A Possibilidade Libertaria e Intercultural da Filosofia Africana com Locus e Focus em Moçambique

Por Melordino Jose Simbine | 24/06/2019 | Filosofia

Melordino José SIMBINE[1]

Samuel Silvestre Zaqueu[2]

Resumo                                                                                                

Os problemas aqui tratados referem-se, no entanto, sobre a possibilidade libertária e intercultural da filosofia africana com locus e focos em Moçambique. Para uma melhor análise e reflexão sobre o presente trabalho, numa primeira fase fez-se uma abordagem filosófica em torno da figura de um filósofo, porém no contexto da filosofia africana; na segunda fase trata-se de uma abordagem em torno da liberdade no contexto da filosofia africana; na terceira fase aborda-se sobre a possibilidade libertária da filosofia africana e; por último fez-se uma análise da interculturalidade da filosofia africana com locus e focos em Moçambique. Trata-se de um trabalho baseado numa pesquisa bibliográfica, cuja revisão da literatura teve o seu em foque nas referências que tratam sobre a filosofia africana como é o caso de BONO, CASTIANO e NGOENHA.

Palavra-Chaves: Possibilidade Libertaria; Intercultura; Filosofia Africana.

[1] Licenciado em Historia e Mestrando em Ciências Politicas e Estudos Africanos e Docente da Universidade Pedagógica de Moçambique – Faculdade de Ciências Sociais e Filosóficas

[2] Licenciado em Filosofia e Mestre em Educação;

  1. A Possibilidade Libertária e Intercultural da Filosofia Africana com Locus e Focos em Moçambique

A possibilidade libertária e intercultural da filosofia africana é um problema complexo quando confrontada pelas questões “o que é a filosofia africana? como fazer a filosofia africana ser uma filosofia útil e universalmente aceite no contexto da globalização e intercultural?”. O método adequado para responder essas questões é necessário primeiro compreendermos “quem é o filosofo? e como faz a filosofia?”, seguidamente, trataremos da liberdade; da possibilidade libertária e; da interculturalidade, no contexto da filosofia africana, respetivamente.

  1. O filósofo e a filosofia africana

Filosofia é essencialmente uma atividade reflexiva. Omoregbe citado por Nogueira no seu artigo sobre a “A filosofia africana: Ontem e Hoje”, entende que filosofar é refletir sobre a experiência humana para responder algumas questões fundamentais (culturais, políticas, educacionais, económicas, religiosas, sociais, etc.) a seu respeito.  Quando o ser humano reflete buscando a si mesmo ou o mundo que o cerca, ele está tomado pelo “espanto” (...) e, ao refletir sobre estas questões fundamentais na busca de respostas, ele está filosofando. Parafraseando, o “espanto”, de acordo com Platão e Aristóteles está na base do nascimento da filosofia. “É, no entanto, através do espanto que os homens começam a filosofar” como afirma Aristóteles, ademais, Platão diz que não há outro ponto de partida para filosofia que este, o “espanto”. Portanto, o primeiro passo para a atividade filosófica é o “espanto” que acompanha a experiência humana consigo e com o mundo ao seu redor. Este espanto abre caminho para algumas questões fundamentais, eis o segundo passo. O terceiro passo é tomado quando o ser humano começa a refletir sobre estas questões fundamentais na busca de respostas. Neste estágio, o homem em questão está filosofando, se ele registrar suas reflexões temos por escrito um trabalho filosófico.

Um dos aspectos muito importante que Ngoenha apresenta na sua introdução da sua obra intitulada “Das Independências às liberdades” é a chamada de atenção que faz ao leitor logo no primeiro paragrafo: “Em cada momento histórico e em cada ambiente cultural, o filósofo é chamado a fazer emergir a questão do sentido total e dinâmico da situação específica em que lhe cabe viver.” É preciso salientar que, o autor conduz-nos à um campo de reflexão, mas antes chama atenção sobre a figura do filosofo, querendo, no entanto, afirmar que um filosofo desempenha um papel importante nos assuntos, factos, acontecimentos ou conjunturas históricas que caracterizam ou caracterizaram uma sociedade (espaço) num determinado momento (tempo) histórico. Portanto, cabe ao filósofo analisar profundamente os resultados dos factos históricos (político, económico, social, cultural, psicológicos, etc.) de uma sociedade. Portanto, é evidente que, para Ngoenha o pensamento, a filosofia, tornam possível o amanhã.

