A possibilidade de aplicação da teoria dos jogos no ordenamento jurídico brasileiro: uma análise com os institutos despenalizadores dos juizados especiais criminais
Por Camila Sales Coelho | 20/04/2012 | DireitoA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DOS JOGOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO:
Uma análise com os institutos despenalizadores dos Juizados Especiais Criminais1
Sumário: Introdução; 1. Análise da teoria dos jogos; 1.1. O dilema do prisioneiro; 2. Os institutos despenalizadores dos Juizados Especiais Criminais; 2.2. Direito comparado; 3. A possibilidade de aplicação da teoria dos jogos no sistema jurídico brasileiro como método de resolução de conflitos; Conclusão; Referências.
RESUMO
Estudo teórico acerca da possibilidade de aplicação da teoria do jogos, mais especificamente, do dilema do prisioneiro no ordenamento jurídico brasileito como um dos institutos despenalizadores existentes. Primeiramente, será feito uma análise sobre a teoria dos jogos, com um enfoque no dilema do prisioneiro. Em seguida, será abordada a questão dos institutos despenalizadores dos Juizados Especiais Criminais, como é aplicado no ordenamento jurídico brasileiro, além disso, também será feito uma referência ao direito comparado. E por fim, quando já entendida a técnica em questão, esta será vista como uma possível adequação ao direito brasileiro, como mais uma das formas de institutos despenalizadores existentes nos Juizados Especiais Criminais.
PALAVRAS-CHAVE:
Teoria dos jogos. Dilema do prisioneiro. Institutos despenalizadores. Juizados Especiais Criminais.
Introdução
O presente estudo acerca da teoria jogos se faz a fim de disseminar este método matemático criado para modelar fenômenos que podem ser observados quando dois ou mais agentes de decisão interagem entre si. Este método fornece uma linguagem para a descrição dos processos de decisão conscientes e objetivos que tem o intuito de prevê conseqüências de determinados comportamentos para a escolha de um processo de decisão.
Primeiramente, se fará uma análise acerca deste método, que consiste em uma teoria matemática pura, que pode e tem sido estudada como tal, sem a necessidade de relacioná-la com problemas comportamentais ou jogos per se. Auxiliam no entendimento e na resolução de casos para que desta forma seja mais fácil de fazer com que os réus ou se calem ou confessem a sua conduta. Essa “confissão” de dá por meio do Dilema do Prisioneiro, que é um exemplo da teoria dos jogos.
Posteriormente, sob esta ótica e a fim de dá uma melhor solução ao caso através deste método matemático, é analisada a possibilidade do método utilizado no dilema dos prisioneiros serem aplicados nos Juizados Especiais Criminais. Visto que estão inserindo nos Juizados Especiais os institutos despenalizadores, e, nota-se que em ambas as situações o que está ocorrendo é uma busca por algo mais vantajoso.
Em suma, o presente artigo estrutura-se em duas partes. Na primeira, além de uma exposição histórica da teoria dos jogos e de sua importância para a ciência contemporânea, são expostos diversos conceitos básicos da teoria, a fim de que se possa promover a análise dos métodos de resolução de disputa mencionados. A segunda etapa destina-se à exposição desse método no sistema jurídico brasileiro por meios dos institutos despenalizadores.
1. Análise da teoria dos jogos
A teoria dos jogos não se trata de um método novo, criado em décadas recentes, pelo contrário, remotamente ela era utilizada por cientistas que buscavam soluções para casos de difícil resolução, e viram que através de um método matemático conseguiriam esse feito, é como reproduz Alecsandra Neri de Almeida (2006: 01-02),
Devido à falta de interesse científico, até 1920, não haviam análises técnicas adequadas para estudar estratégias de jogos. Os jogos de tabuleiros, dados, cartas, ou em geral, os jogos de salão, divertem a humanidade desde a formação das primeiras civilizações, por colocarem as pessoas em situações nas quais vencer ou perder dependem das escolhas feitas no início das partidas, sendo assim, o jogo se tornou uma ferramenta para o desenvolvimento das pessoas, mas só despertou interesse após muito tempo, com o surgimento da teoria da probabilidade.
