A POSIÇÃO DE PADRE PIO BUSANELO DURANTE A DÉCADA DE 1960 NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR

Por Danieli de Oliveira Biolchi | 12/04/2009 | História

A POSIÇAO DE PADRE PIO BUSANELO DURANTE A DÉCADA DE 1960 NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR

Texto de Danieli Biolchi – Licenciada em História


Polêmica

Monsenhor Pio Busanelo, mais conhecido como Pe. Pio, era pároco da Natividade durante a década de 1960, Pe. Pio sempre foi uma pessoa muito polêmica, mas em especial há um fato muito curioso que envolve seu nome no ano de 1962, fato que gerou grande discussão na época. Segundo atesta o Jornal Correio Serrano: "Aviso aos eleitores católicos: atendendo à necessidade de bem informar o eleitorado católico e por expressar recomendações da Conferência dos Srs. Bispos, informamos que constam como candidatos preferenciais às eleições de 07 de outubro de 1962, os seguintes nomes [...] possuímos cédulas para todos estes candidatos." (BUSANELO, 03 out. 1962, p. 4).

O fato descrito acima gerou uma grande polêmica e divisão de opiniões na comunidade ijuiense da época, pois como um padre poderia expressar sua opinião publicamente, e além de tudo, indicar candidatos para a população católica? Assim, percebe-se que este fato gerou grande confusão na cabeça da população ijuiense, que custava em acreditar no que havia ocorrido.Portanto, um cidadão indignado com o fato resolveu rebater a escrita de Pe. Pio, pondo no mesmo Jornal uma nota como forma de resposta aPe. Pio. O eleitor assim elucidou: "Será que é só católico quem vota na indicação feita por Monsenhor Pio, será que ele estava autorizado em recomendar ao eleitorado tais nomes, será que ele é dono do eleitorado ou acha que os leva a cabresto? [...], caros eleitores, deveis pensar que sois livres e conscientes, ninguém os obriga a votar em quem não os quiser". (UM LEITOR de IJUÍ, 5 out. 1962, p. 2).

Nota-se neste momento como se sentia a população de Ijuí com o fato, pois por mais que toda a população soubesse que Pe. Pio era um homem sem papas na língua, ninguém imaginaria um fato de tais circunstâncias. Observa-se, porém, que em se tratando da figura de Pe. Pio, as pessoas divergiam em suas opiniões, pois alguns eleitores não conformados com a resposta feita a Pe. Pio resolveram rebater a resposta e publicaram o seguinte no Correio Serrano: "Pergunta este senhor de Ijuí se o Monsenhor Pio é dono do eleitorado? Respondemos que: tanto quanto qualquer cidadão, pois como padre não perdeu este direito de cidadão e como sacerdote cabe-lhe a orientação das consciências que dirige [...]". (PROFESSORES E AGRICULTORES, 24 out. 1962, p. 2).

Destarte, o fato ainda não havia terminado, pois como é de se imaginar, um episódio desta magnitude em plena década de 60, não passaria despercebido pelos órgãos religiosos, e assim o foi. Como Monsenhor havia citado o nome da Conferência dos Srs. Bispos, isso acabou chegando aos ouvidos do Bispo de Santa Maria que era responsável pela Paróquia da Natividade. Assim, o Bispo D. Luiz Victor Sartori declarou em nota ao Jornal Correio Serrano: " Declaramos que em data ou ocasião alguma, foram emanadas expressas recomendações da Conferência dos Bispos nas quais conste a recomendação de candidatos preferenciais para governador do Estado ou para o Senado Federal. [...] o citado A Pedido contrariou frontalmente a orientação da Autoridade Eclesiástica envolvendo ainda, sem fundamento algum o nome da Conferência Pastoral dos Srs. Bispos, tornando-se o respectivo auto passível de censura eclesiástica". (BISPO D. LUIZ VICTOR SARTORI, 24 nov. 1962, p. 2).

A Ditadura Militar

No dia 30 de novembro de 1963 aconteceu na Paróquia da Natividade uma missa em homenagem aos militares que haviam participado da Intentona comunista de 1935. Assim relata o Jornal Correio Serrano: "[...] missa em sufrágio das almas dos militares que tombaram em defesa das instituições de 27 de novembro de 1935, mandada celebrar pelo Comando do 7º Grupo de Canhões 75 Auto Rebocado...". E continua: "... Mais uma vez estamos comemorando uma das páginas mais emotivas da nossa História, das mais lindas e cheias de sangue, mas de muita honra. E em que despropositadas circunstâncias estamos recolhendo nosso favor patriótico, para venerar a memória dos nossos irmãos, vítimas, a qual em vez de se extinguir, depois de tanto tempo, cresceu desabaladamente, mas o que mais nos humilha (não digo nos horroriza, espanta causa assombro), mas nos humilha, é ver estes excomungados serem escolhidos para desempenhar cargos importantes, compartilhando do poder, dando facilidades à infiltração da ideologia abominável, oficializando a subversão, a revolta, a criação sob as visitas do governo". (BUSANELO, 30 nov. 1963, p. 1).

