A poética simbolista: a ligação dos poemas à musicalidade e à sonoridade
Por Roseli Gonçalves | 28/10/2011 | LiteraturaINTRODUÇÃO
O Simbolismo Surgiu na França, no final do século XIX, e teve como principais representantes Mallamé, Verlaine e Baudelaire. Esses poetas abandonam os princípios da escola realista e parnasiana e dedicam-se ao “culto do etéreo, do subjetivo, do obscuro, do vago, do sugestivo”; rejeitam o mito da precisão descritiva; para eles, a palavra poética deve antes sugerir que dominar. Em 1857, na França, Charles Baudelaire (1821-1867) publicou As Flores do Mal e em 1866 saiu o primeiro número da antologia Le Parnasse Contemporain. Nesta, foram expostas tanto composições simbolistas quanto produções parnasianas. Esse movimento literário que antecedeu a Primeira Guerra Mundial (1913-1918) surge como reação às correntes materialistas e cientificistas da sociedade industrial do início do século XX. A palavra simbolismo é originária do grego, e significa colocar junto. Os simbolistas, negando os parnasianos, aboliram o culto à forma de suas composições. O simbolismo dividiu com aquele estilo o espaço cultural europeu entre o final do século XIX e o início do século XX.
SIMBOLISMO BRASILEIRO- INFLUÊNCIAS E CARACTERÍSTICAS
O Simbolismo, no Brasil, representa uma das épocas mais importantes de nossa história literária e cultural. Este movimento penetrou em nosso país, por intermédio de Medeiros e Albuquerque, que, desde 1891, recebia livros dos decadentistas franceses.
Em 1893, Cruz e Sousa publica Missal e Broquéis, obras que definem a história do Simbolismo brasileiro.
Entre as últimas décadas do século XIX e princípios do século XX, os simbolistas conviveram num período em que o Brasil procurava conquistar sua maturidade mental e sua autonomia. Mesmo depois da independência de 1822, a Metrópole ainda continuava a exercer a sua ação colonialista. O comércio, as transações bancárias, a imprensa estavam sob o influxo da Metrópole. A primeira tentativa de autonomia deu-se com a Regência (1830-1841), mas só foi com a Proclamação da República que o Brasil separou-se definitivamente de Portugal. Esse fato levou os homens de letras do século XIX a explorar o tema do nacionalismo. A busca de “símbolos que traduzam a nossa vida social”, afirma Araripe Júnior.
Os simbolistas buscavam integrar a poesia na vida cósmica, usando uma linguagem indireta e figurada. Cabe ainda ressaltar que a diferença entre o Simbolismo e o Parnasianismo não está primeiramente na forma, já que ambos empregam certos formalismos (uso do soneto, da métrica tradicional, das rimas ricas e raras e de vocabulário rico), mas no conteúdo e na visão de mundo do artista. Apesar de seguir alguns efeitos estéticos do Parnaso, esse movimento desrespeitou a gramática tradicional com o intuito de não limitar a arte ao objeto, trabalhando conteúdos místicos e sentimentais, usando para tanto a sinestesia (mistura de sensações: tato, visão, olfato...). Essa corrente literária deu atenção exclusiva à matéria submersa do "eu", explorando-a por meio de uma linguagem pessimista e musical, na qual a carga emotiva das palavras é ressaltada; a poesia aproxima-se da música usando aliterações.
A POÉTICA E O ESTILO DE CRUZ E SOUSA E ALPHONSUS GUIMARAENS E AUGUSTO DOS ANJOS
O poeta João da Cruz e Sousa nasceu em Desterro(atual Florianópolis)no dia 24 de novembro de 1861 ,filho de negros alforriados, desde pequeno recebeu a tutela e uma educação refinada de seu ex-senhor, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa - de quem adotou o nome de família. Aprendeu francês, latim e grego, além de ter sido discípulo do alemão Fritz Müller, com quem aprendeu Matemática e Ciências Naturais. Seus poemas são marcados pela musicalidade (uso constante de aliterações), pelo individualismo, pelo sensualismo, às vezes pelo desespero, às vezes pelo apaziguamento, além de uma obsessão pela cor branca. É certo que encontram-se inúmeras referências à cor branca, assim como à transparência, à translucidez, à nebulosidade e aos brilhos, e a muitas outras cores, todas sempre presentes em seus versos.No aspecto de influências do simbolismo, nota-se uma amálgama que conflui águas do satanismo de Baudelaire ao espiritualismo ligados tanto a tendências estéticas vigentes como a fases na vida do autor.Quando Cruz e Souza diz "brancura", é preciso recorrer aos mais altos significados desta palavra, muito além da cor em si.
