injustiças sociais e econômicas.Além da temática regionalista, entraram também os romances urbanos e psicológicos, além da narrativa surrealista.

        As obras de José Lins do Rego estão inseridas na tendência regionalista, nos apresentando seus romances do ciclo da cana de açúcar.Nos romances que pertencem ao “Ciclo da Cana-de-Açúcar”, o espaço físico descrito em quase toda a totalidade nesses romances, ocorre sempre lado a lado na descrição e no confronto apresentados pelo autor através dos seus personagens. A importância dada ao espaço pelo autor, o define como se ele (espaço) fizesse parte do rol dos personagens, porque José Lins define o meio-ambiente no qual se dá o enredo influenciando o eu – interior de cada personagem, suas angústias, suas necessidades, seus medos e suas limitações.     

         Luciana Stegagno Picchio afirmou que graças à José Lins "o regionalismo tornou-se um ato pessoal, um instrumento de realização literária."(PICCHIO, 1981, apud Hafez, 1997, p.26-27). Sarmento ainda reforça sobre as obras de José Lins:

[...] apresentam forte conteúdo memorialista, revelando reminiscências da infância e adolescência passadas no engenho do avô, na Paraíba. Os romances em que tratou da vida nos engenhos, da decadência das velhas estruturas econômicas do Nordeste e dos desmandos dos autoritários senhores de engenho costumam ser reunidos no que ele próprio chamou de “ciclo da cana-de-açúcar”. (2004, p. 152)

          Ao contar a história de sua terra, segundo o crítico Peregrino Júnior, José Lins do Rego nos apresenta um “documentário autêntico de toda a vida do Nordeste: o mandonismo dos coronéis, o conflito entre os patriarcas rurais e os jovens bacharéis fracassados, a luta da indústria (usinas) contra o ‘atraso feudal’ (engenhos)”.Além disso, José Lins do Rego viveu boa parte de sua infância no engenho de seu avô, na Paraíba, e podemos observar que parte de sua obra baseia-se nas memórias e reminiscências desse tempo.

         Doidinho, é um romance que foi publicado em 1933, foi o segundo romance de José Lins do Rego, sendo a continuidade de Menino de Engenho, onde no final deste vai para um colégio interno, chamado de Instituto Nossa Senhora do Carmo, de Itabaiana dirigido pelo professor Maciel. Na obra Doidinho, são relatadas as experiências ocorridas na nova instituição, na nova vida onde serão debatidas questões de lealdade, traições, intrigas e injustiças, como castigos impostos pelo diretor, tudo isso lhe trouxe amadurecimento psicológico, apesar do mesmo considerar-se um homem feito de alma velha, aquele novo ambiente lhe reservava acontecimentos. Ao chegar à Instituição, Carlos logo, percebe sua nova realidade: “Saí chorando. Era a primeira vez que me separava de minha gente, e uma coisa me dizia que a minha vida entrava em outra direção.”( pg.13 )

chega a ter a mão azul de bolo: é de manhã e de noite.”(pg. 14)

          O título da Obra é um apelido da Carlos de Melo, ou Carlinhos, um garoto de 12 anos é quem faz a narração das experiências, no colégio rigoroso, sente-se pressionado naquele novo ambiente e tem como única alternativa aceitar o sistema repressivo. A obra nos apresenta uma denúncia quanto aos problemas sociais, e a forma como as crianças são tratadas no colégio na época, de certa forma é o inverso do que ocorre em Menino de Engenho, pois em Doidinho, o próprio narrador encontra-se inserido dentro de um sistema injusto e opressor, sentindo na pele as suas consequências. Já na primeira obra, ele é apenas um denunciador das injustiças sociais vividas pelos pobres do engenho. Em um dado momento um garoto mais velho relata para Carlinhos sobre o Diretor Maciel o quanto o mesmo é rigoroso com os alunos: “Zé Baú, o irmão dele, apanhava que só cachorro. Seu Maciel não tinha pena. O velho é uma peste: por qualquer coisa está dando na gente. O Chico Vergara da Paraíba do ao protagonista do romance Carlos de Melo, pelos colegas de colégio, como é citado no romance:

Fazia um mês que eu chegara ao colégio. Um mês de um duro aprendizado que me custara suores frios. Tinha também ganho o meu apelido: chamavam-me de Doidinho. O meu nervoso, a minha impaciência mórbida de não parar em um lugar, de fazer tudo às carreiras, os meus recolhimentos, os meus choros inexplicáveis, me batizaram assim pela segunda vez. Só me chamavam de Doidinho. (pg.19)

Carlos descreve o colégio no momento da refeição como uma espécie de prisão, que os alunos são tratados e vistos como prisioneiros que são impostas regras, no qual os alunos não possuem direito de questionar, devem aceitar tudo. Percebemos isso na hora do jantar:

Estavam chamando para o jantar. Descemos uma escada para a sala de refeições. Uma mesa grande para todos. O seu Maciel na cabeceira, d. Emília e o pai dela de lado, e a negra Paula servindo. Quando me botaram o prato de feijão, recusei: — Não gosto de feijão. — Pois é o que o senhor tem de comer aqui todos os dias. Engoli, com um nó na garganta, a minha primeira boia de prisioneiro. — Se o senhor quiser escolher comidas, vá para o hotel. Isto com uma voz seca, estridente, atravessando o interlocutor de lado a lado. O resto dos meninos olhando para o prato, devorando a ração num silêncio de igreja. (pg. 14)

            O colégio como um todo, o diretor, os alunos e funcionários são a representação de uma sociedade injusta contra a qual o protagonista se opõe. É interessante destacar que injustiça Social nada mais é do que o fato de existir na sociedade situações que favoreçam apenas uma porcentagem (geralmente menor) da população enquanto outra parte fica sem acesso aos meios, essenciais ou não, para o homem. Assim sendo, outra questão importante é a hierarquia presente no colégio refletido pelos lugares à mesa. O Diretor Maciel ocupava a cabeceira como se fosse um soberano que todos tinham que respeitar , obedecer e temer.Ainda sobre o momento do jantar o menino Carlinhos refere-se à comida como “ração”, o que nos remete que a comida não era apropriada para aqueles alunos, mas como para os pobres, percebemos ainda a questão do preconceito racial, ao referir-se a cozinheira como “negra”. O diretor Maciel passa a imagem de carrasco, causando medo aos alunos da instituição:

Pareceu-me aí o diretor uma figura de carrasco. Alto que chegava a se curvar, de uma magreza de tísico, mostrava no rosto uma porção de anos pelas rugas e pelos bigodes brancos. Tinha uns olhos pequenos que não se fixavam em ninguém com segurança. Falava como se estivesse sempre com um culpado na frente, dando a impressão de que estava pronto para castigar. (pg. 14)

 

          No colégio não importava o contexto econômico dos alunos, todos eram tratados com as mesmas regras rigorosas, caso não cumprissem deveriam receber castigos físicos, que segundo o diretor era uma forma de manter o aprendizado e a ordem na instituição. Sobretudo, Carlos aos poucos ia descobrindo como era a convivência no internato:

Ninguém podia trocar palavras. Falava-se aos cochichos, e para tudo lá vinha: é proibido. A liberdade licenciosa do engenho sofria ali amputações dolorosas. Preso como os canários nos meus alçapões. Acordar à hora certa, comer à hora certa, dormir à hora certa. E aquele homem impiedoso para tomar lições, para ensinar à custa do ferrão o que eu não sabia, o que não quisera aprender com os meus professores, os que não me davam porque eu era neto do coronel Zé Paulino. Agora não havia mais disso. Era somente um Carlos de Melo como os outros, menino atrasado [...] . (pg. 16)

         Carlos, protagonista da obra, tinha um grande sonho que era voltar para casa, pois naquele local sentia-se extremamente infeliz diante desse sistema tão rigoroso, onde ele e as outras crianças eram repreendidas todo o momento, consequentemente isso iria prejudicar o comportamento das mesmas. A Personagem D. Emília, esposa do diretor Maciel, aparentava uma fisionomia doce e até simpática, entretanto apresentava o mesmo comportamento de seu esposo, aplicando o mesmo método de punição, e ficava responsável pela educação dos mais pequenos.  É interessante ressaltar as más condições sociais que os alunos viviam na instituição, no qual eles tinham que adaptar-se a situação imposta pelo colégio:

Tanto luxo com os móveis e a casa, e, no entanto nos deixava na maior imundície. Os panos da cama passavam meses sem se lavar. E os percevejos engordavam no nosso lombo. Banho duas vezes na semana. De cuia, quando não íamos ao rio. O sabão estava na água salobra da cacimba, e os piolhos multiplicavam-se nas nossas cabeças.  ...O pescoço da gente criava lodo. Mas sujássemos a roupa antes do dia marcado, que o bolo lembraria ao pobre que o sabão do diretor custava dinheiro. (pg. 61).

          Nesse trecho fica evidente as condições precárias que os alunos eram submetidos e a falta de higiene, que ao longo dos dias acarreta na morte de um dos alunos, que por sinal desde que entrou no colégio não foi visitado por nenhum parente e diante de tais condições fica  isolado dos outros, como se fosse uma aberração por causa de saúde e higiene.

O convívio no colégio não era fácil, pois Carlos além de demonstrar fraqueza para os estudos por conta do medo de levar um bolo tinha um nervosismo que o atrapalhava nas suas lições e o deixava sempre exposto a apanhar. Mas no decorrer dos dias encontra amigos bons, e tem a oportunidade de ampliar as relações e os seus conhecimentos.

        Diante dessa situação, os alunos tinham ânsia de liberdade. O que ainda levava a essas crianças uma espécie de fuga daquela prisão eram os passeios que podiam fazer duas vezes por semana, que eram guiados pelo velho Coelho que era o sogro do seu Maciel, mas que tinha o coração bom e gostava dos alunos e repreendia o modo pelo qual os alunos eram expostos a estudar. Outro motivo para esquecerem os problemas que os afligia foi à chegada de um cinema: “Às terças e aos domingos pagava cada um quinhentos réis para o espetáculo da noite. Invenção maravilhosa esta, que nos ajudava a levar o tempo, a furar os meses com o pensamento nas fitas.” (REGO, 2006, p. 188).

        Com a chegada do cinema na cidade, Carlos sentiu vontade de vivenciar coisas novas e ficava ansioso para assistir os filmes e sair falando das aventuras de seus heróis preferidos.

Também há de ressaltar que mesmos com os avanços de Carlos no colégio, quando volta das férias, ele se depara com seus nervosismos que novamente o atrapalha, na questão em aprender a marchar, e isso faz com que seu Maciel lhe castigue duramente, deixando o de fora do desfile de sete de setembro. Assim Carlos se revolta e consegue fugir para a fazenda de seu avô.

       Desse modo, verificamos que Carlos de Melo, após entrar no internato passa por diversas injustiças sociais, pela palmatória e a repreensão, onde o mesmo teve que conviver e aceitar essa nova vida, ainda que tenha adiantado seu aprendizado, ele ainda sente saudade de sua vida no engenho. Ao final, Carlos foge do colégio, que representa a sociedade injusta contra a qual ele se opõe, em busca de sua liberdade.

        O propósito desse trabalho foi analisar as injustiças sociais dentro da obra de forma a mostrar um sistema rígido e opressor diante de uma sociedade injusta, opressora e incapaz de lidar com os sentimentos de uma criança em fase de amadurecimento.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura Brasileira em diálogo com outras literaturas. 3 ed. São Paulo, Atual editora, 2005, p.454-6.

COUTINHO, Afrânio (dir.). “José Lins do Rego” Coleção fortuna crítica 7. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

http://www.coladaweb.com/sociologia/injustica-social. Acesso em 19 de janeiro de 2016.

PICCHIO, Luciana Stegagno. "Éscritureetidéologie de José Lins do Rego, 'menino de engenho'" in La LittératureBrésilienne. Paris, PressesUniversitaires de France, 1981.

SARMENTO, Leila Lauar. Português: literatura, gramática, produção de texto: volume único. São Paulo: Moderna, 2004.

SILVA, Marina Cabral Da. "O Modernismo no Brasil – 2ª fase"; Brasil Escola. Disponível em . Acesso em 19 de janeiro de 2016.