Nota-se assim, que a Igreja Natividade na figura de Pe. Pio, já tinha sua posição formada caso houvesse um possível golpe, pois a fala de Pe. Pio é clara quanto à sua posição contra os comunistas. É interessante analisar suas palavras quando se refere à missa em homenagem aos militares: "[...] uma das mais emotivas fases de nossa História, das mais lindas, cheia de sangue mas de muita honra [...]." Sua fala é clara quando ele se refere ao seu favoritismo aos militares, pois usa de palavras fortes e árduas para expressar a sua opinião. Segundo ele, o governo de então é comunista, e por este motivo deveria ser deposto do poder, pois como governantes da nação deveria lutar contra o comunismo e não dar armas a eles, ou seja, facilidades ao comunismo. Mas a fala de Pe. Pio não para por aí, e assim ele continua conclamando a população ijuiense. Segundo Jornal Correio Serrano: "A vitória é e será nossa sempre nossa, porque é a vitória do bom senso, do bem sobre o mal. É e será sempre nossa, porque não somos mercenários a serviço de tiranos estrangeiros [...]. Caros irmãos. Está se organizando um grande programa: a Cruzada do Santo Rosário. Devemos participar das preces públicas que todo o Brasil fará com a recitação oficial do Santo Rosário. É uma mobilização total do Brasil [...]. É a forma mais democrática para repudiar regimes deprimentes, de defender o legado glorioso que nossos avós nos deixaram". (BUSANELO, 30 nov. 1963, p. 1).

Nesta ocasião nota-se sua total posição contra comunistas e a favor de um possível golpe, pois a Cruzada do Santo Rosário, nada mais é, do que um movimento religioso contra comunistas e que acabou dando um grande estímulo à intervenção militar. Esta manifestação significava para os militares uma prova de que a Igreja estava saturada do presidente João Goulart. Destarte, não se poderia deixar de ressaltar a astúcia de Pio Busanelo, pois como sempre polêmico, vai aos jornais da cidade para falar, conclamar, dar sua opinião sem medo algum. Também não se poderia deixar de perceber o quanto ele tenta com o seu poder de pároco, persuadir seus paroquianos sobre sua opinião. Mas o que não se deve esquecer é que Pe. Pio foi um homem sem papas na língua, que não tinha medo da opinião pública. Na citação abaixo fica claro não apenas sua opinião particular quanto aos comunistas, mas também a opinião de boa parte da Igreja Católica, ou pelo menos de alguns chefes da Igreja. Segundo Pe. Pio: "Quando levantou-se a idéia de fechar o comunismo e cassar mandatos dos deputados, os jornais imediatamente entrevistaram os bispos do Rio Grande [...], um dos primeiros a ser abordado pelos repórteres foi D. Antônio Reis, que falou claro e franco, dizendo que devia-se fechar, e que a cassação dos mandatos era conseqüência lógica disso [...]. Estava clara a orientação da Igreja". (BUSANELO).

Assim, pode-se perceber que nem sempre sua opinião era formada sozinha, pois algumas opiniões e ordens vinham de seus superiores. Mas o que não se pode esquecer é que Pe. Pio expressa o que pensa às duras penas, sem medir suas palavras, sem pensar nas conseqüências de seus atos. Conforme Pe. Pio:"[...] aqui em Ijuí como sabem chegaram ao ponto de dizer publicamente que Cuba é para a América Latina [...] uma mensagem de salvação a se imitar [...]." Deste modo, nota-se sua total subversão a qualquer movimento socialista, pois socialistas eram comunistas, assim, percebe-se cada vez mais nitidamente a posição da Igreja Natividade a respeito da Ditadura Militar. Pio Busanelo ainda salienta, que: "[...] o comunismo é capaz de fazer cara de amigo [...], mas depois tiram as peles de ovelhas, atiram-se sobre as ovelhas e despedaçam-nas [...]." Sua frase deixa claro que o comunismo se faz de amigo para depois fazer as vítimas, e que de forma alguma se deve deixar que isso venha a acontecer aqui em Ijuí. Ele ainda continua na mesma coleção citada acima: "[...] que haja alguns grupinhos da JUC, da JEC e outros estudantes ou não também aqui em Ijuí, que defendam o regime e a vida fantástica que se leva na ilha [...] também vá lá! Mas que haja "dirigentes" das instituições juvenis, com tanta ignorância, com tanto estrabismo, com tanta miopia, má fé... não se compreende. Que peçam demissão então". (BUSANELO).