Afonso Henrique da Costa Guimarães, nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, em 24 de julho de 1870 e morreu, em Mariana, a 15 de julho de 1921.
Ouro Preto foi o cenário dos primeiros anos da vida do Poeta que desde sua infância dava sinais de extrema sensibilidade e acentuada introversão. Considerado um dos grandes nomes do Simbolismo, e por vezes o mais místico dos poetas brasileiros, Alphonsus de Guimaraens tratou em seus versos de amor, morte e religiosidade. A morte de sua noiva Constança, em 1888, marcou profundamente sua vida e sua obra, cujos versos, melancólicos e musicais, são repletos de anjos, serafins, cores roxas e virgens mortas. Seus sonetos apresentam uma estrutura clássica, e são profundamente religiosos e sensíveis na medida em que ele explora o sentido da morte, do amor impossível, da solidão e da inaptação ao mundo.
Contudo, o tom místico imprime em sua obra um sentimento de aceitação e resignação diante da própria vida, dos sofrimentos e dores. Outra característica marcante de sua obra é a utilização da espiritualidade em relação à figura feminina que é considerada um anjo, ou um ser celestial, por isso, Alphonsus de Guimaraens é neo-romântico e simbolista ao mesmo tempo, já que essas duas escolas possuem características semelhantes. Oscila, assim, entre os indícios materiais da morte e a expectativa do sobrenatural, como se toda a sua poesia se fizesse em variações de um mesmo réquiem. Mas a evolução da linguagem é permanente e a tendência a um barroco discreto na poesia como “Ouro Preto”, “Mariana” se flexibiliza, se inova com acentos verlainianos, mallarmaicos, de que brotam imagens muitas vezes ousadas, não longe da invenção surrealista.
O poeta Augusto dos Anjos nasceu no engenho Pau D’arco (Paraiba). Sua poética tem um estilo inconfundível que embriaga e perturba ou podemos usar o termo, dissonância para explicar esse fato.
Sua poesia se ambiente na decadência, na doença, no luto, tudo parece desmoronar ou estás morrendo. A morte em sua poética é um fato material.Extingue-se a vida como um processo químico, o corpo humano está condenado ao apodrecimento e a desintegração.
ANÁLISE
Segundo Goldstein, o discurso literário é considerado específico, pois a seleção e a combinação das palavras se fazem levando em consideração diversos critério entre os quais destacamos o sonoro, a musicalidade.
Os poetas simbolistas tem como uma das características a musicalidade, a utilização do sonoro, e para conseguir proporcionar ao poema esse efeito utilizam vários Recursos. A poesia em si já apresenta caráter de oralidade bem acentuado. E o poeta sugere musica e ritmo na poesia.
O poeta simbolista abre mão de alguns recursos como: a marcação de silabas poéticas(forte e fracas); a repetição de letras, repetição de uma palavra na mesma posição; a repetição de letras que lembram sons; as rimas são também critérios ou meios que os poetas utilizam com o objetivo de dar o ritmo, o efeito sonoro desejado ao poema. Não podemos esquecer que os poetas simbolistas também figuras de efeito sonoro como a aliteração, assonância.
Os poemas que serão analisados começam a nos remeter ao som, a musicalidade logo no seu nome, “Sonata” Árias do Luar” e “Bandolim” pois são composições ou instrumentos musicais.
Ao lermos o poema de Cruz e Sousa “Sonata” podemos analisá-lo e encontrar recursos que nos fazem compreende-lo como um poeta simbolista e que utiliza recursos que fazem com que seu poema tenha ritmo, musicalidade.
No poema alguns símbolos são marcados com iniciais maiúscula como: o Mar e a Lua. Sendo que o Mar é um dos principais símbolos apresentados no poema significando as águas em movimentos. Como nos versos:
Canções, leves canções de gondoleiros,
Canções do Amor, nostálgicas baladas,
Cantai com o Mar, com as ondas esverdeadas,
De lânguidos e trêmulos nevoeiros!
(Cruz e Sousa)
O Mar se identifica como depósitos de emoções latentes e que embala as canções de amor dos gondoleiros. No poema o Mar é sinestesicamente, retratado em sons e murmúrios como se fossem cânticos.
A ligação do poema à musicalidade está representada pelo uso dos vocábulos flautas, harpas, alaúdes, cântico, canções e balada, e pelo emprego da aliteração (repetição musical de consoantes) e assonância (repetição de vogais).
Tritões marinhos, belos deuses rudes,
Divindades dos tártaros abismos,
Vibrai, com os verdes e acres eletrismos
Das vagas, flautas e harpas e alaúdes!
(Cruz e Sousa)
O poema apresenta quatro quarteto, de quatro versos,, com esquama métrico fixo de rimas paralelas, com esquema rítmico ABBA e CDDC. È importante observamos que este esquema rígido da métrica faz o poema aproximar-se da estética parnasiana. Reiterando que SONATA é um gênero de composição musical instrumental que aproxima o poema simbolista da intenção musical.
A poética de Alphonsus de Guimaraens apresenta traços românticos e sua temática principal é cantar a morte como uma forma de evasão e de fuga da realidade. O poema Ária de Luar assume um tom fúnebre. Se pensarmos na luz da Lua como pálida, o ritmo do poema sugere tristeza e luto: A cor azul representa uma cor fria, , a neve(de caráter místico, representa a busca das alturas e luz). Assim, o poema se revela como um cântico a dor, ao sofrimento, à morte. Leia nos versos:
Ária do Luar O luar, sonora barcarola,
Aroma de argental caçoula,
Azul, azul em fora rola...
Como lençóis claros de neve,
Que o sol filtrando em luz esteve,
É transparente, é branco, é leve.
(Alphonsus de Guimaraens)
O poema ária de Luar é composto é composto por 10 tercetos, com esquema métrico fixo ABA, CDC que se repete nas estrofes restantes. O poeta dar ênfase ao uso da sílaba final soante em cada uma das estrofes: LA na 1a (barcarola, caçoula e rola), SA na 2a (lacrimosa, ousa, radiosa), esquema que se repete nas estrofes seguintes. O poeta usou esse recurso para realçar a musicalidade. O poema se aproxima da estética parnasiana como ocorreu com Cruz e Sousa no poema Sonata pelo rigor métrico.
Lembrando assim, como em Sonata poema de Cruz e Sousa, o poeta Alphonsus de Guimaraens nominou parte de seu poema com o nome Ária, é como chamamos a qualquer peça de música vocal ou instrumento em que predomina a melodia, este fato aproxima o poema da intenção musical dos simbolistas.
No poema a sonoridade e a musicalidade estão presentes no uso de vocábulos, como: sonoro, barcarola, cantos e gemidos. Com o intuito do uso da sinestesia selecionou vocábulos que indicam cores, sons, imagens, odores: luar (visão) sonoro (audição) aroma (paladar) entre outros. Veja nos versos a seguir:
Rola, sonora barcarola,
Aroma de argental caçoula,
O luar, azul em fora, rola...
(Alphonsus de Guimaraens)
O poema Bandolim de Augusto dos Anjos, também encontramos recursos importantes utilizados pelo poeta para deixar seu poeta cheio de musicalidade e sonoridade. A ligação do poema à musicalidade está representada pelo uso dos vocábulos fado, canto, bandolim, e pelo emprego da aliteração (repetição musical de consoantes) e assonância (repetição de vogais).
Cantas, soluças, bandolim do Fado
E de Saudade o peito meu transbordas;
Choras, e eu julgo que nas tuas cordas,
Choram todas as cordas do Passado!
(Augusto dos Anjos)
O poema é Soneto, com esquema métrico fixo de rimas paralelas, com esquema rítmico ABBA, CDDC. È importante observamos que este esquema rígido da métrica faz o poema aproximar-se da estética parnasiana. Reiterando que Bandolim é um instrumental musical que aproxima o poema simbolista da intenção musical.
CONCLUSÃO
O estudo sobre a poética simbolista possibilita a compreensão dos poetas em destaque. Percebeu-se que a poesia simbolista é sugestiva. Os poetas simbolistas descobrem o ritmo e a musicalidade das palavras, utilizando os símbolos em suas correspondências sinestésicas.
Apesar de seguir alguns efeitos estéticos do Parnasianismo, esse movimento desrespeitou a gramática tradicional com o intuito de não limitar a arte ao objeto, trabalhando conteúdos místicos e sentimentais, usando para tanto a sinestesia (mistura de sensações: tato, visão, olfato...). Portanto, o simbolismo buscou o sentimento de variação e de rapidez compreender que o mundo não é estático e de que a vida é uma luta constante em busca de mudanças, e representa a revisão dos conceitos e das promessas propagadas pelo materialismo cientifico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons e Ritmos. São Paulo. Ática, 1980.
MOISÈS, Massaude. A Literatura Brasileira. São Paulo, Cultrix, 1995.
ANEXO -A
Sonata
I
Do imenso Mar maravilhoso, amargos,
Marulhosos murmurem compungentes
Cânticos virgens de emoções latentes,
Do sol nos mornos, mórbidos letargos...
II
Canções, leves canções de gondoleiros,
Canções do Amor, nostálgicas baladas,
Cantai com o Mar, com as ondas esverdeadas,
De lânguidos e trêmulos nevoeiros!
III
Tritões marinhos, belos deuses rudes,
Divindades dos tártaros abismos,
Vibrai, com os verdes e acres eletrismos
Das vagas, flautas e harpas e alaúdes!
IV
O Mar supremo, de flagrância crua,
De pomposas e de ásperas realezas,
Cantai, cantai os tédios e as tristezas
Que erram nas frias solidões da Lua...
XIV- Ária do Luar
Ária do Luar O luar, sonora barcarola,
Aroma de argental caçoula,
Azul, azul em fora rola...
Cauda de virgem lacrimosa,
Sobre montanhas negras pousa,
Da luz na quietação radiosa.
Como lençóis claros de neve,
Que o sol filtrando em luz esteve,
É transparente, é branco, é leve.
Eurritmia celestial das core,
Parece feito dos menores
E mais transcendentes odores.
Por essas noites, brancas telas,
Cheias de esperanças de estrelas,
O luar é o sonho das donzelas.
Tem cabalísticos poderes
Como os olhares das mulheres:
Melancoliza e enerva os seres.
Afunda na água o alvo cabelo,
E brilha logo, algente e belo,
Em cada lago um sete-estrelo.
Cantos de amor, salmos de prece,
Gemidos, tudo anda por esse
Olhar que Deus à terra desce.
Pela sua asa, no ar revolta,
Ao coração do amante volta
A Alma da amada aos beijos solta.
Rola, sonora barcarola,
Aroma de argental caçoula,
O luar, azul em fora, rola...
O Bandolim
Cantas, soluças, bandolim do Fado
E de Saudade o peito meu transbordas;
Choras, e eu julgo que nas tuas cordas,
Choram todas as cordas do Passado!
Guardas a alma talvez d’um desgraçado,
Um dia morto da Ilusão as bordas,
Tanto que cantas, e ilusões acordas,
Tanto que gemes, bandolim do Fado.
Quando alta noite, a lua é fria e calma,
Teu canto vindo de profundas fráguas,
É como as nênias do Coveiro d’alma!
Tudo eterizas num coral de endechas…
E vais aos poucos soluçando mágoas,
E vais aos poucos soluçando queixas!