Assim, é certo que os estudos sobre a teoria da probabilidade foram se aprimorando ao passar dos anos. Primeiramente, iniciou-se com o matemático e físico francês Blase Pascal e o matemático Fermat. Em seguida, Antoine Augustin Cournot, logo, John Forbes Nash Jr. Todos dando sua contribuição, seja aplicando a teoria em jogos de azar, seja formalizando um conceito específico de equilíbrio. Ocorre que o marco inicial da teoria dos jogos foi com o matemático húngaro-americano, John Von Neumann (ALMEIDA, 2006: 01-02).
Com o Teorema Minimax, John Von Neumann, esclareceu que “há sempre uma solução racional para um conflito bem definido entre dois indivíduos cujos interesses são completamente opostos, ou seja, o que é ganho pelo um lado é perdido pelo outro” (ALMEIDA, 2006: 03). Tal teorema trata de estratégia pura, vez que a combinação destas busca-se alcançar o equilíbrio, no qual os jogadores vão garantir para si pelo menos um ganho mínimo, independente do que o outro adversário vier a escolher (ALMEIDA, 2006: 03).
Outro grande nome da teoria dos jogos, foi John Forbes Nash. Como contribuição trouxe novos conceitos para a teoria dos jogos e revolucionou a economia com o seu conceito de Equilibrium. Nash, rompeu com um pressuposto básico da teoria de Neumann e da própria economia (ALMEIDA, 2003: 03).
Diferentemente de Neumann, que segundo sua teoria, para um dos jogadores ganhar era necessário levar o seu adversário à derrota, Nash introduziu o elemento cooperativo na teoria dos jogos. Para Nash, é possível sim com base na cooperação auferir ganhos individuais maiores, para tanto, deve-se pensar sob dois ângulos: o individual e o coletivo (ALMEIDA, 2003: 03).
Corroborando este entendimento, Alecsandra Neri de Almeida (2006: 02) afirma que
Nesta tese, Nash provou a existência de ao menos um ponto de equilíbrio em jogos de estratégias para múltiplos jogadores, mas para que ocorra o equilíbrio é necessário que os jogadores se comportem racionalmente e não se comuniquem antes do jogo para evitar acordos.
E completa,
Nash não fez a Teoria dos jogos, mas modificou-a, pois Neumann utilizava suas teses para trabalho unitário, já Nash fez seu trabalho valer em grupo, modificando a economia mundial, hoje muitas pessoas utilizam seus estudos (...) (ALMEIDA, 2006: 02).
A teoria dos jogos, desde a década de 1940, tem sido de grande utilidade estratégica. No início, como já disposto, a teoria tinha finalidades eminentemente militares, tendo sido utilizada com grande sucesso em Guerras. Mas seu método também foi utilizado em diversas searas, como na biologia, na física, economia e até mesmo nas ciências sociais (ALMEIDA, 2003: 05-07).
Destarte, resta claro que o objetivo da teoria dos jogos é entender a lógica na hora da decisão e ajudar a responder se é possível haver colaboração entre os jogadores, em quais circunstâncias o mais racional é não colaborar e quais estratégias devem ser adotadas para garantir o máximo de ganhos para os jogadores.
1.1 Dilema do prisioneiro
O dilema do prisioneiro é um problema a ser solucionado com base na teoria dos jogos, que retrata a seguinte situação:
De acordo com a estória de Tucker, formulada em carta enviada a Dresher, dois homens, suspeitos de terem violado conjuntamente a lei, são interrogados simultaneamente (e em salas diferentes) pela polícia. A polícia não tem evidências para que ambos sejam condenados pela autoria do crime, e planeja sentenciar ambos a um ano de prisão, se eles não aceitarem o acordo. De outro lado, oferece a cada um dos suspeitos um acordo: se um deles testemunhar contra o outro suspeito, ficará livre da prisão, enquanto o outro deverá cumprir a pena de três anos. Ainda há uma terceira opção: se os dois aceitarem o acordo e testemunharem contra o companheiro, serão sentenciados a dois anos de prisão (ALMEIDA, 2003: 07-08).
Tal exemplo trata de um jogo não cooperativo, mas poderia ser modelado como cooperativo (ALMEIDA, 2006: 04). Torna-se não cooperativo, pois os “jogadores” não podem se comunicar, contudo, se pudesse houvesse a comunicação entre os criminosos e se os mesmos pudessem fazer compromissos obrigatórios, haveria claramente uma cooperação.