Assim, observa-se a posição não apenas de Pe. Pio, mas também da Natividade, já que ele era pároco desta Igreja, sobre os movimentos, ou melhor, dizendo, as idéias de parte da população de Ijuí sobre o comunismo, pois segundo as palavras proferidas porPe. Pio, as pessoas que acreditavam no movimento comunista eram cegas, ignorantes e estavam fazendo injúrias à Igreja Católica. Ressalta-se que Pe. Pio era contrário a qualquer tipo de mobilização estudantil, pois ele fala: "[...] a UNE tem um enorme cargo paralelo nos meios estudantis, de não somente fazer a divisão das classes, mas de destilar o ódio e vingança; a começar pelo clero, pelas supremas autoridades, e toda a igreja [...]." (BUSANELO). Desta forma, consegue-se ver claramente sua posição contra os movimentos estudantis, mais especificamente contra a União Nacional dos Estudantes (UNE), pois esta se tratava de um órgão que tentava defender não apenas os estudantes, mas toda a população que vivia em meio a uma Ditadura implacável. Pe. Pio usava palavras como o ódio e a vingança, pois acreditava piamente que os movimentos estudantis seriam os responsáveis por realizar a divisão das classes e, principalmente, a divisão da própria Igreja Católica. E Pe. Pio continua: "[...] aqui em Ijuí se fazem referências desairosas aos Srs. Bispos [...] que obsessão e ignorância! São católicos e atacam os Srs. Bispos?! Se nem os padres têm direito a atacar [...] estes falsos católicos devem saber que contra as autoridades eclesiásticas não se fala nunca, nem em particular e nem em público. Não se fala mas em público nem do pai, por bêbado e vagabundo que seja, não se fala da mãe, nem que seja uma decaída das mais depravadas. Por quanto vergonha nos façam devemos amar e rezar..., ouvistes, srs. da UNE [...]". (BUSANELO).

Nota-se nitidamente que Pe. Pio tenta usar de seu cargo de vigário para tentar confundir seus paroquianos, pois usa palavras de baixo calão na tentativa de apavorar a população e, mais ainda, fazer a população indignar-se com os fatos. Pe. Pio é muito audacioso, e ainda vai além, quando tenta usar do sentimento das pessoas, falando sobre seus pais e mães. Neste momento, observa-se que ele esquece que é um pároco, e usa de expressões subjetivas e irrisórias para tentar convencer a população. Mas o que deixa mais estagnados ao ver sua fala é que Pe. Pio fala que se deve amar e rezar pelo próximo, mas quando usa de tais expressões não cumpre o que ele mesmo pede a seus paroquianos.

Comunismo

Pe. Pio era totalmente contra qualquer movimento comunista, pois segundo seus escritos, o comunismo é uma tentação diabólica coletiva. Então os remédios que se dão para o homem particular, são idênticos para a comunidade humana tentada pelo demônio com tentação coletiva [...]." Observamos que as palavras proferidas por Monsenhor são fortes e hostis, pois segundo seu pensamento, o comunismo deveria ser abatido do mundo, por se tratar de uma coisa do demônio. Pe. Pio ainda conclui sua escrita, dizendo que o comunismo deveria ser combatido da seguinte maneira: "[...] o combate ao comunismo deve ser atacado na fonte: ciência, cinema, romance, etc. Não se pode ter com ele a mínima colaboração [...]." Segundo suas palavras, pode-se concluir que Pe. Pio era totalmente contra qualquer movimento artístico, pois para ele a arte significava adoração ao demônio, e os católicos deveriam ficar bem longe disso.

Encontramos ainda as seguintes palavras em seus escritos: "Por ocasião do último congressinho em Ijuí, falei com um dos dirigentes, vindos de Porto Alegre [...], eu vendo que ele não queria me deixar falar, interrompi... pois eu sou radicalmente contra! Porque (caso você não seja já bem vermelhinho, e ele ouviu, e nem pestanejou)... em tratando-se de jovens inexperientes, expostos às ilusões, a esperteza sagacíssima dos técnicos comunistas, e em se tratando de jovens ingênuos e vaidosos, as vezes muito orgulhosos [...] que aderindo aos comunistas, atacando a Igreja [...]. E vivem aqui em Ijuí, destes mocinhos "inteligentes" que repeliram a assistência, caíram nas mãos dos comunistas... e não pediram demissão de seus cargos [...]". (BUSANELO).

Deste modo, ao ler a citação acima ressalta-se quão clara é sua posição, pois ele fala: "pois eu sou radicalmente contra". Suas falas são totalmente nítidas a respeito de seu total descontentamento sobre as manifestações ou movimentos "comunistas" que ocorriam em Ijuí. Ele repelia qualquer tipo de manifestação envolvendo movimentos estudantis, pois quando explicita a palavra inteligente fica claro o que ele pensa sobre a juventude, passando a impressão de que a juventude é leviana e ingênua. Ainda encontramos um panfleto escrito por ele que dizia: "[...] ALERTA OPERÁRIO! [...] não te deixes iludir pela propaganda comunista, porque o Comunismo traz a ruína de tua vida. Tu serás escravo dos totalitários vermelhos [...]."(BUSANELO). Portanto, o panfleto referido remete claramente ao fato de que a Igreja Natividade, na figura de Pe. Pio, tentava de todas as maneiras convencer a população que movimentos ditos comunistas eram errados, pois tinham ligação com o demônio, eles ainda afirmavam que o comunismo seria a própria Ditadura. Segundo o mesmo panfleto: "[...] o comunismo é verdadeira Ditadura. Quer entregar tua mulher, teus filhos, tua liberdade, tua propriedade ao governo totalitário? Defende o túmulo de teus filhos, o santuário de teu lar, a independência de tua pátria [...]." (BUSANELO).