A POSSIBILIDADE DO TESTAMENTO GENÉTICO NO BRASIL SOB...

Por Emmelyne Katarine Rocha Guimarães | 29/11/2016 | Direito

A POSSIBILIDADE DO TESTAMENTO GENÉTICO NO BRASIL SOB A PERSPECTIVA DA UTILIZAÇÃO DE GAMETAS PARA INTERESSE PRÓPRIO[1]

Emmelyne Katarine Rocha Guimarães[2]

Rosana de Oliveira Aragão2

Anna Valéria de Miranda Araújo Cabral Marques[3]

 

RESUMO

A especialização a qual avocou o tema ora proposto referencia a concepção de um novo instrumento jurídico a ser introduzido no direito das sucessões, invocado por “testamento genético”. Por conseguinte, demonstrar-se-ão todas as possibilidades fáticas e jurídicas que tornarão legais e legítimas a existência dessa diferente forma de testamento através da junção do testamento ordinário com a inseminação artificial homóloga post mortem, envolvendo assim questões relativas ao biodireito e à bioética. Nesse diapasão, serão avaliadas todas as características do testamento genético e as possíveis intervenções e mudanças que poderão ocorrer com o nascedouro dessa inovadora tipologia testamentária no ordenamento jurídico como um todo, mas com ênfase na área dos direitos de família e sucessões. Mediante esses objetivos, serão realizados de antemão, um estudo acerca do testamento ordinário, o que poderá refutar numa possível aplicação dos direitos sucessórios no testamento genético; e também, uma análise da consistência de uma inseminação artificial homologa post mortem, de acordo com a ética da medicina, e principalmente com a questão de presunção de paternidade perante a situação elencada no inciso III do artigo 1.597 do Código Civil. Dar-se-á, portanto, um viés acerca da concretude do testamento genético quanto ao seu objeto palpável e ao seu direito, sendo o primeiro relativo aos gametas congelados, e o segundo, à inclusão do objeto como um bem testamentário, sob aexpressa alusão no testamento ordinário. Tal visão irá realizar uma síntese vinculativa do testamento genético com o testamento ordinário, a fim de se criar um pressuposto de existência jurídica do testamento genético.

INTRODUÇÃO

A evolução da medicina corroborou com o surgimento de novas formas para a concepção de um filho, realizadas através das vias artificiais, com inseminação homóloga ou heteróloga, pela implantação do sémen ou do embrião no útero, o que ocasionou até mesmo o surgimento de barrigas de aluguéis. A partir desse contexto, houve a necessidade da evolução do Direito, principalmente na área do direito de família, dada pela presunção de paternidade elencada nos incisos III e IV do art. 1597 do Código Civil, além de outras mudanças legislativas derivadas dos avanços tecnológicos em geral, especialmente da medicina. O direito, assim, como qualquer outra área, deve acompanhar as novas realidades sociais, haja vista que as leis emanam do povo, e não o contrário. Em consonância a esse entendimento, entra em voga a figura do testamento genético como um novo instrumento jurídico correspondente ao direito das sucessões, junto às espécies testamentarias já existentes. Essa nova tipologia testamentária pode ser dada em favor da própria evolução do direito de família, haja vista que esta área jurídica se encontra em constante transformação, sobretudo devido ao aparecimento das mais diversas entidades familiares, o que contribui para a remodelação de todo o ordenamento jurídico.

A viabilidade do testamento genético se encontra pautada na evolução da ciência como um todo, tangente às técnicas de inseminação artificial realizadas com óvulos e sémens congelados, o que vêm ocorrendo com frequência nas clínicas de reprodução assistidaquando casais heterossexuais, homoafetivos ou até mesmo pessoas que querem ter uma produção independente desejam ter filhos, sob a impossibilidade pelas vias naturais.E, a finalidade que avoca a formulação desse testamento consiste exatamente na vontade de se ter um filho, mas após a morte, devido à mesma impossibilidade a qual é levada a recorrer à inseminação artificial. Entretanto, dentro dessa finalidade, encontra-se em pauta o pouco tempo de vida que o testador saberá que irá ter, devido a alguma doença incurável. Entretanto, o desejo de se tornar pai ou mãe, faz com que ele(a) recorra à feitura de um testamento “híbrido”, onde ao mesmo tempo em que há uma menção expressa para a utilização do seu gameta que irá ser congelado, há também o próprio objeto do testamento, consistente nos gametas congelados na clínica. Tal fato já reluz à uma breve existência deste nas próprias clínicas – mediante a existência da “inseminação artificial post mortem –, o que influenciou na concepção de um testamento genético apenas para a entrada desse processo dentro do ordenamento, fazendo assim com que haja a incidência das normas atinentes a sua regulamentação no âmbito jurídico.