Neste caso, porém, nota-se que as decisões são simultâneas, sendo que um não sabe nada sobre a decisão do outro. O dilema do prisioneiro mostra que, em cada decisão, o prisioneiro pode satisfazer o seu próprio interesse, não confessar, ou atender ao interesse do grupo, confessar (ALMEIDA, 2006: 04). Mas é certo que não há nenhuma garantia que um vá cooperar com o outro, por isso, não é visto como um equilíbrio, nem cooperativismo, vez que os jogadores vão procurar a sua própria satisfação.
O método pode ser visto, mais exemplificadamente, da seguinte forma: Duas pessoas foram presas e acusadas pela prática do mesmo crime, A e B. Os presos são colocados em selas diferentes, sem haver nenhum tipo de comunicação entre os mesmos. A autoridade policial irá interrogar os acusados, separadamente, e falará que eles podem negar ou confessar o crime. Sendo que, se nenhum dos dois confessarem o crime, pegam 1 ano de prisão. Já, se os dois confessarem, ambos pegam 5 anos de prisão. Agora, se A confessar o crime e B ficar calado, A fica livre da pena e B pega 10 anos de cadeia (SARTINI, GARBUGIO, SANTOS, BARRETO, 2004: 06).
Diante da situação acima retratada, os prisioneiros avaliarão o que é melhor fazer, no caso, confessar ou calar, para que sua pena seja a menor possível. O objetivo é que cada prisioneiro ponha em xeque o que seria melhor para si, considerando o que a outra pessoa faria. É um benefício a que eles estão sujeitos caso queiram colaborar para a solução do caso.
Sabendo a que situação é sujeito o prisioneiro, cabe agora analisar esse método de “confissão” e desta forma auxilio para que se chegue a solução do caso se enquadra a sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, em especial no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, tomando por base os institutos despenalizadores existentes.
2. Os institutos despenalizadores dos Juizados Especiais Criminais
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (...) (grifo nosso).
A Lei nº 9.099/95, bem como a Lei nº 10.259/2001, a primeira no âmbito estadual, enquanto a segunda diz respeito ao âmbito federal, vieram para tratar de matéria referente aos Juizados Especiais, abrangendo normas de caráter processual e outras de Direito Material. Tais leis regulam a aplicação desses institutos no ordenamento jurídico brasileiro, dispondo de um novo procedimento e um novo rito diferenciado.
O objetivo dos Juizados Especiais Criminais, introduzidos no mundo jurídico como um microssistema de natureza instrumental e aplicação obrigatória prevista constitucionalmente, é destinado à rápida e efetiva atuação do direito nas causas que versem sobre crimes de menor potencial ofensivo (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JÚNIOR, 2009:42).
Sendo que, consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa” (art. 61 da Lei nº 9.099/95).
Em seu art. 2º, a Lei nº 9.099/95 expressa que “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (grifo nosso).
Verifica-se que um dos objetivos primordiais dos Juizados Especiais é a conciliação, a transação, a reparação dos danos e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
Seguindo este entendimento, Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Júnior (2009: 47) afirmam que
Estamos diante não apenas de um novo microssistema apresentado ao mundo jurídico. Esta lei representa muito mais do que isso, visto que significa o revigoramento da legitimação do Poder Judiciário perante o povo brasileiro e a reestruturação (ou verdadeira revolução) de nossa cultura jurídica, porquanto saímos de um mecanismo (entravado em seu funcionamento mais elementar e desacreditado pelo cidadão) de soluções autoritárias dos conflitos intersubjetivos para adentrar a órbita da prestigiosa composição amigável, como forma alternativa de prestação da tutela pelo Estado-Juiz.
Portanto, traduz-se como inerentes aos Juizados Especiais a autocomposição, revelando-se através da conciliação, transação, reparação de danos e aplicação de penas que não privativas de liberdade. Para o presente caso, atentaremos aos objetivos dos Juizados Especiais Criminais, qual sejam: não aplicação da pena privativa de liberdade e o ressarcimento dos danos sofridos pela vítima.
Em regra, nos crimes de competência dos Juizados Especiais Criminais a vítima sofre mais perjuízo de ordem material do que físico-moral, portanto, faz-se mais necessário o ressarcimento dos danos e aplicação de penas que não sejam privativas de liberdade.
Fundamentando-se na aplicação da pena privativa de liberdade como ultima razão, no princípio da insignificância, assim como acompanhando a realidade social, nota-se que em torno dos pequenos delitos existe uma imensa cifra negra de criminalidade, sendo desnecessários os esforços materiais da Polícia e da Justiça para casos tão insignificantes. Dessa forma, sem descriminalizar tais contudas, o legislador procurou apenas desburocratizá-los, simplificá-los, permitindo que todos tenham acesso à justiça e sejam satisfeitas as suas perdas, elidindo a sensação de impunidade (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JÚNIOR, 2009: 476).
Outra finalidade foi o ressarcimento dos danos sofridos pela vítima, pois o réu sofre muitas vezes mais danos de cunho patrimonial do que físico-moral. Mas é certo que os danos de natureza moral também podem e devem ser indenizados.
Com isso, foram instituídas pela Lei nº 9.099/95 a composição civil e a composição penal, a suspensação condicional do processo e medidas de “despenalização”.
É importante lembrar que despenalização diferencia-se de descriminalização, vez que esta consiste em não mais considerar determinada conduta como ilícito penal, enquanto com a despenalização a conduta continua sendo ilícita, mas a sua pena é diminuída ou substituída. Na despenalização outras medidas processuais são tomadas, como a transação penal, a suspensão do processo, a mudança de ação (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JÚNIOR, 2009: 476).
Atenta-se, no presente estudo, para a composição civil e a transação penal, que serão explanadas a seguir.
A composição civil dos danos ocorrerá entre o autor do fato e a vítima e será homologada por sentença irrecorrível (art. 74 da Lei nº 9.099/95). Deverá ser sempre tentada, ressalta-se que mesmo quando se tratar de ação penal pública incondicionada deverá haver a composição, sob pena de está ofendendo ao princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput da CF/88), pois estaria sendo dado tratamento diferenciado a ação penal pública incondicionada de um crime de menor potencial ofensivo e à contravenção. Ademais, é claro que uma das finalidades principais dos Juizados Especiais é exatamente a reparação dos danos sofridos pela vítima (MOREIRA, 2009: 55-57).
No que tange a transação penal, tendo tido êxito ou não a composição civil dos danos, e tratando-se de ação penal pública incondicionada, é aberta a oportunidade ao Ministério Público para realizar a transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95). Esta forma de autocomposição é uma proposta dado ao réu para aplicação de pena que não seja a privativa de liberdade, ou seja, uma alternativa à prisão (MOREIRA, 2009: 71). Traduz-se em uma verdadeira conciliação de interesses.
Assim, quando se transaciona está realizando uma autocomposição, que decorre da vontade das partes, isto é, um negocio jurídico bilateral, no qual as partes interessadas, fazendo concessões mútuas, previnem ou extinguem obrigações litigiosas (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JÚNIOR, 2009: 79).
Finalmente, com o exposto, compreende-se que a Lei n° 9.099/99 ao dar especial ênfase à reparação dos danos causados e de alternativas para a substituição da pena privativa de liberdade, que muitas vezes são instituídas desnecessariamentes e constantemente, estando também atenta as teorias de descriminalização e à um Direito Penal mínimo, estabele os institudos despenalizadores da transação penal e da composição civil como formas de dar realmente a efetiva concretização de um mínimo anseio pela paz social (DEMERCIAN; MALULY, 2008: 01).
Pois se percebe que agir com excessivo rigor e intervenção do Estado na esfera penal não está resolvendo o problema da criminalização. Deve-se refletir também sobre a questão da pena privativa de liberdade, ou seja, a prisão, vez que esta não é a melhor forma de solução de conflitos, bem como não é a resposta para os problemas da sociedade.
2.2 Direito comparado
O sistema negocial é plenamente exercido no Estados Unidos, ou também mais conhecido como plea bargaining. Tal método é aceito no País sem qualquer questionamento sobre o garantismo, já que sua natureza é justamente a do anti-garantismo, diferentemente do Brasil. O sistema do plea bargaining traduz-se da seguinte forma
a titulariedade da proposição da ação é do Ministério Público - porém, no modelo estadunidense o poder deste órgão é mais extenso - cabendo a condução da investigação policial, o declínio de uma propositura de ação (sem qualquer interferência do Poder Judiciário) ou prosseguimento, bem como a realização de acordos com a Defesa ou a condução do feito a Juízo (GOMES, 2001: 02).
Nessa esteira, compreende-se que o Promotor de Justiça, em tais casos, negocia com o acusado. Sendo que o “conciliador” tentará encontrar uma soluação para determinados casos, em que está excluída a absolvição. Isto é, trata-se de um sistema de culpados (GOMES, 2001: 02).
Verifica-se que esse sistema está interessado em suprimir o Juízo. Dessa forma, antes mesmo de haver a acusação, o próprio inquisitor irá tentar uma proposta, uma barganha. Visto que, de acordo com os entedimentos estadunidenses, a barganha é uma boa forma de realizar os anseios da sociedade. Caso o acusado não aceite, passará a acusação formal, dando início ao processo.
Heron Santana Gordilho (2009: 9427), esclarece, ainda, que no Direito Norte-Americano o Promotor de Justiça tem ampla liberdade, tendo um poder discricionário, podendo, inclusive, não aplicar as leis em casos particulares. Acredita-se que o mesmo está excercendo o que é melhor, tendo boas razões para tanto.
Por outro lado, se o Promotor entende ser necessária a persecução criminal, a defesa, no caso o réu, poderá adotar três caminhos, quais sejam: plea bargaining ou plead guilty, recusa do litigio alegando o plea nolo contedere ou a alegação da inocência (GORDILHO, 2009: 9427). Interessa-nos, para o presente caso, a primeira hipótese, o plea bargaining e o plead guilty. Heron Santana Gordilho (2009: 9427), conceitua-os da seguinte forma
A plea bargaining consiste fundamentalmente numa negociação entre a promotoria e a defesa, em que após definida a prática da infração penal, e superada a fase do preliminary screen (a nossa opinio delicti), abre-se oportunidade ao suspeito para o pleading, onde poderá se pronunciar a respeito da sua culpabilidade: se se declara culpado e confessa o crime (pleads guilty) após um processo de negociação com a promotoria para a troca da acusação por um crime menos grave, ou por um número mais limitado de crimes, opera-se a plea, que é a resposta da defesa, e então pode o juiz fixar a data da sentença, sem necessidade do devido processo legal ou de um veredicto.
Observa-se que com o plea bargaining e o plead guilty, não se torna mais necessário o devido processo legal, isto é, forma-se um sistema de acusação. O próprio acusado diz que é culpado, em acordo realizado com o Promotor, diferente do que se nota no sistema jurídico brasileiro.
Com a Constituição Federal de 1988 foram instaurados preceitos fundamentais, que devem, obrigatoriamente, serem seguidos. Portanto, no processo brasileiro é necessário serem resguardados os princípios da ampla defesa e contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência, dentre outros.
Contudo, tal instituto tem trazido respostas ao odernamento jurídico dos Estados Unidos, onde vigora triunfantemente e com aprovação da população e do Judiciário, sem haver questionamentos sobre sua natureza anti-garantista (GOMES, 2001: 01).
3. A possibilidade de aplicação da teoria dos jogos no sistema jurídico brasileiro como um método de resolução de conflitos
Antigamente, a sociedade primitiva resolvia seus conflitos mediante a autodefesa e a composição privada, vez que não conheciam a pena pública, mas tão somente a vingança. Posteriormente, houve a instituição de uma política central que tentava fazer justiça por meio do Soberano. E, finalmente, a sociedade moderna intervém no problema criminal, elaborando leis para determinadas condutas ilícitas, e estipulando condutas de comportamentos (GOMES, 2007: 236).
Com o avanço da sociedade, é nítida a racionalização do Direito penal, havendo, com isso, a humanização das sanções, tanto no que se refere a eliminação de penas atrozes e desproporcionais, como também na elevação do princípio da dignidade humnada, reformando, assim, o sistema de cumprimento e execução da privação de liberdade. Resta claro também que o Direito Penal direciona-se rumo a uma intervenção penal mínima e garantista.
Nos dizeres de Luiz Flávio Gomes (2007: 237)
Isso significa, em primeiro lugar, que o Direito Penal tende a se retirar dos pequenos conflitos quase domésticos, cotidianos. E que se reserve a “cirurgia” penal – a maquinaria pesada do Estado – para os casos de particular gravidade, onde sua presença seja absolutamente imprescindível (princípio da intervenção mínima). Os critérios da efetividade máxima e do mínimo custo social tornam recomendável o uso de instrumentos não penais ou, em todo caso, de alternativas e substitutivos que conduzem a sanções distintas da privação de liberdade (princípio da necessidade da pena, princípio da suficiência da medida alternativa e princípio da subsidiariedade da intervenção penal).
O Juizado Especial Criminal é um exemplo desse direcionamento que o Direito penal está seguindo, optando primordialmente pela não aplicação da pena privativa de liberdade e o ressarcimento dos danos causados á vítima.
Ora, observa-se com que esse instituto estão sendo garantidos preceitos fundamentais estipulados na Carta Magna, como a pena privativa de liberdade ser aplicada como ultima razão, a dignidade da pessoa humana, o princípio da insignificância, da intervenção mínima do Estado na esfera penal, dentre outros.
Existem certos casos, pequenas contendas, que enervam a vida do cidadão. São pequenos aborrecimentos, que aos olhos do Direito Penal é insignificante. Além disso, o Direito Penal deve se ocupar com questões que atinjam os bens jurídicos mais significantes, como a vida, a integridade, e a liberdade.
Ressalta-se, ainda, que o Dirieto Penal não pode, por si só, conter toda a criminalidade, bem como não é a prisão que vai diminuir o número de crimes. Portanto, não é a burocratização, o aumento das penas e o recrudescimento das sanções que vão amedontrar quem não tem nada a perder, “é preciso que se afaste a ideia de que a consequencia unica do crime é a prisao, a cadeia” (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JÚNIOR, 2009: 478).
Assim, esses pequenos conflitos devem ser resolvidos pelos Juizados Especiais. Dentre destes, foram instaurados institutos despenalizadores, em que as condutas continuam sendo ilícitas, contudo há uma substituição da pena privativa de liberdade por outras alternativas. Como institutos despenalizadores, tem-se a transação penal e a composição civil dos danos, que almejam uma alternativa às penas mais severas.
Nessa esteira, cabe analisar agora a teoria dos jogos e sua possível aplicação no sistema jurídico brasileiro.
Como já foi visto, a teoria dos jogos pode ser definida como “a análise matemática de qualquer situação que envolva um conflito de interesses, com o fito de descobrir as melhores opções que, dadas certas condições, devem conduzir ao objetivo desejado por um jogador” (ALMEIDA, 2003: 06).
Sabe-se que a teoria elaborada por Neumann alerta para a competição entre os jogadores, e esta teoria, inovada por Nash, tras a ideia de cooperação entre as partes. E um exemplo dessa cooperação é o dilema do prisineiro.
No dilema do prisioneiro dois acusados estão sendo interrogados, sendo que, se cooperarem entre si, podem ambos terem ganhos. Contudo, se não houver a cooperação um ou outro não terá grandes ganhos. Por isso, os “jogadores” confrontam-se com um problema principal, se deve ou não confiar no outro.
Todavia, mesmo com tais confrontos, nota-se que um grupo pode se beneficiar de houver a cooperação de todos, sendo que o interesse próprio de casa individuo pode agir em sentido contrário. Com o dilema do prisioneiro, compreende-se que a cooperação pode acabar sendo benéfica, enquanto a não cooperação vai ser punida (LIMA; COITINHO, p. 10).
Isto posto, pretende-se trazer para a esfera da realidade a teoria do jogos, para verificar a possibilidade desse método aplicar-se ao ordenamento jurídico brasileiro, juntamente com os institutos despenalizadores já existentes nos Juizados Especiais Criminais, a fim de se solucionar os conflitos.
Dentre os meios de solução de conflitos existentes, podemos citar aqui a negociação e a mediação. Em tais métodos, vai ser possível constatar que a teoria dos jogos pode plenamente satisfazer os anseios dos interessados, mostrando-se como uma forma mais célere e eficaz de solucionar os conflitos.
Primeiramente, a negociação, conforme leciona Fábio Portela Lopes de Almeida (2003: 22) é a forma mais comum de resolução de controvérsia, com este método “as partes propõem alternativas e soluções, defendendo, sem a intervenção de terceiros (mediador, árbitro ou juiz), seus interesses pessoais”.
Na negociação, a teoria dos jogos mostra-se eficaz, pois se houver cooperação entre os participantes ambos podem vir a ter maiores ganhor, já que o mais interessante para os “jogadores” é multiplicar seus ganhos, devendo analisar os interesses compátiveis entre os mesmos (LIMA; COITINHO, p. 11).
Já a mediação, significa “ato ou efeito de mediar, intervir para obter acordo entre pessoas físicas ou jurídicas, atividade que consiste em aproximar as partes interessadas na concretização de um negócio” (GUIMARÃES, p. 406). Na mediação há a figura de um mediador, porém o mesmo não tem poder de decisão, mas tão somente intermedia a negociação para as partes chegaram vonlutariamente a uma decisão.