Ngoenha quando introduz o seu primeiro capítulo sobre a historicidade e etnicidade, começa por dizer que “Para pensar o universal, cada homem parte da sua situação especifica, partícular. Quem pensa o universal é sempre um homem singular, pertencente a um grupo particular, situado no espaço e no tempo.” Portanto, a partir deste pensamento de Ngoenha, ouso-me afirmar que não existe uma história universal, uma cultura universal (…) e não existe um pensamento lógico no discurso que alega que, a África por exemplo, é um continente sem história, sem cultura se se comparasse com o Ocidente. Cada sociedade tem as suas particularidades histórica, social e cultural. Um pensamento lógico, seria aquele que reconhece essas particularidades existentes em cada sociedade como sendo específicas e impulsionadoras da dinâmica do desenvolvimento dessas sociedades.

 

  1. A liberdade no contexto da filosofia africana

Antes de abordarmos sobre a possibilidade libertaria e intercultural da filosofia africana com locus e focus em Moçambique é preciso discutir o conceito liberdade numa perspectiva filosófica. Assim, Moto (2015: 128) trata da liberdade na visão do Croce afirmando que ela deve ser entendida como uma ética universal e, enquanto que Hayek (2014: 27) entende que a liberdade é “independência da vontade arbitrária de outrem”. Portanto, entende por liberdade, na visão de Castiano (2010: 192), como sendo a condição única que o ser humano possuir de agir livremente, ou seja, agir na base do conhecimento que possui sobre as leis que condicionam a sua acção perante a natureza; ademais, a liberdade é a possibilidade do ser humano poder agir sem coerção ou impedimento, poder determinar-se a si mesmo com base na sua consciência[1].

Para Bono (2014: 152) a liberdade é reconhecer o Outro como ser humano, livre como eu. O Outro colectivo (raça, género, religião, politica, cultura, a sua estrutura social, a sua condição económica, etc.) não deve sufocar o Outro individual. O outro individual pode ter uma identidade híbrida, sem que tal conduza a um choque (civilização?); não deve catalogar raças ou etnias ou grupos religiosos como se todos fossem da mesma forma: cada um pode conviver com os outros mantendo identidades diferentes.

Evidentemente, o conceito que Bono nos propõe sobre a liberdade faz-nos perceber que só há liberdade, primeiro, quando um individuo age segundo as suas orientações culturais, porém, reconhecendo a cultura de outrem; segundo, Bono acredita e dá aso ao dinamismo cultural, que possível e consequentemente, nasça uma civilização impulsionada pelo reconhecimento do Outro com o Outro dentro da liberdade e; terceiro sublinha que a liberdade deve ser convivida dentro de um processo da aculturação, através do qual, entre as culturas que se encontram no mesmo espaço, que convivem na liberdade sob o reconhecimento do Outro, não haja uma extinção dos valores culturais em nenhuma das culturas, mas sim uma aprendizagem sobre diferentes formas culturais. Portanto, a liberdade deve ser definida sob ponto de vista do reconhecimento do Outro como um ser livre. 

Este pensamento de Bono, Moto e Hayek acima citado, é lógico partindo de uma visão teórico científico, porém a praxe moderna da visão ocidental sobre a pessoa do outro mundo (não igual ao ocidental) mostra que o Outro-não ocidental devia ser visto como um oprimido que não devia gozar da sua liberdade, mas sim manifesta-se como um Ocidental. Eis, a razão que a metrópole portuguesa definiu a pessoa indígena das suas colonias como sendo “selvagem[2]” um ser inconsciente sobre a sua vida, um ser pré-lógico, um ser primitivo, um ser ainda em evolução, etc., que devia ser submetido a um processo de inculturação[3] baseado na teoria do darwinismo. Na prática, aos negros africanos era negado ser africano, mas sim, deviam-se tornar ocidentais. Estima-se, que sejam 500 anos que o africano teve com o ocidental, mas foi sempre um período de uma negação objectiva da liberdade do africano. O período que se segue e característico de praxe contemporâneo, é historicamente denominado de pós-independência, que se traduz em “pós-liberdade[4]”. Mas, que liberdade? Seria de liberdade ou da presença coerciva em pessoa “do ocidental” em África? A libertação necessária não é apenas a independência e autonomia, como afirma Bono (2014:153), mas uma liberdade epistémica, ou seja, “liberdade do sujeito africano de falar por si, de construir o seu próprio discurso sobre a sua condição de existência (…); trata-se de liberdade de ter o direito de ser o sujeito da sua própria história e do pensamento sobre si mesmo (…). Embora o ocidental saiu de África, porém deixou o seu legado ideológico (político, social, cultural, económico, educacional, etc.), e continua já, no Ocidente impondo suas ideologias estrategas, através das quais o africano tenta criar a sua personalidade. Mas, a ideia é reconstruir a “sua identidade”! É possível reconstruir a identidade africana, sem antes libertar-se das ideologias[5] “ocidentais”? Aqui nasce, a ideia da possibilidade libertaria e intercultural da filosofia africana. [...]

Artigo completo: