A pesca de arrasto do camarão sete-barbas na praia do Perequê (Guarujá, SP) e as restrições de uso do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) costeiro

Por Erica Silva Morais | 10/06/2024 | Ambiental

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – UNIFESP DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DO MAR – DCMar

A pesca de arrasto do camarão sete-barbas na praia do Perequê (Guarujá, SP) e as restrições de uso do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) costeiro

Alunas: Érica Silva Morais e Fernanda Pimenta Pacheco

SANTOS 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – UNIFESP DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DO MAR – DCMar

A pesca de arrasto do camarão sete-barbas na praia do Perequê (Guarujá, SP) e as restrições de uso do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) costeiro

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao curso de Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia do Mar

Alunas: Érica Silva Morais e Fernanda Pimenta Pacheco Orientador: Prof. Dr. Thiago Zagonel Serafini

SANTOS 2015

Agradecimentos

À nossa família pelo incentivo e apoio incondicional.

À Universidade Federal de São Paulo – Unifesp e seu corpo docente, por nos oferecer um ensino de excelência e um vasto conhecimento.

Ao nosso orientador Prof. Dr. Thiago Zagonel Serafini, pelo apoio, orientação, paciência e dedicação durante todo o trabalho.

Ao Alexandre Rodrigues, aluno de mestrado do Instituto de Pesca que nos ajudou nas entrevistas com os pescadores.

Aos pescadores do Perequê que nos receberam de braços abertos e participaram da pesquisa com paciência e bom humor. Compartilharam conosco sua vasta experiência e conhecimento sobre a pesca e o mar, graças a isso pudemos concluir nossa pesquisa.

Resumo

Na praia do Perequê, localizada no município de Guarujá, a pesca de arrasto do camarão-sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri) é o principal produto explorado na pesca, portanto, apresenta grande relevância social e econômica. Considerando a necessidade de gerir de forma adequada o uso e ocupação da costa brasileira, foi instituído, em 1987, o Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro (GERCO) estabelecendo diretrizes para o desenvolvimento econômico e social associado a conservação dos ecossistemas e da paisagem natural costeira. Dentre os instrumentos de gestão do GERCO está o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). O (ZZE) define características, diretrizes e metas para a gestão e uso da zona costeira. Foi construído buscando integrar diversos interesses, como a preservação dos recursos naturais como também do setor pesqueiro artesanal, entre eles os pescadores da pesca de arrasto. Para a zona marinha do ZEE, há atividades e usos permitidos, onde ocorrem restrições para algumas modalidades de pesca, como a de arrasto motorizado. Tais normas, por vezes, podem impactar significativamente as comunidades que tradicionalmente dependem dos recursos naturais. Neste trabalho, foi realizado levantamento bibliográfico e realizadas entrevistas semiestruturadas com os pescadores da praia do Perequê (Guarujá, SP) onde avaliamos a percepção destes pescadores com relação ao ZEE e sobre as restrições às áreas de pesca de arrasto motorizado em decorrência do zoneamento marinho (ZM). Deste modo, pudemos entender como é feita a pesca de arrasto motorizado na praia do Perequê, identificar as principais áreas de pesca destes pescadores, avaliar quais são as restrições criadas para a pesca de arrasto motorizado e como os pescadores compreendem tais normas. Segundo os pescadores, as áreas de pesca para o arrasto do camarão sete-barbas abrange desde o Canal de Bertioga (Limite norte) até o Farol da Moela, Guarujá (Limite sul), entre as profundidades de 6 e 27 m. As embarcações são de pequeno porte, não ultrapassam os 12 metros de comprimento. Apesar da maioria dos pescadores entrevistados nunca ter ouvido falar sobre o ZEE, 67% conhece pelo menos uma norma de restrição do ZEE e metade deles afirmou conhecer alguém que participou das reuniões para a criação do ZM. Com isso, concluímos que mesmo que os pescadores do

Perequê não saibam claramente explicar ou definir o que é o Zoneamento Ecológico-Econômico e suas restrições, as restrições impostas pelo ZM tem baixo potencial de afetar a pesca de arrasto, dadas as características da pesca de arrasto. Por outro lado, o baixo entendimento dos pescadores com relação ao instrumento evidência um distanciamento entre a formulação das políticas de gestão ambiental na zona costeira e os usuários dos recursos costeiros afetados por tais políticas.

Palavras-chave: pesca de arrasto, camarão sete-barbas, Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE, Guarujá.

Lista de Figuras

Figura 1. Praia do Perequê – Guarujá/SP 18

Figura 2. Embarcações dos pescadores artesanais da Praia do Perequê – Guarujá/SP 19

Figura 3. Entrevista com Pescador da praia do Perequê – Guarujá/SP 20

Figura 4. Costa do município de Guarujá/SP com a localização da área de pesca aproximada dos pescadores da praia do Perequê e parte do Zoneamento Marinho do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) da Baixada Santista 24

Lista de Tabelas

Tabela 1. Restrições à pesca artesanal de arrasto das diferentes Zonas Marinhas determinadas no Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) da Baixada Santista 26

Tabela 2. Percepção dos pescadores de arrasto (n=6) da praia do Perequê (Guarujá, SP) com relação as restrições à pesca e sobre o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) da Baixada Santista 26

