A Prática Jornalística Em Ilusões Perdidas, De Honoré De Balzac
Por Paulo Araújo | 22/09/2008 | ArteA PRÁTICA JORNALÍSTICA EM ILUSÕES PERDIDAS, DE HONORÉ DE BALZAC
Considerada a maior obra de Honoré de Balzac, um dos mais aclamados romancistas franceses, Ilusões Perdidas conta a história de Luciano de Rubempré, jovem promissor que, apoiado por seu grande amigo David Séchard e por sua amante Senhora de Bargeton, deixa a vida provinciana na pequena Angoulême para buscar a glória literária na aristocrática Paris.
Ao se deparar com as agruras da vida de escritor em Paris, Luciano acaba por buscar satisfazer suas ambições através do jornalismo. É na atividade jornalística que Balzac destila toda a acidez de sua prosa.A incursão de Luciano de Rubempré no Jornalismo mostra este campo como uma das facetas mais podres da sociedade francesa do século XIX. Balzac nos dá um mundo de figuras vis e totalmente desprovidas de ética: os jornalistas.
Os jornalistas são retratados como meros vendedores de opinião, o jornal não passa de uma ferramenta para trocas de influência e de produtos. Esta visão fica clara através de Vernou, um dos personagens que dão voz aos jornalistas na obra.
- O senhor então assume tudo o que escreve? – disse-lhe Vernou, brincalhão. Acontece que somos negociantes de frases, vivemos de nosso comércio. Quando quiser fazer uma grande bela obra, um livro enfim, poderá nele lançar os seus pensamentos, sua alma, entregar-se a ele; mas artigos lidos hoje, esquecidos amanhã, a meus olhos, só valem o que se paga por eles. (BALZAC, 1994, p.302).
Nessa citação, também está expressa uma das reflexões de Balzac sobre o jornalismo: sua inferioridade à literatura. Se o jornalista é um degenerado vendedor de palavras, o verdadeiro literato seria aquele que expressa com beleza e verdade sua opinião. Por isso, a degradação de Luciano é inevitável, já que ele despreza sua verve poética para mergulhar no mundo enlameado do jornalismo.
Embora o aspecto vil do jornalismo e a natureza maquiavélica dos jornalistas sejam retratados de modo próximo ao maniqueísmo, as contradições vividas por Luciano de Rubempré desde sua saída de Angoulême até sua derrocada em Paris mostram o modo complexo pelo qual Balzac trata suas personagens, aproximando-as da real condição humana, eivada de contrastes e anseios.
Ascendendo rapidamente no meio jornalístico, Luciano torna-se influente, respeitado e temido. Agindo conforme o "modo profissional" de seus colegas de ofício, o jovem jornalista sucumbe aos prazeres de sua nova condição. A sensação de poder adquirida encanta-o, fazendo-o julgar-se dentre os mais altos círculos sociais e intelectuais de Paris. Acompanhado de uma bela amante, a devotada Corália, trajando roupas finas e portando-se como um aristocrata, Luciano de Rubempré vê-se com o poder de, apenas com sua pena, destruir ou glorificar carreiras literárias através de seus artigos.
A influência dos demais jornalistas na produção de Luciano e a idéia de jornalismo como um negócio, explicitada na citação de Vernou, remetem-nos à teoria organizacional do jornalismo, explanada por Felipe Pena segundo estudos de Warrem Breed.
Para Breed, o contexto profissional-organizativo-burocrático exerce influência decisiva nas escolhas do jornalista. Sua principal fonte de expectativas, orientações e valores profissionais não é o público, mas o grupo de referências constituído pelos colegas e superiores. [...] Em outras palavras, ele se conforma com as normas editoriais, que passam a ser mais importantes do que as crenças individuais. (PENA, 2005, p. 136).
Balzac expõe a relação da imprensa com o mercado editorial e teatral, bem como o comprometimento político-partidário dos jornais, que eram claramente identificados com determinada corrente política. Para o autor francês, era impossível a idéia de uma imprensa não atrelada a valores político-econômicos que a manipulam, e tal manipulação seria realizada pelas elites culturais e políticas da sociedade. Nesse ponto, Balzac aproxima-se novamente de uma teoria do jornalismo. Desta vez, da teoria instrumentalista. "Pela teoria instrumentalista, as notícias servem objetivamente a determinados interesses políticos" (PENA, 2005, p. 146).
O enfoque dado à prática jornalística por Balzac é válido, já que expõe um lado presente em jornais do século XIX até os dias de hoje, porém é limitado por conta de seu aspecto generalizante. O profissional da imprensa apresenta-se como um ser destituído de moral e facilmente corrompível: ou o jornalismo é o lugar para todos aqueles que não respeitam os mais simples preceitos éticos ou todo aquele que adentra o jornalismo descarta rapidamente estes preceitos.
Os questionamentos acerca da prática jornalística levantados com a leitura de Ilusões Perdidas demonstram a validade da obra após mais de 150 anos de sua feitura. Honoré de Balzac já explicita um contexto do jornalismo aplicável a teorias que só viriam a ser bem desenvolvidas mais de um século após a primeira publicação da saga de Luciano de Rubempré. E é através deste personagem, que ignora a ética jornalística por conta de sua ambição, que refletimos não apenas sobre a natureza do jornalista, mas sim sobre o comportamento do homem na sociedade contemporânea.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALZAC, Honoré de. Ilusões Perdidas. Tradução de Maria Lúcia Autran Dourado. Rio de Janeiro: Ediouro, 1994.
PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005.