Em razão desse entendimento lógico, tornou-se possível fazer uma alusão ao testamento ordinário como meio garantidor do testamento genético, havendo assim entre ambos uma correlação lógica em relação à declaração de vontade do testador. Mediante a figura testamentaria já existente no ordenamento jurídico, onde o testador declara em vida até cinquenta por cento de seu patrimônio aos herdeiros por ele escolhidos, dar-se-á a este também uma declaração relativa à finalidade da posterior utilização de seu sémen ou óvulocongelado, incluindo assim o testamento genético no testamento ordinário.

1 O TESTAMENTO GENÉTICO

A motivação que ensejou o surgimento do testamento genético encontra-se pautada por dois fundamentos: o desejo de querer ter um filho, embora o genitor testador não possa conhecê-lo e a possibilidade deste tornar-se herdeiro, ao passo que, todo e qualquer filho deve ser naturalmente um herdeiro necessário. Entretanto, o direito das sucessões não acolhe um filho concebido após a morte de seu genitor como um participante dos direitos sucessórios deste. Apenas o Direito de Família incluia inseminação artificial homólogapost mortemnas situações em que se aplica a presunção de paternidade relativa, relativas aos incisos III e IV do art. 1.597 do Código Civil. Pode-se dizer então que o testamento genético tem como finalidade alcançar essas hipóteses de presunção de paternidade, as quais se encontram possíveis o reconhecimento de um filho, porém sem o direito de herança, fato que gera uma brusca contradição dentro do próprio Direito. Sendo assim, o testamento genético surge como um meio para desfazer esse confronto entre direitos de paternidade e sucessórios, sob a questão que o primeiro automaticamente deve presumir o segundo. Porém, como já demonstrado no tópico anterior, para haver esse tipo de inseminação, necessita-se de uma determinação expressa do doador, o que poderia ser realizada dentro de um testamento ordinário, com será demonstrado posteriormente.

1.1 Características

O testamento genético constitui como um instrumento jurídico que viabiliza a inseminação artificial post mortem com a manifestação de vontade do testador em ter um filho após sua morte, determinando qual será o outro genitor de seu futuro filho, o que geralmente se encontra na figura da(o) própria(o) companheira(o). Em um conceito mais robusto, explica o autor Jones Figueirêdo Alves:

É o denominado “testamento genético”, quando os futuros pai ou mãe, doadores de sêmens ou óvulos, deixam instruções inscritas no sentido de o material genético congelado ser utilizado para a concepção e nascimento de seus filhos, após suas mortes, com escolha pessoal de quem os utilize. Escolha feita pelo próprio testador ou pessoa por ele indicada. Em resumo: o material genético passa a se constituir um bem de inventário, destinando-se servir à procriação do(a) falecido(a) (2014). 

Segundo o autor, o material genético, objeto respectivo do referido testamento, torna-se um bem de inventário, destinado para a finalidade de procriação. Assim como o testamento ordinário também consta como um bem de inventário e tem a finalidade de deixar parte do patrimônio ou bens para alguns herdeiros, assim também ocorre com o testamento genético, possuindo, portanto as mesmas características essenciais daquele testamento comum. Ademais, assim como todo testamento possui um objeto, sendo o ordinário composto por bens patrimoniais – referentes à cotas da herança ou bens de legado – o testamento genético também tem o seu, sendo nada mais que o material genético congelado.

O único país que admitiu judicialmente a existência de testamento genéticofoi Israel, em um precedente de 2011, o que ensejou a demanda e posterior aprovação de mais treze testamentos até o presente momento. Em decorrência desse fato, tornar-se-á factível formular um conceito mais concreto sobre o que venha a ser esse novo instrumento jurídico em ascensão, para que assim, haja um melhor entendimento em relação a seus aspectos em geral, para que assim ele possa vir a ser enquadrado no ordenamento jurídico brasileiro.

O precedente judicial israelense (2011) admitindo que a liberação de material genético, guardado em bancos de criopreservação, pudesse ser definida por vontade de seu titular, através dos “testamentos genéticos”, ensejou novas demandas judiciais. As cortes de Israel aprovaram, em seguida, a execução de outros treze testamentos (ALVES, 2014).

Assim, o autor traz um conceito mais real do que vem a ser essa modalidade de testamento, de acordo com o fato declarado e dirimido na demanda. Portanto, a definição auferida recorre à mesma pronunciada ao longo de todo o trabalho, corroborando com o bom entendimento da finalidade do tema ora proposto. Em síntese, o testamento genético é constituído pelo óvulo ou sémen do testador falecido seguida de sua manifestação de vontade em ter um filho, avocando, quanto à esta última característica, a necessidade de um testamento comum para a expressa declaração. Embora a inseminação artificial post mortem necessite de uma manifestação expressa, essa não se encontra em nenhum testamento, mas na própria clínica de reprodução assistida ou com alguma pessoa da família do “de cujus”, haja vista que o Conselho Federal de Medicinadetermina a necessidade de autorização prévia pelo “doador” do material genético. Em decorrência desse fato, para que haja a existência do testamento genético na esfera jurídica e os possíveis direitos sucessórios, necessita-se que a declaração esteja expressa no testamento ordinário, concedendo assim, validade e maior segurança jurídica.

 

 

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