Lista de Abreviaturas e Siglas APA - Área de Proteção Ambiental GERCO - Gerenciamento Costeiro

ZEE - Zoneamento Ecológico-Econômico ZM - Zoneamento Marinho

PNGC - Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro PNMA - Política Nacional do Meio Ambiente

PNRM - Política Nacional de Recursos do Mar PEGC - Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro PMGC - Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro Z1M - Zona 1 Marinha

Z2ME - Zona 2 Marinha Especial Z3ME - Zona 3 Marinha Especial Z2M - Zona 2 Marinha

Z3M - Zona 3 Marinha

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

MPA - Ministério da Pesca e Aquicultura

Sumário

1 INTRODUÇÃO 10

2. REVISÃO DA LITERATURA 13

3 MATERIAL E MÉTODOS 18

3.1 A PRAIA DO PEREQUÊ 18

3.2. METODOLOGIA 19

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 22

4.1 A PESCA DE ARRASTO NO PEREQUÊ 22

4.2 CARACTERIZAÇÃO DOS PESCADORES 24

4.3 A PERCEPÇÃO DOS PESCADORES SOBRE AS RESTRIÇÕES À PESCA DE ARRASTO E DO ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO 25

CONCLUSÃO 30

REFERÊNCIAS 31

ANEXO 1 35

1 Introdução

A pesca artesanal é considerada uma das atividades econômicas mais tradicionais do Brasil. É exercida por produtores autônomos, em regime de economia familiar ou individual, ou seja, contempla a obtenção de alimento para as famílias dos pescadores ou para fins exclusivamente comerciais.

De acordo com Diegues (2004) citado por Ramires et al. (2012, p. 37),

A pesca artesanal é considerada uma das atividades mais antigas exercidas pelo homem em período anterior ao Neolítico, esta por sua vez proporcionou aos pescadores adquirir um vasto conhecimento ao longo de vários séculos sobre os aspectos relacionados ao ciclo de vida das espécies capturadas, a época de sua reprodução e a concentração de cardumes. Além disso, beneficia as populações litorâneas, quanto ao elevado nível de emprego com grande potencial para o desenvolvimento social e econômico dessas populações, proporcionando maiores conhecimentos e exploração nos setores de pesca como um todo. Esta atividade constitui uma ampla diversidade cultural das populações de pescadores.

Para os pescadores na zona costeira, a pesca artesanal é de grande importância, tanto do pontos de vista econômico, com o provimento de renda através da comercialização do pescado, quanto pelo lado sociocultural, considerando o grande número de pessoas envolvidas, que tem na pesca seu principal modo de vida.

Segundo Vasconcellos et al. (2007),

A pesca artesanal é atualmente (dados de 2002) responsável por 52,5% das 535.403 toneladas anuais de recursos pesqueiros estuarinos e marinhos desembarcados no Brasil. (...) Os peixes ósseos são os principais recursos explotados pela pesca artesanal na Região Sudeste, sendo a contribuição de peixes elasmobrânquios e invertebrados muito reduzida.(...) Entre os crustáceos o camarão- sete-barbas Xiphopenaeus kroyeri é atualmente o recurso dominante nos desembarques

No litoral de São Paulo, a praia do Perequê, no município de Guarujá, concentra um grande número de pescadores artesanais. Aproximadamente

8.000 pessoas vivem neste bairro, predominantemente de pescadores caiçaras, que tem na pesca a sua principal atividade econômica, principalmente voltada à pesca de arrasto do camarão sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri) (LOPES et al., 2009).

Em 2013, o programa de Gerenciamento Costeiro do estado de São Paulo instituiu o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) da Baixada Santista (Decreto n°58.996, de 25 de março de 2013). O ZEE, através do Zoneamento Marinho (ZM), estabeleceu algumas restrições aos usos dos recursos e ambientes marinhos. Estas restrições afetam diretamente a pesca costeira, dentre elas, a de arrasto motorizado de camarões.

Historicamente, políticas de gestão ambiental na zona costeira vem sendo conduzidas de uma maneira bastante centralizada, com pouca participação da sociedade (PECCATIELLO, 2011; COLETTI, 2012). Em algumas situações, tais como no uso de recursos costeiros por comunidades de pescadores artesanais, este processo pode levar a conflitos e/ou na baixa eficiência da gestão dos recursos e do território. Dentre os fatores relevantes para processos mais participativos de gestão, está o reconhecimento da percepção dos usuários dos recursos sobre o ambiente e as instituições. Em geral, há uma falta de confiança da população nas instituições de fora e de legitimação das regras pelos usuários (regras não congruentes à realidade) (KALIKOSKI et al., 2009).

Considerando que a pesca de arrasto motorizado é uma das principais atividades socioeconômicas dos pescadores da praia do Perequê, e que sua área de atuação sobrepõe com o ZM do ZEE (LOPES et al., 2009), o qual estabelece restrições para esta atividade, em que medida estas restrições afetam esta pesca local? Este projeto de pesquisa tem por objetivo responder a seguinte questão: de que maneira os pescadores da Praia do Perequê percebem as restrições do ZM do ZEE da Baixada Santista e como esta afeta a pesca de arrasto de camarões? Para isto, teve como objetivos específicos (i) caracterizar a pesca de arrasto do Perequê; (ii) levantar as restrições do ZM do ZEE quanto a pesca de arrasto; e (iii) avaliar a percepção

dos pescadores sobre as restrições e o ZEE. Espera-se contribuir para compreensão da relação entre os usos dos recursos da zona costeira e de sua gestão, visando fortalecer a conservação dos ecossistemas marinhos e a promoção do desenvolvimento sustentável.

2. Revisão da literatura

A zona costeira brasileira é definida como patrimônio nacional pela Constituição Federal. Devido a necessidade de gerir de forma adequada o uso e ocupação da costa e estabelecer diretrizes para o desenvolvimento econômico e social associado a conservação dos ecossistemas e da paisagem natural, foi instituído, em 1987, o Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro (GERCO), pela Lei Federal nº 7.661/88.

O PNGC é parte integrante da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e da Política Nacional de Recursos do Mar (PNRM). Tem por objetivo orientar a utilização racional dos recursos da zona costeira, de forma a melhorar a qualidade de vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural (BRASIL, 1988).

A institucionalização do PNGC em todos os dezessete estados costeiros constituem muitos avanços. Permitiram a ampliação dos espaços de manobra atualmente existentes tendo em vista a maturação de um sistema de gestão ao mesmo tempo integrada, participativa e ecologicamente responsável do patrimônio natural e sociocultural existente no litoral brasileiro. Porém, mesmo após sua criação, o PNGC ainda não se consolidou como um mecanismo eficaz de gestão participativa dos recursos naturais e espaços litorâneos, e tampouco de integração das várias políticas públicas incidentes sobre a zona costeira (POLETTE et al., 2004).

O PNGC determina que além da União, os Estados e os Municípios costeiros devem estabelecer seus Planos Estaduais e Municipais de Gerenciamento Costeiro, PEGC e PMGC, respectivamente. O estado de São Paulo estabeleceu o seu PEGC em 1998, instituído pela Lei nº 10.019/98, onde foram definidos os objetivos, diretrizes, metas e instrumentos para sua elaboração, aprovação e execução, com a finalidade de disciplinar e racionalizar a utilização dos recursos naturais da zona costeira do estado (SÃO PAULO, 1988)

De acordo com o PEGC, a zona costeira paulista foi dividida em quatro setores: Litoral Norte, Baixada Santista, Complexo Estuarino-Lagunar de Iguape-Cananéia e Vale do Ribeira. Cada um desses setores possui um sistema colegiado de gestão, denominado Grupo Setorial, com participação

dos governos estadual e municipal, além da sociedade civil. Dentre as atribuições dos Grupos Setoriais, está a elaboração das propostas de zoneamento e fazer a sua atualização quando necessário, bem como elaborar os planos de ação e gestão.

Dentre os instrumentos de gestão do gerenciamento costeiro, está o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). O ZEE pretende compatibilizar objetivos voltados para o desenvolvimento econômico, assim como para a preservação e conservação ambiental. Através dele, é possível propor um processo de gestão do território, que articule objetivos econômicos e ambientais, para o alcance do desenvolvimento sustentável1 (LEITE, 2001).

O ZEE foi instituído como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente em 1981 pela Lei Federal nº 6.938/81, sendo também aplicada à área costeira, conforme previsto na Lei nº 7.661/88.

Segundo Leite (2001, p.17):

A metodologia que norteia o desenvolvimento e a operacionalização desse instrumento reúne características gerais, de cunho indicativo e permite aceitar adaptações, de acordo com características e tendências locais.

No caso do ZEE na zona costeira, as unidades territoriais estão enquadradas em uma tipologia de cinco zonas definidas de acordo com as características físicas, biológicas e socioeconômicas. A zona 1 é considerada a mais preservada, pois mantém os ecossistemas íntegros, podendo ocorrer atividades humanas de baixo impacto. A zona 2 apresenta alterações na organização funcional dos ecossistemas primitivos devido a ocorrência de atividades humanas intermitentes ou de baixo impacto, podendo apresentar em áreas terrestres assentamentos humanos dispersos e pouco populosos. A zona

3 apresenta os ecossistemas primitivos parcialmente modificados, com dificuldades de regeneração em razão da ocorrência de áreas de assentamentos humanos com maior integração entre si. A zona 4 apresenta

1 "Desenvolvimento Sustentável é o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem suas necessidades." - WCED - Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; Relatório Brundtland "Nosso Futuro Comum" (1987).

seu ecossistema significativamente modificado, permite os usos das zonas 1, 2 e 3, mais assentamentos urbanos descontínuos. Por fim, a zona 5 apresenta a maior parte dos componentes dos ecossistemas primitivos degradada ou suprimida, permite todos os usos definidos para as demais zonas, além de outros de acordo com o estabelecido em legislação municipal (ZEE, 2013).

Com relação ao setor da Baixada Santista, o ZEE foi regulamentado pelo Decreto Estadual nº 58.996, de 25 de março de 2013 e abrange os municípios de Bertioga, Guarujá, Santos, São Vicente, Cubatão, Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe.

Segundo a Secretaria de Meio Ambiente do estado de São Paulo, uma Comissão Especial do Grupo Setorial atuou em conjunto com o Conselho Gestor da APA Marinha Litoral Centro para a elaboração do Zoneamento Marinho (ZM), consultando pescadores artesanais, empresários do setor pesqueiro, a Polícia Ambiental, entre outros, de forma a dirimir os conflitos, incorporar as propostas dos diferentes setores e construir uma minuta consensuada (ZEE, 2013).

A proposta elaborada para a criação do ZM considerou os princípios estabelecidos pela legislação específica para o enquadramento das zonas e para a definição dos usos permitidos. Um dos critérios que diferencia as zonas estabelecidas está relacionado ao exercício da atividade pesqueira (XAVIER, 2010).

O ZEE da Baixada Santista determina que o ZM compreende duas faixas distintas: a faixa marítima e a faixa entremarés, este último com o objetivo exclusivo de orientar o licenciamento de estruturas náuticas. Para a zona marinha, há atividades e usos permitidos, como determinado no instrumento:

[...] a proposta indica possibilidades e restrições para algumas modalidades de pesca, como a de arrasto motorizado e industrial, e também indica locais para a prática de aquicultura, prevendo até o zoneamento dos corpos d'água adjacentes aos mangues, de modo a garantir espaços adequados para essa atividade (ZEE, 2013, p. 41).

Restrições ambientais, tais como os zoneamentos ambientais, as áreas protegidas (p.ex. Unidades de Conservação de Proteção Integral) e legislações pesqueiras, por vezes podem impactar significativamente as comunidades que tradicionalmente dependem dos recursos naturais, restringindo o uso e o acesso aos recursos. Em geral, os estudos que avaliaram o impacto de restrições ambientais na atividade pesqueira abrangem principalmente as áreas protegidas (p.ex. ALMUDI; KALIKOSKI, 2009) e as políticas pesqueiras (FRANCO et al. 2009; MEDEIROS et al., 2013; SERAFINI et al., 2014), com

poucos estudos sobre o impacto das políticas de gerenciamento costeiro – GERCO (XAVIER, 2010)

O sucesso para a implantação de medidas de ordenamento pesqueiro depende de uma gestão participativa destes atores durante a elaboração e implantação destas políticas (DIEGUES, 2001). A gestão participativa pode ser entendida como um processo de compartilhamento da tomada-de-decisão entre governo e sociedade, principalmente daqueles diretamente afetados pelas decisões tomadas (KALIKOSKI et al., 2009).

Para que seja eficiente a implantação de tais restrições é necessário que haja uma aproximação com as comunidades pesqueiras, com vistas à compreensão da importância do respeito às normas legais. De acordo com (SOUZA et al., 2011):

O sucesso da política pública ligada à gestão pesqueira depende da construção de uma rede sociotécnica que a viabilize. Para tanto, a ampla participação para elaboração e implantação da política é fundamental, sendo essencial ao processo que os interlocutores se entendam com base em traduções. No caso da pesca camaroeira do Perequê, o papel de tradutor pode ser eficientemente adjuvado por um extensionista pesqueiro.

Neste caso, as restrições impostas pelo ZM do ZEE podem afetar não apenas a atividade econômica, mas também o modo de vida das comunidades pesqueiras artesanais. No ZEE da Baixada Santista, foram criadas ZMs, considerando as premissas estabelecidas pela legislação específica para o

enquadramento das zonas e para a definição dos usos permitidos, assim como ocorreu para as zonas terrestres.

Destas, a Z1M (Zona 1 Marinha) estabelece que é permitido a pesca artesanal, exceto o arrasto motorizado. A mesma restrição quanto ao arrasto motorizado está presente em duas subzonas, Z2ME (Zona 2 Marinha Especial) e Z3ME (Zona 3 Marinha Especial), derivadas das Z2M (Zona 2 Marinha) e Z3M (Zona 3 Marinha), respectivamente. Nas zonas Z2M e Z3M, o arrasto motorizado da pesca artesanal é permitido, porém apenas para embarcações menores que 12 m na primeira e maiores que 12 m na segunda (ZEE, 2013).

Segundo Araújo (2006 apud VASCONCELOS; HADAD; MARTINS JÚNIOR; 2013) a definição das zonas marinhas ocorreu através de compartimentação do espaço geográfico, a partir das características físicas e bióticas de seus ecossistemas e suas interações entre si e com o meio socioeconômico, em que são evidenciados e previstos os impactos sobre o sistema natural e antrópico.

3 Material e Métodos

3.1 A praia do Perequê

A área do estudo é a Praia do Perequê (Figura 1), localizada no litoral norte do estado de São Paulo. A escolha deve-se ao fato desta região abrigar populações tradicionais que realizam a pesca artesanal como atividade principal ou complementar e também por estar na área do Zoneamento Ecológico-Econômico da Baixada Santista.

Essa praia possui 2.400 m de extensão e situa-se a leste da cidade de Guarujá- SP, com uma distância de 13 km do centro. (Guarujá, 2015). A praia do Perequê apresenta areia escura e dura, mar calmo, as embarcações ficam ancoradas apenas a alguns metros da praia (Figura 2). Sua população é constituída por pescadores, migrante catarinense e nordestino. Em frente á parte da praia onde se encontram ancoradas as embarcações estão ás barracas que vendem peixe e camarão para turistas e, ao lado, os restaurantes de frutos-do-mar. (Souza, 2008).

Figura 1. Praia do Perequê – Guarujá/SP. Fonte: Google Maps (2015)

Figura 2. Embarcações dos pescadores artesanais da Praia do Perequê – Guarujá/SP. Fonte: Acervo das autoras.

A Praia do Perequê - cujo nome original Pira-Ikê significa 'entrada de peixe' - é caracterizada pelos barcos dos pecadores que escolheram essa praia de mais de 2 km para atracarem suas embarcações. É na Praia do Perequê que se pode encontrar o caiçara autêntico do litoral paulista (CARVALHO, 2010).

A comunidade do Perequê, que tem como tradição o comércio de produtos do mar, vê-se cada vez mais com uma maior frota pesqueira e consequentemente uma diminuição do volume de pescados. Além de enfrentar dilemas ambientais como a degradação do ambiente e o crescente uso da máquina de pesca capitalista, a comunidade ainda sofre com problemas, como a especulação imobiliária e o descaso por parte dos órgãos do governo em fiscalizar a pesca predatória capitalista ou prover auxílios para a prática da pesca tradicional na comunidade (SOARES; SUZUKI, 2010).

3.2. Metodologia

Para a caracterização da pesca de arrasto do Perequê, foi realizado um levantamento bibliográfico afim de colher informações a respeito das

características da pesca de arrasto do camarão sete-barbas e de sua relevância social e econômica para a comunidade do Perequê, assim como identificar quais normas do ZEE restringem a pesca de arrasto motorizado na região da Baixada Santista. Além disso, realizamos a coleta de dados em campo através da aplicação de questionários, o qual também objetivou a compreensão da percepção dos pescadores sobre as restrições à pesca de arrasto e sobre o ZEE.

Os questionários foram aplicados através de entrevistas semiestruturadas, seguindo um roteiro de questões previamente definido e com liberdade de resposta ao entrevistado, realizadas em outubro de 2015, na praia do Perequê (Figura 3). Foram entrevistados 6 pescadores artesanais do sexo masculino, com idade entre 33 e 60 anos (média de 50,3 anos), dos quais 83,3% praticam somente a pesca de arrasto e 16,7% praticam tanto a pesca de arrasto quanto de emalhe para peixes.

Figura 3. Entrevista com Pescador da praia do Perequê – Guarujá/SP. Fonte: Acervo das autoras.

O roteiro abrangeu questões relacionadas: (i) a importância socioeconômica-cultural da pesca de arrasto do camarão sete-barbas; (ii) as característica da pesca (embarcação, áreas pesca, rotina, etc.); (iii) sobre o conhecimento das restrições do ZM do ZEE; (iv) sobre a percepção dos

impactos do ZM na pesca do arrasto; e (v) sobre a participação dos pescadores da praia do Perequê no processo de definição do ZM do ZEE (ANEXO 1).

Posteriormente, as entrevistas foram transcritas e os resultados tabulados em uma planilha e analisados conforme a temática abordada. O projeto de pesquisa foi aprovado junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP, através de encaminhamento da proposta via Plataforma Brasil (Processo 43194315.4.0000.5505).

4 Resultados e discussão

4.1 A pesca de arrasto no Perequê

No estado de São Paulo, as embarcações podem ser separadas em duas frotas distintas: a) a de pequeno porte, que opera com canoas, botes, bateiras e até pequenas baleeiras, medindo entre 6 e 11 m de comprimento e com menos de duas toneladas de arqueação bruta; e b) a frota industrial, constituída por embarcações medindo entre 10 e 16 m de comprimento, que pescam, via de regra, entre 14 e 30 m de profundidade (LOPES, 1996). No caso do Perequê, a frota abrange a primeira, caraterizada por embarcações de pequeno porte, que não ultrapassam 11 m de comprimento. A captura do camarão é realizada através da rede de arrasto-de-fundo, tracionadas por embarcações motorizadas com motor de 12 a 18 hp (LOPES, 1996). As redes de arrasto de fundo possuem profundidade máxima de 10 m, malha de 30 mm entre nós opostos e são fabricadas por mestres artesãos (SOARES; SUZUKI, 2010). Segundo os pescadores entrevistados, suas embarcações variaram de 9 a 12 m de comprimento, sendo que dos seis entrevistados, cinco possuem a embarcação de 9 m e apenas um deles de 12 m.

Por ser uma espécie mais costeira e, portanto, mais acessível à pesca com embarcações de pequeno porte, o sete-barbas destaca-se dentre o pescado desembarcado no estado de São Paulo (SEVERINO-RODRIGUES et al., 2003). Em geral, os pescadores saem para pescar ao amanhecer, por volta das quatro horas da manhã, e a pesca dura de quatro a oito horas. Após o arrasto, o camarão é limpo dentro do barco, enquanto um novo arrasto é efetuado. Esta dinâmica se segue até que o limite de armazenamento de camarões a bordo, ou o horário limite para que o camarão armazenado no primeiro arrasto ainda tenha boa qualidade (SOARES; SUZUKI, 2010).

Assim que a pesca é finalizada o pescador retorna à praia para vender o produto pescado para o comércio ou beneficiamento próprio.

De acordo com (SOARES; SUZUKI, 2010, p. 8):

O camarão capturado pelo pescador artesanal do Perequê tem como destino, após sua captura e desembarque, a salga. Trata-se do local

onde o camarão sete-barbas e outras espécies de camarões capturadas são processadas, isto é, faz-se uma limpeza maior no camarão recebido, retira-se a cabeça e este é salgado, congelado e separado para a comercialização final, em peixarias, enviados para restaurantes e em maiores quantidades, direcionados para grandes centros consumidores (como São Paulo e outros estados).

Os pescadores que utilizam redes de emalhe pescam próximo á praia, colocando as redes no início da manhã, entre 7:00 e 10:00 hs, e colocando outras redes na parte da tarde, se a pesca estiver boa. Durante o dia eles consertam suas redes e barcos ou operam pequenos comércios de pesca. Os pescadores trabalham de segunda a sexta-feira, se o mar estiver calmo. Alguns pescadores alugam suas embarcações nos fins de semana para lazer, trabalhando como pilotos (LOPES; BEGOSSI, 2011).

As áreas de pesca para o arrasto do camarão-sete-barbas, de acordo com os pescadores entrevistados, abrange desde o Canal de Bertioga (Limite norte) até o Farol da Moela, Guarujá (Limite sul), entre as profundidades de 6 e 27 m (Figura 4). Segundo Lopes et al. (2009), a maioria das viagens de pesca para o arrasto do camarão ocorrem em lugares próximos à praia do Perequê e na região de Bertioga.

Figura 4. Costa do município de Guarujá/SP com a localização da área de pesca aproximada dos pescadores da praia do Perequê e parte do Zoneamento Marinho do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) da Baixada Santista.

Fonte: Mapa elaborado através do DataGEO – Sistema Ambiental Paulista (http://www.sigam.ambiente.sp.gov.br/sigam2/Default.aspx?idPagina=13231)

4.2 Caracterização dos pescadores

Os primeiros caiçaras que ocuparam a área que corresponde à praia do Perequê construíram suas casas na areia da praia, perto de pequenos córregos ou rios. Diferentes grupos culturais participaram da ocupação dessas terras, principalmente pescadores dos estados da região sul (LOPES; FRANCISCO; BEGOSSI, 2009).

As pessoas que chegaram durante a década de 1990 construíram casas de madeira na zona de manguezal, apoiados por varas que mantêm as casas acima do nível da água. Essas pessoas incluíam tanto pescadores da região sul e nordestinos, que vieram para o sudeste em busca de melhores condições de vida. Tal crescimento demográfico não foi seguido por investimentos em infraestrutura. Os moradores do Perequê não têm tratamento de esgoto; o esgoto é despejado em córregos ou em manguezais. Devido a estas condições, a falta de higiene, problemas de saúde e sociais, como a violência e o tráfico de drogas, são uma preocupação para os turistas e moradores locais (LOPES; FRANCISCO; BEGOSSI, 2009).

Através das entrevistas com os pescadores do Perequê, eles relataram que a pesca do camarão é a única atividade econômica exercida por eles e que a tradição dessa pesca foi passada de pai para filho e que pretendem passar os ensinamentos da pesca para as próximas gerações. Foi possível observar, assim como no trabalho realizado por Xavier (2010), que a hereditariedade é fator constante na profissão dos pescadores, sendo comum o relato de terem iniciado a atividade ainda crianças com seus pais.

No presente estudo, dos seis pescadores entrevistados obtivemos uma média de idade de 50,3 anos. Gianeli (2007) encontrou resultados semelhantes quanto à idade de pescadores artesanais. A autora entrevistou 17 pescadores de camarão do Perequê que apresentaram idades entre 31 e 56 anos com média de 42 anos. Isto demonstra que a pesca de arrasto no Perequê envolve tanto pescadores mais velhos quanto relativamente mais jovens, o que pode indicar que a atividade vem se mantendo enquanto modo de vida destes pescadores. Isto é importante considerando que algumas pescarias tradicionais, como por exemplo o arrastão de praia, vem desaparecendo em comunidades caiçaras do sul-sudeste, sendo praticada exclusivamente por pescadores mais velhos (PINHEIRO et al. 2010) ou, como no caso de comunidades pesqueiras do estuário de Santos, que vem perdendo seu território tradicional pesqueiro para outras atividades econômicas (STORI et al., 2012).

4.3 A percepção dos pescadores sobre as restrições à pesca de arrasto e do Zoneamento Ecológico-Econômico

O ZM do ZEE estabelece restrições à pesca, relacionadas ao uso de motorização e ao tamanho da embarcação (Tabela 1).

No que diz respeito a área de pesca, observamos que a mesma abrange áreas de Z2M, Z2ME e Z3M do ZEE (Figura 4). Considerando que, segundo os pescadores entrevistados e os dados da literatura, os pescadores utilizam embarcações abaixo dos 12 m, não haveriam restrições do ZEE em boa parte das áreas de pesca. No caso da Z2ME, que compreende uma faixa marítima de 800 m, a partir da linha de baixa-mar, é proibida a pesca de arrasto

motorizado (ZEE, 2013). Esta faixa poderá confrontar com o limite mais costeiro da área de pesca informada pelos pescadores entrevistados (6 m de profundidade).

Tabela 1. Restrições à pesca artesanal de arrasto das diferentes Zonas Marinhas determinadas no Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) da Baixada Santista.

Zona Marinha Restrição

Z1M

Z2ME Proibido arrasto motorizado

Z3ME

Z2M Não é permitida a pesca artesanal em embarcações

acima de 12 metros de comprimento

Z3M Permitida a pesca artesanal em embarcações acima

de 12m de comprimento

Fonte: ZEE (2013).

Todos os pescadores entrevistados afirmaram conhecer a existência de áreas de proibições para a pesca de arrasto (Tabela 2). Quanto as áreas de proibição, 33% apontaram que é proibido praticar a pesca de arrasto até 500 m da praia, 33% informaram que existem restrições sobre a profundidade e outros 33% disseram que há proibições de pesca próximo as ilhas. Observamos que não há uma precisão sobre as distâncias da legislação do ZEE (p.ex. referente à Z2ME que estabelece a proibição nos 800 m da praia ou da Z2M que corresponde à uma faixa de aproximadamente 7 km).

Dessa forma, 67% dos pescadores conheciam alguma restrição à pesca de arrasto relacionada ao ZEE, sendo que a restrição relacionada as ilhas diz respeito à proibição da pesca no entorno do Parque Estadual Marinho da Laje de Santos, uma Unidade de Conservação de Proteção Integral localizada fora da área de abrangência do ZEE.

Tabela 2. Percepção dos pescadores de arrasto (n=6) da praia do Perequê (Guarujá, SP) com relação as restrições à pesca e sobre o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) da Baixada Santista.

Questões SIM NÃO

Existem áreas proibidas para a pesca de arrasto? 100% 0%

Concorda com as proibições? 50% 50%

Existe fiscalização? 67% 33%

Conhece o ZEE? 17% 83%

Algum pescador do Perequê participou da criação do ZEE? 50% 50%

Fonte: Elaborado pelos autores.

Parte dos pescadores (50%) concordou com as restrições que conheciam e parte não (50%). As principais causas para concordarem com as restrições foram a importância para a preservação da área e das espécies e porque mantem os barcos legalizados. A poluição marinha causada pela falta de respeito dos turistas e da própria população do Guarujá foi apontada como um fator mais prejudicial e impactante para a pesca em comparação com as restrições de áreas e profundidades.

O cotidiano das comunidades tradicionais caiçaras é afetado por diversos fatores, sendo um deles o turismo. Quando esta atividade não se dá de forma ordenada e provoca problemas ambientais gera-se um conflito pelo espaço. Assim complementa, Trigueiro e Knox (2015, p. 85)

“A forma desordenada de instalação e expansão dessas atividades, especialmente pela ausência de controle ambiental, causou, e vem causando, graves desequilíbrios ecológicos em função de aterros de manguezais para construção de empreendimentos, desmatamentos de diversas ordens, construções irregulares na beira-mar, lançamentos de efluentes e perturbações nos cursos d’água, por exemplo. Tais problemas impedem a efetivação dos serviços ecossistêmicos – aqueles realizados pelos elementos naturais do meio que contribuem para uma melhor qualidade ambiental –, além de promoverem exclusão da população local, entre outras formas de degradação ecológica e social.”

Ainda segundo Trigueiro e Knox (2015, p. 96) “transformações ambientais que interferem nas dinâmicas ecológicas de populações podem conduzir à diminuição da biota e, consequentemente, da sua captura”. Os

resultados de Azevedo (2013, p. 59), mostraram que os pescadores do Litoral Norte, contemplando os municípios de São Sebastião, Ilha Bela, Caraguatatuba e Ubatuba, atribuíram a diminuição das capturas ao aumento da poluição, à mudanças climáticas e à sobrepesca. Isto demonstra que atualmente os pescadores encontram-se mais informados quanto às questões ambientais de forma geral.

Contudo, os que não concordam com as restrições apontaram que, apesar de sua existência, como a fiscalização não é eficiente, isso favorece aqueles que desrespeitam. Grande parte dos pescadores (67%) apontou que existe fiscalização na região, porém não é eficiente (Tabela 2). Segundo os pescadores, na época do defeso é quando ela mais ocorre e a principal instituição fiscalizadora seria a Polícia Ambiental. Em nível federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA é o órgão responsável pela fiscalização da pesca. O Ministério de Pesca e Aquicultura – MPA2 é o responsável pela emissão das licenças de pesca para pescadores e embarcações (AZEVEDO, 2013).

Com relação ao conhecimento dos pescadores sobre quem criou as restrições do ZM do ZEE, a maioria dos pescadores respondeu que foi o IBAMA ou o Ministério do Meio Ambiente. Sobre o ZEE, do total de pescadores entrevistados somente um respondeu ter ouvido falar, mas não soube explicar do que se tratava. Apesar da maioria nunca ter ouvido falar, 67% conhece pelo menos uma norma de restrição do ZEE.

Nos resultados obtidos por Xavier e Turra (2012), onde foram entrevistados 101 pescadores de duas comunidades pesqueiras artesanais do Litoral Norte paulista, sendo uma delas a Enseada de Caraguatatuba e a outra a localizada na Enseada de Picinguaba, o número de entrevistados que reconheceu o termo Zoneamento Ecológico-Econômico (ou sua sigla) foi igualmente baixo, apenas 15 de 101 (15%), dos quais somente 3 (3%) vincularam o termo às zonas de restrição de uso definidas para as águas costeiras, apesar de todos terem conhecimento das áreas de proibição ao arrasto artesanal. Ou seja, tal como no presente estudo, os pescadores de

2 Recentemente o MPA foi extinto, sendo suas atribuições alocadas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA.

alguma forma sabem da existência de restrições às suas atividades, porém não necessariamente como determinado na lei tão pouco a que instrumento de política ambiental a restrição se refere.

Isto ressalta a importância de uma aproximação entre os tomadores-de- decisão das políticas ambientais e os usuários dos recursos, impactados pelas políticas.

Metade dos pescadores entrevistados disseram conhecer alguém que participou das reuniões de criação do ZEE (Tabela 2). Em nenhum caso foi o próprio pescador. Em geral, os pescadores atribuem esta função a representantes de organizações, tais como as Colônias de Pescadores.

Segundo Xavier e Turra (2012, p.1):

A baixa participação dos pescadores na elaboração do zoneamento costeiro do Litoral Norte de São Paulo é um exemplo de falhas de um processo que, apesar de baseado na premissa da participação social, não obteve êxito em inserir os pescadores artesanais nas discussões, mesmo eles tendo sido diretamente afetados pela medida.

Ainda sobre os resultados obtidos por Xavier e Turra (2012) dos 101 pescadores do Litoral Norte entrevistados, apenas 29 (29%) declararam ter comparecido às reuniões, ainda assim, contribuindo muito pouco para a discussão, visto que a maioria destes declarou ter atuado apenas como ouvinte, o que não possibilita a troca de conhecimento necessária para caracterizar um processo participativo.

Conclusão

A pesca de arrasto do camarão-sete-barbas é uma das mais importantes atividades econômicas e socioculturais da praia do Perequê, onde a maioria dos pescadores pratica esse tipo de pesca como única atividade econômica.

Observou-se que os pescadores do Perequê conhecem parcialmente as restrições à pesca determinadas pelo ZM do ZEE. A maioria dos entrevistados apresentou algum conhecimento sobre as restrições, mas não sabiam exatamente quem havia criado, confundindo-a com outras atribuições de outros órgãos de monitoramento e fiscalização.

Com base nas características da pesca (embarcações, áreas de pesca), as restrições do ZEE aparentemente teriam pouco efeito negativo sobre a pesca de arrasto, minimizando eventuais conflitos. Isto pode explicar o fato de parte dos pescadores não terem se posicionados contrários às restrições. Por outro lado, a falta de fiscalização pelos órgãos ambientais apontadas pelos pescadores, serve de incentivo ao não cumprimento de legislações ambientais e da pesca.

Em relação à participação dos pescadores na elaboração das restrições, tal como vem acontecendo na gestão ambiental de forma geral e no caso do ZEE mais especificamente, com base na experiência do litoral norte de São Paulo, há pouca participação dos pescadores e quando acontece os pescadores acreditam que sua opinião pouco afeta as decisões tomadas. A falta de participação de alguma maneira reflete no baixo conhecimento dos pescadores sobre as restrições do ZEE à pesca.

Dessa maneira, sugere-se o fortalecimento de uma gestão participativa na zona costeira, com uma maior aproximação dos espaços de tomada-de- decisão, tal como o Grupo Setorial do GERCO responsável pelo ZEE, e dos usuários dos recursos costeiros que são diretamente afetados pelas regras criadas. Este processo poderia aumentar a efetividade das normas criadas, contribuindo para a conservação dos ecossistemas costeiros e das comunidades tradicionais que deles dependem.

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ANEXO 1

Questionário – Projeto de TCC / BICTMar

1. Nome (apelido):

2. Idade: anos

3. Pesca há quanto tempo? anos

4. O senhor pesca de arrasto para camarão? □ SIM □ NÃO

5. Qual o tamanho da sua embarcação?

6. Quais outros tipos de pesca o senhor faz?

7. Normalmente o senhor faz o arrasto em qual região?

Limite norte (ponto geográfico): Limite sul (ponto geográfico): Profundidade mínima (mais raso): metros

Profundidade máxima (mais fundo): metros Observações:

8. Existem áreas proibidas para a pesca de arrasto? □ SIM □ NÃO Se SIM, quais são?

9. O senhor concorda com estas proibições? □ SIM □ NÃO Se SIM ou NÃO, porquê?

10. O senhor sabe quem fez estas proibições e porquê?

11. Os pescadores do Perequê respeitam as proibições? □ SIM □ NÃO Se NÃO, porque?

12. Existe fiscalização? □ SIM □ NÃO

Quem fiscaliza? O que o senhor acha da fiscalização?

13. O senhor acha que as proibições das áreas de pesca deveriam ser diferentes?

□ SIM □ NÃO

Se SIM, como?

14. O senhor já ouviu falar do Zoneamento Marinho do Zoneamento Ecológico- Econômico de São Paulo? □ SIM □ NÃO

15. O que o senhor sabe sobre o ZEE?

16. O senhor ou algum pescador do Perequê participou da criação das regras do ZEE? □ SIM □ NÃO

O senhor poderia me indicar alguns pescadores que tenham experiência na pesca de arrasto de camarão para participar da pesquisa?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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