A POLÍTICA ANTICICLICA BRASILEIRA DE ENFRENTAMENTO DA CRISE DE 2008: OS EFEITOS NO SETOR AUTOMOBILISTICO E NA ECONOMIA

Por Diogo dos Reis Cordeiro | 28/11/2017 | Economia

O objetivo desse estudo é avaliar o efeito das medidas anticíclicas adotadas pelo governo brasileiro, de 2008 a 2013, no setor automobilístico, para enfrentar a crise financeira mundial. Após o estouro da crise o crédito ficou escasso e atingiu o setor automobilístico que, devido aos altos valores dos bens produzidos, depende fundamentalmente do crédito. Graças ao poder desencadeador da indústria automobilística, o governo brasileiro atuou com politicas fiscais, monetárias e creditícias expansionistas, visando conter os avanços da crise e impulsionar o mercado. Os estímulos foram contestados pela via da renúncia fiscal, que produziria um déficit futuro, obrigando a fazer um novo ajuste de mercado. Contudo, também foram aplaudidos pelo engajamento do Estado em controlar um mercado importante na obtenção de riqueza nacional e tecnologia. Assim, através de modelagem econométrica, foram produzidos dois modelos que consideram a influencia das politicas anticíclicas, como a redução do IPI, o aumento do volume de crédito e a redução dos juros no volume de carros vendidos e dos investimentos em capital fixo. Os resultados mostraram que, conforme as variáveis utilizadas, e embora tenha ocorrido um crescimento no volume de vendas após a utilização dessas políticas, as medidas adotadas não influenciavam, concretamente, o aumento nas vendas de veículos.
Palavras chaves: Crise financeira. Mercado automobilístico. Estado. Mercado. Venda de veículos. Políticas anticíclicas. Imposto sobre produto industrializado – IPI. Crédito.

1 INTRODUÇÃO

O efeito cascata provocado pela crise financeira e seus desdobramentos provocou intervenções públicas em todo o mundo. No Brasil não foi diferente, assim que os efeitos foram percebidos o governo adotou uma série de políticas fiscais e monetárias expansionistas no intuito de minimizar e mitigar a crise. O BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB), juntamente com o BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), aplicaram medidas que tinham por finalidade a expansão do crédito e a recuperação de empresas ligadas aos efeitos do câmbio. O executivo atuou com desonerações em setores específicos que foram mais influenciados pela crise com o intuito de incentivar o consumo e proteger os investimentos. (BARROS; PEDRO, 2011; FREITAS, 2009; POCHMANN, 2009).

O setor industrial que mais sentiu os efeitos da crise financeira de 2008 foi o automotivo. Responsável por 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, 1,5 milhões de empregos diretos e indiretos, faturamento de US$ 110,9 bilhões e representando 23% do valor adicionado da indústria, o setor depende fundamentalmente da oferta de crédito para manter seus números. Com a chegada da crise ao Brasil no segundo semestre de 2008 as vendas caíram, só nesse período, 49%. A redução no crédito e, posteriormente, nas vendas foi muito significativa e obrigou as montadoras brasileiras a paralisarem, quase por completo, a produção nacional, iniciando um forte ritmo de demissões já naquele ano. (BARROS; PEDRO, 2011; BRASIL, 2016).

Entre as principais modalidades de crédito livre a pessoas físicas, a mais afetada pela crise foi a de Aquisição de Bens-Veículos, cujas concessões já vinham se reduzindo desde o início de 2008, movimento que se acentuou em novembro e dezembro daquele ano, voltando a crescer a partir de 2009, com o incentivo associado à redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de automóveis. Observou-se, também, redução nas concessões de crédito pessoal a partir de abril de 2008, que somente voltaram a crescer a partir de março de 2009. (ANNIBAL; LUNDBERG; KOYAMA, 2010, p. 42).

No setor automotivo, o governo brasileiro atuou na desoneração do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a indústria e na redução do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para as operações de crédito relacionadas às vendas de carros. Essas medidas resultaram na recuperação do setor já em 2009 e tinham como objetivo recuperar as vendas do setor, ampliar a oferta e a capacidade instalada no país. Alvarenga e outros (2010) apontam que, as medidas de socorro implantadas pelo governo surtiram efeito rapidamente, e, em março de 2009, as vendas já alcançavam resultados similares ao ano anterior. Portanto: “o enfoque na redução do IPI de automóveis se justifica na medida em que a desoneração vigorou durante todo o primeiro semestre de 2009 e se aplicou a um setor com grande capacidade de encadeamento na economia brasileira” (INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA, 2009, p. 3).

O grande reflexo da crise mundial de 2008 se deu na queda acentuada da demanda e fuga do crédito. A perda da confiança foi resultado do efeito em cascata provocado pela quebra de instituições, até então, consideradas sólidas. A desregulamentação financeira americana iniciada no sistema de financiamento imobiliário aliado a um complexo processo de interligação mundial no sistema financeiro global resultou em uma divisão mundial dos prejuízos. Desde os anos 1990 a alavancagem das instituições financeiras aumentava à custa do crescimento mundial. Seguindo o movimento contrário, as taxas de juros reais caiam e impediam os ganhos dessas instituições que buscaram outras formas de manter suas taxas de lucro. (GONTIJO, 2008; FERRAZ, 2013).

Ainda, segundo Ferraz (2013), os fluxos de capitais foram fortemente atingidos pela crise do subprime. Os spreads aumentaram e os avessos ao risco se voltaram para os títulos americanos, consequentemente o dólar sofreu forte valorização mundial e obrigou o governo americano a adotar uma importante política de manutenção do grau de liquidez internacional. “Um montante de dólares era trocado pela moeda estrangeira à taxa de câmbio vigente no momento da operação com o comprometimento de desfazer a troca em determinada data utilizando à mesma taxa de câmbio praticada no primeiro movimento da operação”. (FERRAZ, 2013, p. 23-24).

Os efeitos da crise só foram evidentes no Brasil a partir do segundo semestre de 2008, quando o crédito mundial passou a ser mais seletivo. A transmissão da crise para o país veio por meio de uma forte apreciação da moeda americana, aumentando o custo do crédito externo e afetando diretamente empresas exportadoras que utilizavam derivativos cambiais. “Os problemas emanados de tais operações aumentaram as incertezas no mercado de crédito doméstico, o que foi acompanhado por redução de liquidez e falta de funding no mercado interbancário”. (FERRAZ, 2103, p. 37).

Devido à redução do crédito internacional oferecido ao país, os repasses de créditos externos pelas instituições do Sistema Financeiro Nacional (SNF) retraíram a partir de julho de 2008, prática intensificada em setembro daquele ano. Os fluxos de concessões apresentaram queda nos meses seguintes, movimento que se acelerou no fim do mesmo ano, variando entre US$3,0 e US$4,1 bilhões em 2009. (ANNIBAL; LUNDBERG; KOYAMA, 2010). Conforme Freitas (2009), o crédito externo aos bancos brasileiros cessou, prejudicando o financiamento do comércio externo no país. Naquele momento, o crédito era essencial devido ao longo período de crescimento acelerado da produção. Dada a elevação da taxa cambial, os bancos e empresas foram afetadas por meio dos contratos de derivativos. A necessidade de cumprir tais contratos conduziu o fluxo de crédito para essas operações e afetou os outros setores da economia. Assim, com o crédito pessoal e empresarial virtualmente interrompido, o consumo reduziu significativamente e os estoques aumentaram já no terceiro trimestre de 2008.

Além do efeito nocivo ao câmbio, a crise também afetou as decisões das multinacionais e transnacionais no Brasil. Esse efeito ecoou nas decisões de investimento que essas empresas estavam encaminhando ao país. O resultado foi um influxo de capital destinado às matrizes a fim de reduzir os prejuízos nos países mais afetados. (POCHMANN, 2009).

A introdução de uma política de desoneração industrial e fomento do crédito, como foi aplicada sobre a produção de automóveis no Brasil, enfatiza o papel das políticas anticíclicas e sua função em tempos de crise. Todavia, os efeitos de tais políticas devem ser analisados a fim de ampliar a visão do resultado total. Em estudo, Correia e Oreiro (2006), avaliaram a introdução de políticas anticíclicas num cenário de recessão a fim de estabelecer se, através delas, a economia encontraria novamente o equilíbrio.

Posto isso, uma questão ainda deve ser respondida: estabelecida uma política anticíclica de recuperação do setor automobilístico, qual foi o efeito dessa implantação para o setor e, posteriormente, para recuperação da economia brasileira?

A fim de buscar respostas para essa pergunta o estudo: (i) examina o panorama da economia brasileira e do setor automobilístico, descrevendo as políticas implementadas no setor desde o ano 2000 até a crise de 2008; (ii) avalia o impacto das políticas implementadas no setor, bem como na economia brasileira, através da análise do consumo por modelo de curto prazo; e (iii) analisa se as políticas impulsionaram os investimentos no setor baseado em um modelo de longo prazo, voltado para a formação bruta de capital fixo.

O estudo é relevante, pois considera os efeitos da política anticíclica sobre a economia brasileira, abordando a alocação dos recursos sobre a ótica da produção e dos resultados econômicos adquiridos, permitindo uma avaliação prática dos instrumentais aplicados pelo governo brasileiro. Outro ponto relevante que será analisado é a implementação de contingencias emergenciais econômicas, compreendendo a discussão da eficiência do Estado na delimitação e/ou ampliação dos mercados e através de quais instrumentos um setor ou a economia como um todo pode ser beneficiada.

Nesse sentido, o estudo se divide em seis capítulos. O primeiro trata-se dessa introdução, que demonstra as motivações e o escopo do estudo. O segundo capítulo rememora o pensamento econômico ao considerar o dilema Estado versus mercado, que influencia toda a discussão. O terceiro reconstrói os passos das políticas industriais e da evolução do mercado automobilístico desde os anos 1990 até o advento da crise e dos impactos que a política anticíclica causou sobre o mercado automobilístico e a economia. O quarto trata da metodologia utilizada na elaboração dos modelos de curto e longo prazo, o quinto retrata as análises extraídas dos modelos produzidos. O sexto capítulo reúne as considerações finais sobre o tema estudado e aponta novas discussões acerca do mesmo.

Para conseguir responder aos objetivos traçados serão utilizadas duas metodologias. A primeira é uma reflexão bibliográfica, através do resumo de assunto, utilizando-se da técnica de leitura analítica para formas textuais, temática e interpretativa. Dentro do objetivo central, será analisado o panorama da economia brasileira e do setor automobilístico e também um histórico das políticas que foram implementadas até o advento da crise econômica de 2008. A elaboração dessas avaliações será realizada por meio de textos, artigos, livros e demais publicações acerca do tema e dados retirados de órgãos ligados ao Estado e associações, como BCB, IPEA, ANFAVEA e IBGE. A segunda metodologia será proposta por modelos econométricos que refletirão a eficiência das políticas anticrise utilizadas pelo governo brasileiro. Dois modelos serão utilizados para medir essa eficiência, o primeiro demonstrará o crescimento das vendas de veículos e o segundo tentará demonstrar se houve uma ampliação na capacidade instalada através do aumento do investimento no setor.

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