A POLÍTICA NO MUNDO CLÁSSICO II
Por NERI P. CARNEIRO | 18/11/2012 | HistóriaA POLÍTICA NO MUNDO CLÁSSICO II
Neri de Paula Carneiro
mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Rolim de Moura-RO
Como era em Roma
Como eram as relações políticas em Roma, no período clássico? Não sabemos! O que sabemos é o que nos informam as fontes e elas nos indicam que, da mesma forma que no universo grego, no mundo romano houve uma evolução nos regimes políticos. Além disso, esta também foi uma sociedade em que o trabalho escravo permitiu o enriquecimento dos donos dos escravos. Portanto da mesma forma que o cidadão grego, o patrício romano era um proprietário de terras e de escravos.
É verdade que, sobre Roma há um maior volume de documentos e fontes diretas, do que a respeito de outras regiões e períodos anteriores. Mas, como todo documento e fonte histórica, os romanos também refletem o mesmo problema: foram produzidos com o objetivo de exaltar aquele grupo social e/ou político ao qual o autor estava vinculado. Aliás é o que afirma a professora Maria L. Corassin (2001, p. 7), dizendo que todos os autores da Roma antiga, bom como as inscrições e restos arquelógicos nos dão informações sobre “os meios aristocráticos aos quais estavam ligados”. Ou seja, as fontes de informação dão conta de que “existiu em Roma uma verdadeira propaganda, que difundia as grandes linhas da ideologia oficial usando as artes – a arquitetura monumental, a escultura, e mesmo as moedas – como meios para exaltar o sucesso do regime imperial” (2001, p. 8. grifo nosso). Mas não só no império, nos períodos anteriores também vale a mesma afirmação: quem produz um documento não o produz contra si ou contra seu grupo de origem, mas, pelo contrário, produz para exaltar a si e seu grupo.
Assim sendo, os documentos sobre Roma antiga dão conta das ações dos governantes, seus generais e suas vitórias. E nisso Roma não é diferente dos demais povos anteriores e posteriores: produz documentos para exaltar a vitória do vitorioso, descrevendo, quando for o caso, as fraquezas do oponente derrotado.
Podemos, inclusive, dizer que quanto mais documentos possuímos, maiores serão os problemas do historiador, uma vez que cada documento representa uma versão do fato. Isso não significa que não possamos nos indagar sobre as características das ideias políticas da Roma antiga. Principalmente porque os diferentes documentos apontam para alguns pontos em comum pelos quais podemos perceber que a organização da sociedade manifesta a organização política. E como se organizava a sociedade romana?
Basicamente dividida em dois grupos: de um lado os homens livres que tanto podiam ser os trabalhadores livres como os soldados os comandantes ou os membros da elite do governo e do senado. Do outro lado o elemento que mantinha em funcionamento essa sociedade: os escravos.
A elite romana
O que estamos chamando de “Elite romana” é representada pelos grandes proprietários de terra e está diametralmente oposta aos plebeus. Daí que em vários manuais de história de Roma encontramos a descrição dos constantes conflitos entre patrícios e plebeus. O fato é que sempre foi a elite romana quem decidiu os rumos da politica romana.
No final da realeza romana um grupo aristocrático “monopolizou o poder” e criou a república, “formaram um grupo fechado” do qual os plebeus foram expulsos. Dessa forma, não faziam parte do governo, pelo menos até que começaram a se revoltar, colocando em risco a preservação da ordem, que era favorável aos ricos proprietários. Na realidade os patrícios “descendentes dos senadores (patres) que se apresentavam como membros das mais antigas famílias de Roma, reservaram para si os novos cargos republicanos, magistrados e sacerdócio” (Corassin, 2001, p. 21). Serão, mais tarde, esses patrícios – e os atritos entre eles – que colocarão as bases do império romano. Podemos dizer que com o fim da república Roma caiu para cima, pois com a implantação do império se expandiu, chegando ao máximo do seu poderio: para manter a elite no poder e para ampliar o poder dos seus dirigentes.
Os “cidadãos privilegiados”, com o desenvolvimento das cidades e das exigências que dela decorrem criaram “instituições capazes de assegurar seu domínio”. Diferentemente do que ocorreu na Grécia, entre os romanos, “seja na República, seja no Império, o poder sempre permaneceu nas mãos de uma aristocracia” (Florenzano, 1986, p. 56). Ressaltando que essa aristocracia era formada, basicamente, por proprietários de terras e, consequentemente, de escravos. A república já fazia isso, mas principalmente o império romano fez guerras de expansão porque dessa forma aumentavam seus escravos.
Mas, também, não se pode esquecer que essa elite nem sempre fora proprietária de todas as terras. Pelo contrário, ocorreu um lento processo de apropriação e concentração fundiária. Concentração por compra ou pela força. “As terras foram se concentrando nas mãos dos ricos – terras que os pobres vendiam, perdiam ao vender as hipotecas ou das quais eram expulsos pela violência. Terras que precedentemente tinham sido cultivadas por homens livres eram transformadas em empreendimento agrícola. […]. Cultivadas por mão do obra escrava” (Corassin, 1988, p. 16). Notando que essa concentração fundiária se deu na mesma proporção do crescimento da escravidão.
Podemosdizer,portanto,que a elite romana era proprietária das terras, dos escravos e do poder político. Assim, não é exagero dizer que dessaelite é que surgiram os dirigentes políticos; será ela, também, que produzirá os diferentes conflitos pelo poder. Até mesmo o expansionismo romano se explica pelos atritos entre os interesses e grupos dominantes: expansionismo que significou maior território, disponibilidade de mais escravos e mais poder.
O escravismo e a posse da terra
Os gregos criaram o “modo de produção escravista”, mas foram os romanos que extraíram as últimas consequências desse modelo. Por isso podemos dizer que sem os escravos Roma não teria chegado a ser o que foi. Diz Florenzano, (1986 p. 57) que “a escravidão, por exemplo, que graças aos gregos passou a definir a estrutura sócio-econômica da sociedade clássica, foi desenvolvida por roma e explorada como relação social de trabalho até as últimas consequências”. Dai que podemos dizer que a expansão territorial cresceu na medida em que se necessitava de mais escravos.
No mundo romano os escravos “não eram considerados propriamente como homens, mas como instrumentos de produção”, afirma Burns (1986, p. 228). E de que produção se está falando? O escravo era usado em diferentes atividades urbanas, mas a ele cabia a ele a produção de quase tudo que se consumia no universo romano. Isso significa que quanto mais terra alguém possuía, de mais escravos necessitava.
Onde se buscavam tantos escravos? Nas guerras! Maria L. Corassin (2001, p. 46) afirma que pelo fato de se ter transformado em uma “sociedade de cidadãos com plenos direitos, de proprietários-soldados, a sociedade romana passou então a escravizar estrangeiros para a agricultura e todo tipo de trabalho”. Ou seja, possuir terras implicava na necessidade de mão do obra escrava, visto que os homens livres deveriam permanecer à disposição do Estado para o serviço militar.
Que faziam, então, os proprietários de terra, uma vez que necessitavam de muitos trabalhadores para manter sua produção? Usavam “escravos encontrados a baixo preço graças à escravização de milhares de prisioneiros de guerra. Após cada campanha militar, massas de escravos chegavam à Itália” (Corassin, 2001, p. 46).
O contante aumento da população escrava e consequente dependência dos escravos para todas as atividades, produziu o que não poderia deixar de existir: revoltas de escravos, sendo aquela liderada por Espártaco a mais conhecida. Entretanto ocorreram várias outras. Essas revoltas, se por um lado mostravam a fragilidade do sistema, por outro serviram para sofisticar o processo da dominação; mesmo que para isso fossem necessárias algumas concessões.
Com base nisso podemos repetir: o mando político, em Roma, era exercido pelos grandes proprietários de terra. E estes ampliavam seus domínios com base nas incursões militares, nas guerras de conquista pela qual, além de ampliar as fronteiras, aumentava a disponibilização de escravos para trabalhar nas terras conquistadas.
O Estado Romano
Dessa constatação nos vem uma indagação: qual a função do Estado Romano?
Evidentemente, como também ocorria na Grécia, o Estado Romano não era uma instituição visando o bem estar de toda a população. Como o Estado é uma expressão e manifestação dos interesses da classe dominante ou da elite dominante, o grupo que gerencia e toma as decisões o faz não em nome do povo, mas de acordo com os próprios interesses. Sendo assim a função do Estado Romano é manter os privilégios da elite romana.
Como o Estado é organizado para atingir esse fim? Impondo-se ora pela argumentação ora pela força. A argumentação provem do senado. Nessa instituição ocorriam as principais decisões romanas. Eram os senadores que, em última análise, gerenciavam os rumos de Roma. Corassin (2001) diz que o senado teve seu prestígio aumentado após as guerras Púnicas (e se aumentou é porque já o possuía a mais que outros grupos políticos). Além disso, afirma a autora, a “aristocracia senatorial” estava acima dos demais membros da sociedade. Essa aristocracia “destacava-se do restante da sociedade por sua riqueza, pela extensão de suas propriedades agrárias, por suas atividades na política, por seus privilégios e prestígio” (Corassin, 2001, p. 39). Aí está a explicação para os atritos entre senadores e entre estes e o povo. Razão pela qual ocorreram alguns atritos entre os senadores e os plebeus. Daí que no transcurso de inúmeros atritos, ao logo de muito tempo, passou-se a escolher, também, os tribunos da plebe.
Tanto no período monárquico, como na república ou no império havia um (por vezes mais de um) representante do governo. Esse, por sua vez, era a expressão do Estado. No entanto, em todos os momentos o ponto de partida do poder do estado romano estava sediado no senado.
A esse respeito, diz Burns (1986, p. 213), “O senado, ou conselho de anciãos, contava entre seus membros os chefes dos vários clãs que formavam a comunidade. Mais do que os cidadãos comuns, os dirigentes dos clãs representavam, sem dúvida, o poder soberano do Estado. O rei não passava de um deles, a quem delegavam o exercício ativo de sua autoridade. Quando vagava a função real, o poder imediatamente revertia ao senado”. E o senado escolhia novo representante; nem que para isso ocorressem discussões e atritos mortais entre os senadores.
O estado romano, também se utilizava da força. Para isso constituiu um dos melhores exércitos de que já se teve notícia. Ao ponto de impor a paz pela força: a pax romana, a paz que nascia da espada. O poder militar, portanto era imprescindível para manter o poder do senado. Por esse motivo a maioria dos senadores formava seus exércitos particulares e em nome da oligarquia alguns comandantes militares acabaram assumindo o governo de Roma. Chegando ao ponto de, em nome do governo, o comandante militar, ao assumir o governo, colocar seus comandados contra o senado. É a edição da constante luta pelo poder.
Formou-se, portanto, um Estado forte. Isso significa que a população passou a viver protegida, mas como que sob a constante ameaça do exército. Era uma proteção que se impunha pela força. Deve-se notar, de acordo com Maar (1984), que mesmo havendo um “Estado forte e dominador” seu objetivo não estava em si mesmo ou em sua expansão, mas na ampliação das riquezas e interesses dos patrícios. “A política dos romanos seria voltada a interesses manifestadamente particulares” (Maar, 1984, p. 33). Não se trata da defesa do “bem comum”, mas da defesa daquilo que interessava aos patrícios ou, melhor dizendo, aos interesses do grupo que estivesse no comando, a elite romana.
Caso nos perguntássemos o que caracteriza a política na Roma antiga, poderíamos dizer que é a presença de uma elite no comando. Essa elite, é formada pelos senadores e seus representantes, vários deles comandantes militares que exercem o governo. Isso indicando que a ação política no universo romano se caracteriza pela ação não em favos da população, mas em favor de interesses particulares e das famílias que formam a aristocracia.
BURNS,E.McNall.Históriadacivilizaçãoocidental28ed.PortoAlegre/RiodeJaneiro:Globo,1986.
CORASSIN,MariaLuiza.SociedadeePolíticanaromaantiga.SãoPaulo:Atual,2001
CORASSIN,MariaLuiza.ReformaagrárianaRomaAntiga.SãoPaulo:Brasiliense,1988.
FLORENZANO,MariaB.B.Omundoantigo:economiaesociedade.6ed.SãoPaulo:Brasileiense,1986.
MAAR,W.Leo.Oqueépolítica.5ed.SãoPaulo:Brasiliene,1984