Aqui também se percebe a possível incidência da teoria dos jogos, pois, segundo afirmam Lizana Leal Lima e Viviane Teixeira Dotto Coitinho (p. 12)
Pode-se afirmar, portanto, que a mediação é um jogo cooperativo visto que se uma das partes não quiser colaborar, a outra pode abandonar o procedimento de mediação sem nenhum tipo de ônus. A função do mediador, que é a de fazer com que as partes entendam a situação do adversário, promove uma maior cooperação entre eles, bem como a própria figura do mediador por ser um terceiro, desinteressado no processo, aumentando as chances de um acordo, possibilitando o equilíbrio de Nash.
Com efeito, verifica-se que nos métodos apresentados, busca-se com base na cooperação e no diálogo melhores soluções para os conflitos existentes na esfera do Direito Penal.
Os próprios Juizados Especiais Criminais tem como objetivo principal a autocomposição, isto é, a solução de conflitos sem ser necessário iniciar um processo judicial litigioso, pois muitas questões, inclusives aquelas que restrigem-se aos crimes de menor potencial ofensivo, podem ser resolvidas com diálogo e cooperação entre os envolvidos.
O Direito Penal direciona-se cada vez mais a menor intervenção nos conflitos, justamente por tal fundamento foram criados os Juizados Especiais. Assim como é certo que a sociedade anseia por respostas e ações mais eficazes, e não pela morosidade e burocratização que é o processo criminal.
Como foi relatado, a teoria dos jogos pode ser plenamente aplicada ao ordenamento jurídico, vez que não vai confrontar nenhuma garantia constitucional, mas tão somente vai buscar resolver os litigios de forma que os participantes possam, cooperando um com o outro, sairem com benefícios.
Consequentemente, evita-se a instauração de um procedimento demorado – mesmo que seja no âmbito dos Juizados Especiais – bem como vai dar maior celeridade a solução dos conflitos.
Por fim, tentou-se demonstrar que através do diálogo e da cooperação pode-se promover uma aproximação entre os litigantes resguardando, dentro do possível, a relação social. Sendo que, objetiva-se alcançar isso com a aplicação da teoria dos jogos nos casos concretos.
Considerações finais
Buscou-se com o presente trabalho fazer algumas considerações acerca dos institutos despenalizadores dos Juizados Especiais Criminais e a possível aplicação da teoria dos jogos como um meio de resolução dos conflitos.
Inicialmente, como base, foi necessário descorrer sobre a teoria dos jogos, de forma a mostrar como tal método foi implementado e aplicado nas diversas searas. Com isso, entende-se que a teoria dos jogos baseia-se na cooperação dos indivíduos para que assim saiam todos ganhando. O dilema do prisioneiro é uma codificação da teoria dos jogos para um melhor entendimento do seu método.
Constatou-se, em seguida, que no ordenamento jurídico brasileiro há a implementação dos Juizados Especiais Criminais, tendo como um dos seus objetivos principais a autocomposição. Isto é, resolver os conflitos sem ser necessário instaurar um processo dispendioso como é o criminal. Almeja-se também uma menor aplicação da pena privativa de liberdade, vai atras de alternativas, substituições de tais penas. Ressalta-se que também foram analisados os métodos do plea bargaining e plead guilty, utilizados no Direito estadunidense.
Assim, com a teoria dos jogos, pode-se perceber que os conflitos podem ser melhores solucionados como um jogo de estratégias, elevando-se a cooperação entre os “jogadores”.
Diante do exposto, resta claro que o Direito Penal caminha para uma menor intervenção na sociedade, bem como se compreende que a pena privativa de liberdade não é a melhor solução. No Brasil há um acúmulo de processos nos tribunais, casos de pouco significancia que são levados ao Judiciário desnecessariamente.
Com isso, deve-se promover a ideia de que os meios alternativos são a solução para esse acúmulo de processos e morosidade no sistema judiciário brasileiro. Assim como se mostram mais eficazes e sensatos para soluções de conflitos. Com base na teoria dos jogos, deve-se atentar a cooperação entre as partes, dando mais celetidade e eficiência aos conflitos. Além disso, com a cooperaçao podem ambas as partes sairem com um ganho maior do que o esperado.
Referências
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1 Paper elaborada à disciplina de Processo Penal II ministrada pelo professor José Claudio Cabral Marques da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB)