A POSSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO...
Por Marcos Henrique Sacramento Brito | 20/10/2016 | DireitoA POSSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM REMESSA NECESSÁRIA[1]
Marcos Henrique Sacramento Brito e Mozaniel Vaz da Silva[2]
Sumário: Introdução; 1 A Fazenda Pública no Processo Civil; 1.1 Conceito de Fazenda Pública; 1.2 Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública: Isonomia e Interesse Público; 2 Artigo 475 do Código de Processo Civil e a Remessa Necessária; 2.1 Natureza Jurídica da Remessa Necessária; 2.2 Cabimento; 2.3 Procedimento; 3 Do Recurso Especial; 3.1 Possibilidades de cabimento do Recurso Especial em Remessa Necessária; Conclusão; Referências.
RESUMO
O presente artigo pretende realizar uma análise crítica quanto à possibilidade de Recurso Especial contra acórdão proferido em Remessa Necessária. Inicialmente, discorrer-se-á sobre a Fazenda Pública em juízo, abordando primeiramente o conceito de Fazenda Pública, seguido pelas prerrogativas processuais que esta possui, confrontando-as com o princípio da Isonomia e do Interesse Público. Posteriormente, tratar-se-á do art. 475 do Código de Processo Civil e a Remessa Necessária. Neste item do presente paper, serão abordados temas como a natureza jurídica da Remessa Necessária, esclarecendo se o reexame necessário consiste ou não em uma espécie de recurso, bem como as suas hipóteses de cabimento e o procedimento deste instituto do processo civil brasileiro. Por fim, demonstrar-se-á as características gerais do Recurso Especial que culminará com o ponto principal deste trabalho, que consiste na análise e verificação da possibilidade de cabimento do Recurso Especial em Remessa Necessária, alvo de embate doutrinário e jurisprudencial no ordenamento jurídico brasileiro, sobre tudo na seara do direito processual civil.
PALAVRAS-CHAVE: Fazenda Pública. Remessa Necessária. Recurso Especial. Recurso Especial em Remessa Necessária.
INTRODUÇÃO
A chamada Fazenda Pública é entendida como um conceito que denomina os entes de direito público interno, quais sejam: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além das autarquias e fundações públicas. Sabe-se também que a Fazenda Pública configura como um dos maiores litigantes da Justiça brasileira, uma vez que a seus cuidados estão entregues os interesses da sociedade, especialmente em relação ao erário público. Ou seja, a Fazenda Pública nada mais é do que o próprio Estado que, como tal, se vê situado em uma malha de relações envolvendo a Administração Pública e o processo.
Por conta dessas características e responsabilidades, a Fazenda Pública recebe um tratamento jurídico diferenciado em relação aos particulares, assegurado por uma série de prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe garante. Dentre essas prerrogativas está a chamada remessa necessária, também conhecida como reexame necessário, duplo grau de jurisdição obrigatório ou recurso exofficio. A remessa necessária tem suas hipóteses previstas no art. 475 do CPC, no qual o inciso I prevê que sentença contra a Fazenda Pública estará sujeita a duplo grau de jurisdição e não produzirá efeitos enquanto não for julgada pelo tribunal. O art. 475, §1°, diz ainda que, independentemente de apelação, será ordenado o reexame necessário. Ressalta-se, ademais, que a remessa necessária não está prevista no rol taxativo dos recursos do art. 496, o que permite compreender que esta não pode ser considerada um recurso propriamente dito, mas que configura um meio de devolver o processo ao Judiciário para reapreciação.
Em relação ao fato da Fazenda Pública ter a prerrogativa de apelar ou não contra sentença desfavorável a ela, uma vez que haverá de todo modo o reexame necessário, surge na doutrina e na jurisprudência divergências a respeito do cabimento de Recurso Especial contra acórdão oriundo da Remessa Necessária. Há a corrente que entende o não cabimento do recurso por ter ocorrido preclusão lógica decorrente da não interposição voluntária da apelação. Contudo, a outra corrente compreende ser possível tal hipótese devido à inexistência, de fato, de preclusão lógica nessa situação, haja vista que a regra do reexame necessário é um privilégio da Fazenda Pública e que não indica qualquer desinteresse recursal ou perda de prazo. É sobre essa controvérsia específica do direito processual civil que se debruça o presente estudo, visando analisar de forma concreta as posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema, levando em consideração as possibilidades da Fazenda Pública frente suas prerrogativas e regime processual diferenciado.
1 A FAZENDA PÚBLICA NO PROCESSO CIVIL
1.1 Conceito de Fazenda Pública
A Fazenda Pública é conhecida como o conjunto de órgãos da Administração Pública responsáveis por organizar e cuidar das finanças do Estado, tendo como principais funções a gestão das receitas e despesas estatais, a arrecadação e fiscalização de tributos e o gerenciamento dos recursos financeiros, isto é, a designação Fazenda Pública está intimamente ligada ao orçamento do Estado e à política econômica do Governo.
No Direito Processual, contudo, o termo FazendaPública é adotado para designar a atuação do Estado em juízo, ou seja, a Fazenda Pública nada mais é do que os entes de direito público atuando no polo de determinada ação judicial, sendo compreendida, portanto, como um sinônimo de Estado em juízo. Assim, todas as vezes que é utilizada a expressão FazendaPública estar-se-á designando as pessoas de direito público que figuram em ações judiciais, independentemente da demanda estar relacionada a questões fiscais ou financeiras. (CUNHA, 2010). Avaliza Hely Lopes Meirelles (1989, p. 616):
A Administração Pública quando ingressa em Juízo por qualquer de suas entidades estatais ou autárquicas, ou por seus órgãos que tenham capacidade processual, recebe a designação tradicional de Fazenda Pública, porque o seu erário é que suporta os encargos patrimoniais da demanda.
As referidas entidades estatais traduzidas pela nomenclatura Fazenda Pública consistem nos chamados entes de direito público interno, elencados no art. 41 do Código Civil, quais sejam: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como as autarquias e associações públicas, além das demais entidades de caráter público criadas por lei. Comprova-se isso pelas palavras do autor Leonardo José Carneiro da Cunha (2010, p. 18): “o que importa deixar evidente é que o conceito de Fazenda Pública abrange a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas”.
Ademais, pela relevância do tema, importa observar que a Administração Pública está dividida em Administração direta, composta pelos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), e Administração indireta, formada pelas autarquias e fundações públicas, ressaltando-se que as empresas públicas e as sociedades de economia mista, embora também estejam presentes nesta última divisão, não fazem parte do conceito de Fazenda Pública, pois sua natureza é de pessoa jurídica de direito privado (CUNHA, 2010).
Portanto, em sentido lato, a Fazenda Pública é entendida no Processo Civil como a representação do Estado em juízo, consistindo na denominação tradicional dos entes públicos de direito interno quando figuram em um dos polos da relação processual.
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