A Possibilidade De Controle Judicial Do Ato Administrativo
Por Rodrigo Binotto Grevetti | 05/08/2008 | DireitoAntes de adentrar do controle jurisdicional do ato administrativo, cumpre destacar como a doutrina mais abalizada define o paradigma de análise do presente estudo: o ato administrativo.
Na lição de Hely Lopes MEIRELLES "ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria" (Direito Administrativo Brasileiro; p. 133; 21ª Edição). Maria Sylvia Zanella DI PIETRO define ato administrativocomoa "declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário" (Direito Administrativo; pág. 162; 10ª Edição).
No que se refere à possibilidade da Administração anular os seus próprios atos, quando ilegais, o entendimento já está sedimentado no Supremo Tribunal Federal (Súmulas nº 346 e 473), e mais recentemente positivado através da Lei nº 9.784/99. Entende-se, pois, que a administração deve anular seus próprios atos quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivos de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Trata-se de típica atividade de controle efetuado pela própria Administração que, no exercício de seu poder de auto-tutela, realiza o controle interno de seus atos.
Há também o controle que é feito por organismos alheios à Administração, chamado de controle externo. É exercido por um dos Poderes sobre o outro, compreendendo tanto o controle jurisdicional, ou judicial, quanto o legislativo.
Cabe investigar, contudo, até que ponto o Poder Judiciário pode imiscuir-se na análise do conteúdo de um ato praticado pela Administração Pública.
No Brasil, ao contrário da maioria dos países europeus, conforme bem salienta Celso Antonio Bandeira de MELLO, (Curso de direito administrativo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 116) vige a unidade da jurisdição. Nesse contexto, nenhuma lesão ou ameaça de lesão deve pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, conforme preceitua o art. 5º, XXXV da Constituição.
Na lição de Celso Antonio Bandeira de MELLO, o Poder Judiciário: Neste mister, tanto anulará os atos inválidos, como imporá à Administração os comportamentos a que esteja de direito obrigada, como proferirá e imporá as condenações pecuniárias cabíveis.
Seguindo as lições de CRETELLA JÚNIOR, "Obedecendo ao princípio da legalidade, é necessário, pois, que todo o aparelhamento do Estado, localizado nos órgãos dos três Poderes, lhe controle os atos, efetivamente, na prática, mediante uma série de mecanismos, de 'freios e contrapesos', que se reduzem, na realidade, a três tipos de controles: o controle administrativo (ou autocontrole), o controle legislativo e o controle jurisdicional. Dos três, o mais eficiente é o controle jurisdicional dos atos da Administração, mediante uma série de ações utilizadas pelo interessado, na 'via judicial'. Desse modo a Administração é submetida à ordem judicial." (CRETELLA JÚNIOR, J. Controle Jurisdicional do Ato Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 329.)
Na maioria dos casos, tal controle, por ser de legalidade ou legitimidade, é feito a posteriori, tendo em vista que o seu objetivo é a correção de defeitos, a declaração de sua nulidade, ou, ainda, a concessão de eficácia.
Todavia, nem sempre o controle do Poder Judiciário será posterior à edição do ato. Cite-se como exemplo o mandado de segurança preventivo, a ação civil pública e a ação popular, cujo ajuizamento muitas vezes precede a edição do ato maculado de vício.
Nos últimos tempos tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça, vêm admitindo que o controle jurisdicional dos atos emanados da Administração Pública não se restringe apenas à verificação dos pressupostos objetivos de legalidade e legitimidade, mas também com relação à própria essência dos atos administrativos.
No entendimento da doutrina dominante o controle judicial constitui, sobretudo, um meio de preservação de direitos individuais, porque visa a impor a observância da lei em cada caso concreto, quando reclamada por seus beneficiários. Esses direitos podem ser públicos ou privados – não importa - mas sempre subjetivos e próprios de quem pede a correção judicial do ato administrativo, salvo na ação popular e na ação civil pública, em que o autor defende o patrimônio da comunidade lesado pela Administração.
Ocorre que muitas vezes, para a análise da motivação, da causa e da finalidade do ato administrativo atacado, o juiz necessita adentrar ao seu mérito. Surge então a controvérsia de que, ao imiscuir-se nessa tarefa, estaria o Poder Judiciário usurpando da Administração Pública a análise sobre o mérito do ato administrativo (razões de oportunidade e conveniência).
Entende-se, todavia, que não há invasão do mérito quando o Judiciário aprecia os motivos ou a ausência ou falsidade do motivo apresentado que venha eventualmente a caracterizar ilegalidade, posto que essa é suscetível de invalidação pelo Poder Judiciário.
Neste sentido a manifestação do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 429570/GO, da lavra da eminente Ministra Eliana Calmon, a seguir transcrito:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO.
1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.
3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.
4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.
5. Recurso especial provido.".
Diante de toda a manifestação doutrinária e jurisprudencial de vanguarda trazida para o bojo do presente estudo, não há outra solução que afastar o dogma da intangibilidade do mérito ato administrativo, com o efeito de dar efetividade ao Estado Democrático de Direito e os princípios que o norteia.