A Perícia Na Materialização Dos Crimes Sexuais
Por Aquiles da Costa Mauriz Júnior | 23/05/2008 | DireitoINTRODUÇÃO
Os crimes sexuais são de forma geral, muito traumáticos e difíceis pra as vítimas. Nas últimas décadas os mesmos ganharam uma nova configuração e um novo vislumbre aos olhos dos Juristas e Doutrinadores, no que tange à temática da verificação e reconhecimento dos mesmos, no âmbito social, no qual, o Direito Penal passa a puní-los de forma mais rigorosa e apontar os agentes de maneira mais específica, para que haja o seu enquadramento e tipificação.
Algumas intervenções médicas são tomadas para a identificação de determinados delitos, sendo possível perceber de forma comum, algo que esteja fora do padrão de normalidade. Estes procedimentos quando são tomados para uso judicial, são denominados de Perícias Médicas e são nos casos em foco, estes procedimentos, as principais fontes de prova para a qualificação e tipificação dos delitos aqui abordados.
O Exame de Corpo de Delito, muito conhecido e citado em algumas obras de Direito Penal e de Medicina Legal, é exatamente a constatação médica, de que houve uma intervenção incomum na estrutura intra ou extracorpórea do indivíduo, e que através do chamado Laudo Pericial, pode obter-se ou não a veracidade dos fatos narrados pela vítima, interpondo no mesmo, informações médicas que comprovem o que está sendo alegado.
De acordo com alguns doutrinadores especialistas na área de Medicina Legal e Direito Penal, faz-se mais do que necessária e indispensável, a utilização da Perícia para que seja comprovada a materialização da maioria dos delitos, que causem algum dano físico ao sujeito passivo do ilícito penal. Só após a Perícia Legal, é possível de forma concreta se qualificar e tipificar o delito, e assim poder levá-lo a julgamento, como prova ao juízo competente.
O objetivo deste trabalho é apresentar a enumeração dos mecanismos e ferramentas de intervenção Médico-Jurídicas, nas quais, comprova-se a real necessidade da Perícia para que se tenha a noção de que sem a mesma, nos casos de Estupro e Atentado Violento ao Pudor, seria impossível a percepção e em conseqüência, a não classificação de ambos os tipos no enquadramento devido a eles pela norma penal.
São aqui utilizados como instrumentos de pesquisa e deliberação para embasamento do assunto, obras e compêndios Jurídicos, que possuem dados e entendimentos sobre a questão levantada e que através dos mesmos, mostra-se de forma específica, a necessidade e importância deste estudo, para a valoração do tema aqui exposto. O método de análise dos dados será comparativo, confrontando a teoria e os princípios, na busca de uma síntese da oposição de seus enunciados.
O estudo está dividido em três capítulos: dos quais; no primeiro, aborda de forma inicial os crimes sexuais aqui analisados e seus conceitos, para o bom entendimento do tema; no segundo, buscou-se o aprofundamento destas teorias criminológicas, procurando abordar novos paradigmas e deliberações Jurídicas para a compreensão destes delitos; no terceiro, fala-se com propriedade da temática deste trabalho, abordando a importância da Perícia para a concretude ampla do Direito, denotando seu interesse para que se faça justiça através da alçada pericial. Após estas construções, seguem-se as considerações finais e referências.
CAPÍTULO I - INTERAÇÕES BREVES SOBRE OS CRIMES SEXUAIS NO BRASIL
Fatos do cotidiano mostram um possível aumento no Brasil da quantidade de crimes sexuais que se materializam, sejam eles de abuso, estupro, ou de atentado violento ao pudor e que estão diretamente ligados a relações familiares e de pauta afetiva. Estes fatos trazem consigo, a triste realidade de que na maioria dos casos, os agressores possuem algum grau de parentesco, ou mesmo de relação com as vítimas, o que denota uma carga ainda maior de culpa, vergonha e medo dos que por tais situações são submetidos.
Vislumbrando-se este cenário tão mórbido e estarrecedor, percebe-se a causa dos crimes sexuais serem tão traumáticas e difíceis pra as vítimas. Nas últimas décadas estes crimes ganharam uma nova configuração e um novo foco aos olhos dos Juristas e Doutrinadores, no que tange à temática da verificação e reconhecimento dos mesmos, no âmbito social, no qual, o Direito Penal passa a puní-los de forma mais rigorosa e a apontar os agentes de maneira mais específica, para que haja o seu enquadramento no Corpo Normativo.
O Exame de Corpo de Delito, muito conhecidos e citados nas obras de Direito Penal e de Medicina Legal, é exatamente a constatação médica, de que houve uma intervenção incomum na estrutura intra ou extra-corpórea do indivíduo, e que através do chamado Laudo Pericial, pode obter-se ou não a veracidade dos fatos os fatos narrados pela vítima, interpondo no mesmo, informações médicas que neguem ou comprovem o que está sendo alegado.
De acordo com alguns doutrinadores especialistas na área de Medicina Legal e Direito Penal, faz-se mais do que necessária e indispensável a utilização da Perícia, para que seja comprovada a materialização da maioria dos delitos, que causem algum dano físico ao sujeito passivo do ilícito penal. Cita-se então, Negretti (2004) que corrobora de forma expressa dando razão a tal necessidade:
Por ser impossível detectar só através de depoimento, da narração da própria vítima ou de fatos que não tenham uma fundamentação consistente, nos casos em que hajam controvérsias, faz-se então, necessário o exame de corpo de delito, para que nenhum tipo de dúvida ou percalços processual seja criado ou venha a ser contestado, trazendo causas e noções conclusivas a denuncia e ao processo.
Só após a Perícia Legal é possível de forma concreta, se qualificar e tipificar o delito, e assim poder levá-lo a julgamento como prova ao juízo competente. Mostrar conceitos e informações sobre Perícias e alguns delitos só identificados pelas mesmas, denotando a importância destas, para a real materialização dos crimes, é ao mesmo tempo uma responsabilidade e um desafio, visto que, se os mesmos acontecerem e não forem periciados, torna-se quase impossível, a produção de prova legal, o que imporia uma noção bem mais aprofundada das questões periciais.
Ao reportar-se a estes conceitos, prova-se que o estudo e a exposição de tais considerações são essenciais, para se entender os mecanismos e instrumentos que devem ser utilizados para a análise corpórea da vítima no pós-delito e dos traços deixados pelo autor que comprovariam a prática, ressaltando assim, a importância da Perícia para a veracidade e enquadramento do delito.
1.1 Conceito de Perícia
"Do latim peritia, conhecimento proveniente da experiência; habilidade, talento".
Nos tribunais e correspondentes, particularmente nos bojos processuais, a Perícia é dada como uma espécie de prova, que consiste no parecer técnico de pessoa habilitada a formulá-lo e que pela sua habilitação dá-se a ele fé pública. Entre outras, é responsabilidade desta pessoa, a determinação de identidade, o diagnóstico dedoenças, de lesão corporal, e a nosso favor, afirmar se houve ou não conjunção carnal, contribuindo com isso para o nosso intuito.
Este notável conhecimento de determinado assunto, confere a tal pessoa a denominação de Perito, e sua função é auxiliar ao juiz, suprindo-lhe a insuficiência de conhecimentos específicos sobre o objeto da prova e que sem os mesmos, fica muito difícil dar razão e elaborar um juízo de valor, sem provas cabais e irrefutáveis do caso em tela.
Constituem tipos de Perícias, os exames, as vistorias, os arbitramentos e as avaliações. Com ressalva de casos especialíssimos, como o do Art. 366 do Código de Processo Penal - CPP, todo meio de prova tem valor relativo, caso qual, a doutrina e a Lei remetem que até a Perícia poderá ser desconsiderada, esta interpretação possui amparo no Princípio do Livre Convencimento do Magistrado, no qual se convier ao processo, o juiz poderá não levar em conta as conclusões do perito ou mesmo pedir nova prova pericial para que se dirima tal dúvida e possa ele proferir a justa sentença. Por conta desta, "Em caso contrário, o perito transformar-se-ia no verdadeiro juiz da causa" (DELMANTO, 2004, p. 305).
1.2 Conceito de Estupro
"Do latim stuprum, desonra, opróbrio".
Classifica-se aqui o estupro, como a conjunção carnal, imposta pelo homem à mulher, mediante violência ou grave ameaça. Não importa, para a tipificação do delito, que a mulher seja virgem ou não. A violência não se limita ao desforço físico, mas também a outros meios que reduzam ou anulem a resistência da vítima: etilismo, cloroformização, narcóticos, ou outros, sendo o mesmo caracterizado como um dos tipos de crime contra os costumes.
Ao denotar-se tais conceitos e noções, entende-se que em caso de estupro, o médico legista procurará comprovar que hajam indícios de cópula vagínica. Se a mulher for virgem, a ruptura do hímen poderá indicar a ocorrência da violação sexual. Caso não, a Perícia poderá basear-se em sinais da violência praticada ou na prova da existência de sêmen, o que geralmente é um traço constante nos exames de corpo de delito, visto que, como o ato é forçado, o agressor não se atenta ao uso de métodos contraceptivos masculinos, e concluído o eu intuito da prática delituosa com conjunção carnal e obtenção de prazer próprio, acaba por deixar na vítima, vestígios de seu ato.
A presença de esperma ou de fosfatase ácida (componente do líquido seminal) na secreção vaginal são indicativos do coito, lembrando-se entretanto, que para a caracterização do estupro, nem sempre se faz necessário que o agressor tenha ejaculado, bastando à comprovação da violência ou grave ameaça e da penetração, ainda que parcial, do pênis na vagina. A exemplo disto, cita-se um renomado doutrinador que reintera:
Quando a violência é real, a Perícia poderá ainda demonstrar a evidência de lesões corporais o que também se nota como constante nos casos de estupro e de atentado violento ao pudor, o que concerne também de prova do ato. (CAPEZ, 2005, p. 09)
Em mulheres que possuem de forma habitual, uma vida sexual mais ativa que o dito regular, a Perícia do estupro poderá encontrar algumas dificuldades, ficando assim, bem mais restritos os achados, baseando então o laudo na violência física impetrada pelo autor à vítima ou a presença eventual de espermatozóides ou componentes do líquido seminal de quem praticou o ato, devendo ainda serem feitosalguns exames.
Estas verificações utilizam de novas tecnologias que graças à evolução do conhecimento humano, faz-se possível através do exame de P.H. do sêmem, e claro da melhor e mais precisa ferramenta já inventada, o DNA, para dar prova as alegações da vítima e identificar plausivelmente o agente da agressão.
1.3 Atentado Violento ao Pudor
O constrangimento imposto à vítima não propende só da cópula vagínica, mas a compelir o ofendido, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Nestes casos a objetividade jurídica é a liberdade sexual e não somente a violência ou grave ameaça, que também pode ser imposta, mas aqui a vítima não importa o seu gênero, podendo então ser a mesma homem ou mulher, e qualquer um destes, ser sujeito ativo ou passivo.
A natureza variada das agressões que podem ser cometidas e classificadas sob o mesmo nome jurídico de atentado violento ao pudor, se dá uma indicação dos inúmeros achados médico-legais possíveis que o conotam, a se interpretar tais atos na mesma classificação. Ao encorporar-se tais noções às já vistas, utiliza-se do entendimento do Professor Delmanto quando diz:
Quanto à caracterização da mera contemplação lasciva, como Atentado violento ao pudor, dependerá das circunstâncias e da expressividade do fato. (DELMANTO, 2004, p. 327).
Nos casos de atentado, caberá ao perito preocupar-se em demonstrar a forma do ato libidinoso praticado (diverso da conjunção carnal), bem como os vestígios eventualmente deixados pela violência. Dependendo da forma do ato libidinoso praticado, o legista poderá encontrar ou pesquisar marcas de mordidas, ou de outros tipos de agressões, fios de cabelo, pedaços de unha fincados na pele, dentre outros tipos de materiais, e ainda encontrar a presença de alguns fluídos como esperma e outros líquidos orgânicos etc.
1.3.1 Atentado ao Pudor Mediante Fraude
Nesta modalidade, a Perícia é bastante difícil, visto que ela traz consigo outros tipos de agressões, mas em algumas modalidades, como, por exemplo, o coito anal, e a presença de esperma lesões peri-anais poderão fornecer elemento de certeza ao perito médico. É importante ressaltar que a Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005, alterou a redação do art. 216 do Código Penal, substituindo a expressão "mulher honesta" pelo vocábulo "alguém". Assim sendo, agora tanto o homem quanto a mulher, honesta ou não, podem ser sujeitos passivos do crime em apreço.
Forma-se agora o norte e a conceituação de todas as noções necessárias para o entendimento da Materialização dos Crimes Sexuais, eque após estes conceitos iniciais, vislumbra-se a necessidade da Perícia nos casos aqui citados, atentando-se ainda, para a manifestação dos delitos em razão da mesma, o que comprova a importância deste estudo mais aprofundado, explicitando as razões pelas quais se interpela e se dá à Perícia tais responsabilidades.
CAPÍTULO II - ENTENDIMENTOS ACERCA DO ESTUPRO E DO ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR
Na última década houve algumas mudanças e apareceram novas noções na classificação dos crimes sexuais; penas foram aumentadas, novas formas de criminalização surgiram, uma das inovações quanto à classificação destes crimes sexuais, foi à conotação dada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que provocou algumas modificações também no sistema penal e em suas penas.
Com as modificações trazidas pelo ECA, o Estupro praticado contra mulher adulta tem como sansão uma pena de 3 a 8 anos de reclusão, enquanto o praticado contra ofendida menor de 14 anos passou a ser punido com a pena de 4 a 10 anos de reclusão. Analisando-se o que dispõe o art. 227 do ECA, verifica-se que está estatuído que: "Os crimes definidos nesta Lei são de ação pública incondicionada". Isto quer dizer que a ação penal inicia-se mediante denúncia do Ministério Público, independentemente de representação do ofendido, de seu representante legal, ou de oferecimento de queixa. Neste contexto:
Assim, deve-se desde logo atentar para a nova circunstância, de que a queixa e a representação, em delitos dessa espécie, que até então eram exigidas pelo Código Penal, não mais são necessárias, desde que a vítima conte com menos de 14 anos incompletos. (STREICHER, 2007, p. 248)
Do mesmo modo, o atentado violento ao pudor praticado contra homem ou mulher continuou a sofrer a apenação de 2 a 7 anos de reclusão, e o cometido contra vítima menor de 14 anos passou a ser apenado com 3 a 9 anos de reclusão. Tudo correto. No estupro, 3 a 8 e 4 a 10, conforme a vítima seja ou não menor de 14 anos. Mesma situação no atentado violento ao pudor: 2 a 7 e 3 a 9, dependendo da idade do ofendido. A modificação só entrou em vigor no dia 12 de outubro de 1990, uma vez que o ECA teve um período de vacatio legis equivalente a 90 dias.
Ocorre que, durante o período situado entre a promulgação e a entrada em vigor do ECA, isto é, de 13 de julho a 12 de outubro, mais precisamente no dia 26 de julho, entrou em vigor a Lei de Crimes Hediondos. Essa lei elevou as penas do estupro e do atentado violento ao pudor para 6 a 10 anos de reclusão. Portanto, o estupro teve sua pena aumentada de 3 a 8 para 6 a 10 anos de reclusão, enquanto no atentado violento ao pudor passou de 2 a 7 para 6 a 10 anos de reclusão. Para completar, essa mesma lei mandou ainda acrescer de metade à pena desses crimes quando fossem praticados contra vítima não maior de 14 anos.
A situação, portanto, ficou assim:
a) estupro contra vítima adulta: pena de 6 a 10 anos de reclusão;
b) contra vítima não maior de 14 anos: pena de 9 (6 mais metade) a 15 (10 mais metade) anos de reclusão:
c) atentado violento ao pudor contra adulto: pena de 6 a 10 anos de reclusão;
d) atentado violento ao pudor contra vítima não maior de 14 anos: pena de 9 a 15 anos de reclusão.
Quando chegou o dia 12 de outubro e entrou em vigor o ECA, passou-se a ter outras posturas diante destes casos. A pena do estupro e do atentado violento ao pudor, quando praticados contra vítima menor de 14 anos, diminuiu de 9 a 15 anos de reclusão para, respectivamente. Convém lembrar que o ECA, visando agravar a situação de quem cometesse violência sexual contra criança, aumentou, na época, as penas do estupro para 4 a 10 anos e do atentado violento ao pudor, para 3 a 9 anos de reclusão.
No entanto, com as novas penas trazidas pela Lei dos Crimes Hediondos, a alteração ficou totalmente sem sentido: um estupro contra ofendida adulta é punido com pena de reclusão de 6 a 10 anos. E o praticado contra vítima menor de 14 anos com a mesma quantidade de pena,somente punido com 4 a 10 anos.
Fica a questão: como se resolve o conflito intertemporal entre o ECA e a Lei de Crimes Hediondos? Prevalece à lei que foi promulgada posteriormente ou a que entrou em vigor depois? Se entendermos que lei posterior é a que entra em vigor depois, há de prevalecer o ECA. Nesse caso, o legislador teria criado à absurda e injusta situação de o estupro praticado contra adulta ser apenado com 6 a 10, e de o cometido contra vítima menor de 14 anos ser punido somente com 4 a 10 anos de reclusão. Igualmente, no atentado violento ao pudor, se cometido contra adulto seria punido com 6 a 10, enquanto se praticado contra criança seria apenado com 3 a 9 anos de reclusão.
Prevalecendo a lei promulgada posteriormente, não haveria impropriedade. Contudo, a questão não é criar ou não situação injusta, mas resolver conflito intertemporal de leis. Afinal, qual é a lex posteriori? É a Lei de Crimes Hediondos, estando completamente revogado o art. 263 do ECA? É um caso de lei que foi revogada durante o período de vacatio legis, antes mesmo de entrar em vigor. Para efeito de revogação da lei, deve ser observado o princípio de que posterior é a que foi promulgada em último lugar, independentemente das datas da publicação ou da entrada em vigor. Damásio E. de Jesus é partidário dessa corrente.
Esta também é a posição do Superior Tribunal de Justiça - STJ, em reiterados acórdãos, tornando pacífico o entendimento de que o art. 263 do ECA foi revogado antes mesmo de entrar em vigor (STJ, 6ª Turma, RESP 20.726-SP, Rei. Min. Costa Leite, v. u., DJU, 2-6-1992, p. 8060). Não há mesmo qualquer dúvida. Promulgação é o ato jurídico-constitucional pelo qual se atesta a existência de uma lei votada e aprovada pelo Poder Legislativo. A lei, portanto, já existe a partir de sua promulgação.
A entrada em vigor relaciona-se com o plano da eficácia e não da existência. Lei posterior é a que existe depois, e não a que passou a gerar efeitos depois. Por conseguinte, a Lei de Crimes Hediondos é lei posterior, por ter sido promulgada depois. Acabou a polêmica. Estupro e atentado violento ao pudor contra vítima adulta: pena de 6 a 10 anos de reclusão; contra vítima não maior de 14 anos: pena de 9 a 15 anos de reclusão.
Revogação dos dispositivos do ECA relativos ao estupro e ao atentado violento ao pudor. Atualmente, a questão perdeu todo o interesse, uma vez que a Lei n. 9.281, de 4 de junho de 1996, revogou expressamente o parágrafo único dos arts. 213 e 214 do CP (acrescentados pelo ECA), que tratavam do estupro e do atentado violento ao pudor praticados contra vítima menor de 14 anos.
2.1 Prova do Crime de Estupro: Materialidade e Autoria
Nem sempre o estupro deixa vestígios. Na hipótese de tentativa, em questão, às vezes nem chega a haver conjunção carnal, mas dificilmente restam elementos a serem periciados junto à ofendida, e, mesmo havendo consumação, os resquícios podem ter desaparecido com o tempo ou podem nem sequer ter ocorrido como na hipótese de mansa submissão após o emprego de grave ameaça, do torpor, ou ainda quando não há ejaculação do agente, só para citar alguns exemplos.
Se, no entanto, "a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado", conforme estatui o art. 158 do CPP. Essa norma legal excepciona o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz (CPP, art. 157), bem como o da verdade real.
Trata-se de adoção excepcional do sistema da prova legal, não podendo o julgador buscar a verdade por nenhum outro meio de prova, seja pela confissão do acusado, robusta documentação ou documentos testemunhais idôneos, pois a lei se apega ao formalismo de exigir a prova pericial como único meio de comprovar a materialidade delitiva.
Assim, quando possível à realização da perícia, sua falta implica a nulidade de qualquer prova produzida em sua substituição (CPP, art. 564, III, b) e, por conseguinte, a absolvição com fundamento no art. 386, VI, do CPP. O art. 167 somente se aplica aos casos em que o exame direto já não era possível ao tempo do descobrimento do delito, em face do desaparecimento dos vestígios. Se havia a possibilidade de realizar o exame de corpo de delito direto, a autoridade em determiná-lo não pode suprí-la por nenhuma outra.
Prova sob pena de afronta à determinação expressa da lei. (CPP, art. 158). Nota-se, contudo, uma tendência da jurisprudência dos tribunais superiores a atenuar os rigores dessa regra, sob o argumento de que, não sendo ilícitas, as demais provas podem ser valoradas pelo juiz como admissíveis. O exame de corpo de delito direto pode ser suprido, quando desaparecidos os vestígios sensíveis da infração penal, por outros elementos de caráter probatório existentes nos autos, notadamente os de natureza testemunhal ou documental.
Estando os fatos descritos na denúncia, pode o juiz dar-lhes na sentença definição jurídica diversa, inclusive quanto às circunstâncias da infração penal, porquanto o réu se defende daqueles fatos e não de sua capitulação inicial, ordem denegada. (MEDINA, 2003, p. 41).
Prova da conjunção carnal. Trata-se de requisito do crime de estupro ou seja, de que houve a introdução completa ou incompleta do membro viril no órgão genital da mulher. Tal comprovação pode ser realizada por meio dos vestígios, tais como presença de esperma na vítima, pêlos, ruptura do hírnen, contágio de moléstia venérea, gravidez; já decidiu o Supremo Tribunal Federal no sentido de que:
(...) o fato de os laudos de conjunção carnal e de espermatozóide serem negativos, não invalidam a prova do estupro, dado que indica que a cópula vagínica foi completa ou não, e se houve ejaculação.
Não bastaque haja ejaculação ou que se deixem vestígios físicos para haverem provas da conjunção carnal, pois ela não é capaz de demonstrar a resistência da vítima ao ser praticada o ato sexual. Importa notar que é comum mulheres, para se vingarem de seus parceiros, por inúmeros motivos, denunciarem-nos por crime de estupro. Daí por que a tão-só prova da apelidada, "conjunção camaleão" que é apta para a comprovação do crime. Imprescindível a demonstração de que o ato sexual se deu mediante constrangimento físico ou moral, com prova da violência empregada.
Trata-se acima da prova da violência real, ou seja, daquela em que houve o emprego efetivo da força física, produzindo mordidas, tentativa de esganadura, unhadas, equimoses, escoriações, lesões à vítima, como forma de obrigá-la à pratica do ato sexual, ou seja, como forma de vencer a resistência. Ocorre, por vezes, que a vítima, antes da abordagem do agente, pode desmaiar, não manifestando assim nenhum ato de resistência ao ato sexual.
Em tais casos, o juiz deverá levar em conta outras provas, entre as quais a palavra da vítima e a prova testemunhal (exame de corpo de delito indireto). Com este efeito,já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: "Hábeas Corpus"(HC). Processual Penal, Estupro, Sentença condenatória: alegação de insuficiência de provas para a condenação. Palavra da vítima: valor probante.
Conquanto tenha o laudo pericial registrado apenas a ocorrência de conjunção carnal, não fazendo alusão à ocorrência de violência, não está o juiz obrigado a acatá-lo e absolver o réu, desde que outros elementos de convicção, especialmente a palavra da vítima de crucial importância nesse tipo de delito corroborada por harmônica prova testemunhal conduzem o magistrado a um seguro juízo de condenação. Ademais, a via do H.C, não se mostra idônea para se pretender à absolvição do réu por insuficiência de provas.
Prova da violência moral. Nessa hipótese a prova do estupro é de difícil colheita. Será cabível nos casos de exame de corpo de delito indireto, ou seja, a prova testemunhal, isto é, se houver, pois o crime de estupro é via de regra, praticado às escondidas. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
Não sendo possível exame de corpo de delito, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta, mormente se corroborada nos demais elementos de convicção existente nos autos e reconhecida pela sentença.
Prova da tentativa do crime de estupro na hipótese em que não houve contato corporal. Trata-se do exemplo citado por Hungria, em que o agente não chega a ter qualquer contato corporal. Nessa hipótese, somente é cabível o exame de corpo de delito indireto, ou seja, a prova testemunhal, pela ausência de vestígios materiais do crime.
Prova da autoria. Interessante a observação feita por Nelson Hungria, refletindo as limitações periciais da época, no sentido de que os vestígios que denotam indícios da violência ou da cópula são alheios à prova da autoria. Trata-se de prova da materialidade do crime. Contudo, na atualidade, com o avanço da medicina, é possível colher o material genético do suposto estuprador e comparar com o material contido nos vestígios do crime, tais como esperma, pêlos, presentes no corpo da vítima.
Como prova de estupro o exame de DNA não é essencial à valia da conclusão sobre a autoria do estupro. Descabe falar em cerceio de defesa quando sequer foi requerido. Da mesma forma há de concluir-se quanto à fragilidade da prova quando alicerçada em depoimento da vítima, reconhecendo o autor do delito, e do irmão que o surpreendeu ainda dentro da residência. (HUNGRIA 2000 p. 348)
Contudo, a recusa do réu na realização do exame poderá junto com as demais provas colhidas servirem para o convencimento do juiz que possui liberdade para apreciar as provas (CPP, art. 157). O exame de DNA, dessa forma, não é essencial à conclusão da autoria do estupro, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal.
Na realidade esse exame poderá servir de instrumento para a comprovação da negativa de autoria. Embora constitua importante meio probatório, não pode ser considerado o único hábil à comprovação da negativa de autoria, uma vez que, segundo o art. 157 do CPP, o juiz formará sua convicção pela livre apreciação das provas, e, ainda, de acordo com o art. 167 do CPP, "não sendo possível o exame de corpo de delito por haverem desaparecido os vestígios da prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta".
Via de regra, a palavra da vítima tem valor probatório relativo, devendo ser aceita com reservas. Contudo, nos crimes praticados às ocultas, sem a presença de testemunhas, como nos delitos contra os costumes, a palavra da vítima, desde que corroborada pelos demais elementos probatórios, deve ser aceita. Nesse sentido é a lição:
Nos delitos contra os costumes, a palavra da ofendida avulta em importância de principalmente quando se trata de pessoa recatada, de bons costumes, de vida anterior honesta, ilibada e acima de suspeitas. (ROCHA, 1999 p. 98)
Nessas condições, é muito evidente que suas declarações, apontando o autor do crime que lhe vitimou, assume caráter extraordinário, frente às demais provas. Não seria razoável e nem é comum, que a pessoa com essas qualidades viesse a juízo cometer perjúrio, acusando um inocente de lhe haver constrangido à conjunção carnal ou a ato libidinoso outro qualquer. Neste sentido:
Nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor a sentença condenatória,a anulação e um novo laudo pericial. Nem sempre são prescindíveis se a condenação for fundada em outros elementos de prova como aidoneidade da vítima, pois a palavra da vítima, corroborada por prova testemunhal idônea, tem relevante valor probante e autorizam a condenação quando em sintonia com outros elementos de provas. (MONTEIRO, 2004, p. 178)
No mesmo sentido é a lição do saudoso professor Noronha (1988):
É natural que a palavra do ofendido seja recebida, em princípio, com reservas. Interessado no pleito, porfiando por que sua acusação prevaleça, cônscio da responsabilidade que assumiu, podendo até acarretar-lhe processo criminal (denunciação caluniosa, art. 339 do Código Penal) e, por outro lado, impelido pela indignação ou o ódio e animado do intuito de vingança, suas declarações não merecem, em regra, a credibilidade do testemunho. Isso, entretanto, não impede seja ele fonte de prova, devendo seu relato ser apreciado em confronto com os outros elementos probatórios, podendo, então, conforme a natureza do crime, muito contribuir para a convicção do juiz.
Não obstante os laudos periciais atestarem a inexistência de atos libidinosos, de conjunção carnal e de lesões corporais, a palavra da vítima, de crucial importância nesses delitos, corroborada por prova testemunhal harmônica, autoriza a condenação que, para ser elidida, demanda inegável revolvimento fático-probatório. Em se tratando de delito contra os costumes, a palavra da ofendida ganha especial relevo. Aliada aos exames periciais, lide o argumento da negativa de autoria. No mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal (STF):
Tratando-se de crime contra os costumes, se o depoimento da vítima não afronta a prova, mas, antes, encontra razoável ressonância no contexto probatório, se não se depara com justificativa plausível para a admissão de que sua versão é inverídica ou fantasiosa, não há, evidentemente, fundamento legal para recusa da única prova direta de que se dispõe para elucidação da autoria de fato delituosa. Nos delitos de natureza sexual a palavra da ofendida, dada a clandestinidade da infração, assume preponderante importância, por ser a principal, se não a única prova de que dispõe a acusação para demonstrar a responsabilidade do acusado.
Embora verdadeiro o argumento de que a palavra da vítima, em crimes sexuais, tem relevância especial, não deve, contudo, ser recebida sem reservas, quando outros elementos probatórios se apresentam em conflito corn suas declarações. Assim, existindo dúvida, ainda que ínfima, no espírito do julgador, deve, naturalmente, ser resolvida em favor do réu, pelo que merece provimento seu apelo, para absolvê-lo por falta de provas que também tem importante valor probatório, quando estiver em consonância com os demais elementos probatórios.
2.2 Concursos de Crimes
Quando concorrerem o Estupro e Atentado Violento ao Pudor, pode suceder que o agente primeiramente pratique atos libidinosos diversos da conjunção carnal (coito anal ou oral), vindo posteriormente a realizar a conjunção carnal. Entendemos que essa hipótese comporta duas situações distintas:
¨Se as carícias preliminares estiverem dentro do mesmo desdobramento causal da subseqüente conjunção carnal, haverá absorção do atentado violento ao pudor pelo estupro, por força do princípio da consumação, funcionando os atos anteriores como meio necessário e atos preparatórios da relação sexual posterior;
¨Os atos libidinosos são bem destacados da conjunção carnal, tratando-se de mera renovação de ânimo de um agente já saciado em sua lascívia inicial. Neste último caso, embora em semelhante situação de tempo e lugar, pode-se afirmar a existência de dois contextos distintos. Por exemplo: o agente submete a vítima à prática de coito anal e, em seguida, pratica conjunção carnal com ela.
Como a prática anormal não se encontrava na linha de desdobramento causal, tratando-se de ato independente, haverá dois crimes, sem a possibilidade de aplicação do benefício do crime continuado, dada a diversidade de espécies entre os dois delitos. Esse é o entendimento majoritário dos Tribunais Superiores. Somente poderá haver continuidade, neste sentido pacifica as jurisprudências que:
Tratando-se de crime contra os costumes, se o depoimento da vítima criança não afronta a prova, mas, antes, encontra razoável ressonância no contexto probatório, se não se depara com justificativa plausível para a admissão de que sua versão é inverídica ou fantasiosa, não há, evidentemente, fundamento legal para recusa da única prova direta de que se dispõe para elucidação da autoria de fato delituoso.
O depoimento infantil tem valor probatório, especialmente quando a criança narra fato de simples percepção visual e de fácil compreensão, fazendo-o com pureza. E o convencimento aumenta quando ele é confortado pelo conjunto probatório.
Embora do mesmo gênero, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor não são da mesma espécie, o que afasta a continuidade e corporifica o concurso material.
Se houver a prática de diversos estupros, na forma simples ou qualificada, tentados ou consumados. Quanto à consumação do estupro, após o atentado ao pudor, frise-se mais uma vez ser necessária à plena introdução do membro viril, de modo que, se o agente, por exemplo, vem a ser surpreendido no momento em que está para introduzir o pênis na cavidade vaginal, poderá responder pelo crime de estupro tentado em concurso com crime de atentado violento ao pudor.
2.3 Estupro Com Violência Presumida (Ficta)
O estupro com violência presumida está previsto de forma explícita e visível no art. 224 do CP. O qual, através da condição e estado da vítima, que de forma geral é indefesa, por ser alguns casos especiais, dispõe da seguinte forma, Presume-se a violência, se a vítima:
1.Não é maior de catorze anos;
2.É alienada ou débil mental, e o agente conhecia essa circunstância;
3.Não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência". Vide comentários ao art. 224 no tópico relativo às "Disposições Gerais"
2.4 Atentado Violento Ao Pudor
Tutela-se, sobretudo a liberdade sexual, ou seja, a liberdade de dispor de seu corpo, em especial a de não ser forçada violentamente a sujeitar-se a atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Ao contrário do crime de estupro, protege-se, igualmente, a liberdade sexual do homem, uma vez que a lei faz referência à prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal.
2.4.1 Núcleo da Ação
A ação nuclear do tipo consubstancia-se no verbo constranger, que significa forçar, obrigar alguém, no caso, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Assim como no estupro, o agente constrange a vítima à prática dos atos libidinosos mediante o emprego de violência ou grave ameaça. Quanto a esse aspecto, vide comentários ao crime de estupro.
Ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer lascívia (apetite sexual). Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido. Não se incluem nesse conceito as palavras, os escritos com conteúdo erótico, pois a lei se refere ao ato, ou seja, a uma realização física concreta.
Exige a lei, no entanto, para o crime em tela, que o ato seja diverso da conjunção carnal, a qual já foi objeto da disposição legal precedente (CP, art. 213 — estupro). Assim, ao contrário do estupro, que se caracteriza somente com a cópula vagínica, isto é, com a introdução do pênis na cavidade vaginal, o atentado violento ao pudor pode manifestar-se de diversas formas, até mesmo sem o contato de órgãos sexuais.
Como exemplo tem-se o do agente que realiza prática masturbatória na vítima e toques impudicos em sua vagina com o quirodáctilo, ou ainda prática de pseudopeolagnia que consiste na introdução de pênis um artificial ou outro elemento de igual rigidez na vagina, ou ainda aquele que pratica felação, que é denominado como coito ectópico oral.
Do mesmo modo, haverá o crime previsto no art. 214 do CP na conduta do indivíduo que constrange outro do mesmo sexo a praticar ou permitir que com ele se pratique coito anal. Também ocorre atentado violento ao pudor quando o agente, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, beija a vítima de forma lasciva, ou apalpa seus seios ou nádegas, ou acaricia suas partes íntimas, ainda que esteja vestida. Com relação a estas últimas hipóteses, há discussão na doutrina.
Para o ilustre jurista Bitencourt (2004) entende que "beijo lascivo", tradicionais "amassos", toques nas regiões pudendas, 'apalpadelas', sempre integraram os chamados atos libidinosos diversos de conjunção carnal. No entanto, a partir da Lei dos Crimes Hediondos, com pena mínima de seis anos de reclusão, falta-lhes a danosidade proporcional, que até pode encontrar no sexo anal ou oral violento". Continua o autor:
A diferença entre o desvalor e a gravidade entre o sexo anal e oral e os demais atos libidinosos é incomensurável. Se naqueles a gravidade da sanção cominada (mínimo de seis anos de reclusão) é razoável, o mesmo não ocorrre com os demais, que, confrontados com a gravidade da sanção referida, beiram as raias da insignificância. (BITENCOURT, 2004 p.158)
Nesses casos, quando ocorre em lugar público ou acessível ao público, deve desclassificar-se para a contravenção do art. 61 (LCP). Caso contrário deve declarar-se sua inconstitucionalidade, 23. do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS: "A introdução de quirodáctilos na vagina da ofendida caracteriza o delito de atentado violento ao pudor, e não o de estupro, pois que neste é o componente do tipo a conjunção carnal" (apud BITENCOURT, Código Penal comentado, cit, p. 862).
Por violar os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da lesividade do bem jurídico. O professor Gomes, baseando-se na doutrina de Claus Roxin, o qual redescobriu o princípio da insignificância, indaga: "Um beijo lascivo é crime hediondo"? Quem interpreta a lei penal de forma literal diz (absurdamente) sim e admite então para esse fato a pena de seis anos de reclusão, que é igual à do homicídio; quem busca a solução justa para cada caso concreto jamais dirá sim, (esse beijo poderia no máximo constituir uma contravenção penal — art. 61, LCP: importunação ofensiva ao pudor).
Em sentido contrário, sustenta Damásio, configurar o crime em tela o ato de despir uma jovem e apalpar os seios desnudos com o emprego de violência ou grave ameaça, ou acariciar as partes pudendas de uma jovem sobre o vestido. Da mesma forma, entende o autor, que o beijo lascivo, quando praticado com o emprego de violência ou grave ameaça, igualmente tipifica o crime em tela, mas, "evidentemente, não se pode considerar como ato libidinoso o beijo casto e respeitoso aplicado nas faces, ou mesmo o 'beijo roubado', furtiva e rapidamente dado na pessoa admirada ou desejada".
Diversa, porém, é a questão, quando se trata do beijo lascivo nos lábios, aplicada à força, que revela luxúria e desejo incontido, ou quando se trata de beijo aplicado nas partes pudendas. De acordo com o entendimento mais adotado que é aquele do qual corrobora o autor, ainda que o atentado violento ao pudor comporte grande variedade em seu meio executório o que inclui variadas formas de agir, podendo variar de um beijo lascivo até o coito anal.
Mas estas possibilidades nem sempre configuram a hipótese prevista no art. 214 do CP, visto que, não há o que se falar em atipicidade por ofensa ao princípio da proporcionalidade,uma vez que se trata de critério discricionário do legislador, ditado pela política criminal de reprimir com maior intensidade delitos sexuais violentos. Não se manifesta aqui, em nosso entender, violação ao princípio da dignidade humana; ao contrário, é Cezar Roberto Bitencourt, Código Penal comentado, cit, p. 859.
O professor Delmanto (1991) igualmente sustenta que:
No caso de simples contato corporal lascivo (abraços e beijos), em virtude da pena cominada ao atentado violento ao pudor e de sua natureza hedionda, deve o delito ser desclassificado para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (LCP, art. 61) (Código Penal comentado, cit., p. 417).
Para o grande Damásio (1999). Este, na realidade, é o entendimento adotado pelos doutrinadores mais antigos. Com efeito, para Hungria (1981), se o beijo for dado de modo lascivo ou com fim erótico poderá ser enquadrado no conceito de ato libidinoso.
Igualmente, para o saudoso mestre Noronha (1992):
Se o beijo na boca for dado, por meio de violência ou ameaça, num impulso de luxúria ou volúpia, constitui ato de libidinagem precisamente esse princípio que se defende ao punir-se com maior severidade tais modalidades de manifestações ou taras.
A questão se encontra apenas em definir o que é ato libidinoso, bem como, se foi praticado com violência ou grave ameaça. Para tanto, devemos lembrar que se classifica este ato, como um delito de tendência, em que é primordial a vontade do agente de satisfazer sua lascívia. Desse modo, qualquer atuação sexual tendente a contemplar a libido, ou seja, os desejos sexuais mais íntimos do autor, que for praticada mediante violência real, ou presumida, ou grave ameaça, tipifica o delito previsto no art. 214 do Código Penal.
Por outro lado, um toque praticado por motivo de blague, troça ou apenas para provocar ou irritar a vítima, ainda que atingindo regiões pudicas, não configura atentado violento ao pudor, mas mera contravenção de importunação ofensiva ao pudor (LCP, art. 61). Convém frisar que não se trata de finalidade especial, percebida pelo agente, já que esta não é exigida pelo tipo, mas de realização de uma tendência interna transcendente, vinculada à vontade de realização do verbo do tipo.
Assim, por exemplo, levantar a saia ou beliscar as nádegas da vítima apenas para provocá-la ou humilhá-la; dar um rápido beijo, sem introdução da língua e sem lascívia; apalpar os seios da ofendida a pretexto de tecer comentários irônicos sobre seu tamanho etc. caracterizam crime contra a honra ou mera importunação ofensiva ao pudor, dependendo do caso, mas não atentado violento ao pudor.
Ressalve-se, por fim, ser irrelevante a compreensão da vítima acerca do caráter libidinoso ou não do ato, bastando que o agente queira saciar um desejo interno de fundo sexual. Prevê o tipo penal que o agente deve constranger a vítima a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Podemos elencar as seguintes hipóteses: a) a vítima é obrigada a ter uma conduta ativa, isto é, a praticar atos libidinosos no agente, por exemplo, em sentido contrário TJRS:
Apalpadela dos seios de menor. Atentado violento ao pudor. Proporcionalidade. Desclassificação. Ato obsceno. O ato de apalpar os seios da vítima, criança de 12 anos de idade, merece reprimenda, mas na proporcionalidade com a gravidade do fato que, diferentemente de outros, não atinge as características de violência e repúdio do atentado violento ao pudor.
A resposta jurisprudencial pretendida daria ao fato à mesma sanção de um homicídio simples, o que evidencia a desproporção entre a ação e sanção alvitrada no recurso da acusação. A presunção de violência, contudo, na maioria dos casos não pode atingir o injusto. Reprimenda que se faz necessária para que ocorra a desclassificação do delito, para que de forma comum, sejapromovida e posta na sentença. O crime neste caso, fica sendo então, o de ato obsceno tipificado no art. 233 do CP.
¨Realizar sexo oral;
¨A vítima é obrigada a ter uma conduta passiva, isto é, a permitir que o agente nela pratique atos libidinosos, por exemplo, apalpar seus seios;
¨Realizar coito anal.
De acordo com Hungria, "ato libidinoso tem de ser praticado/a, com ou sobre a vítima coagida." Se o agente forçar a vítima a contemplá-lo enquanto se masturba, não há que se falar no crime em tela, pois não houve participação física da vítima no ato libidinoso (ativa ou passiva), ou seja, ela não praticou nem foi obrigada a permitir que com ela fosse praticado o ato libidinoso. Nesse sentido já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça.
Da mesma forma, se ela for obrigada pelo agente a presenciar atos libidinosos levados a efeito por terceiros. Nesses casos, poderá configurar-se o crime de constrangimento ilegal ou de corrupção de menores, se a vítima for maior de 14 e menor de 18 anos. Caso a vítima seja menor de 14 anos, o fato será considerado atípico, podendo o agente responder apenas pelo delito de constrangimento ilegal.
É que pelo atentado violento ao pudor não poderá responder, uma vez que não houve a participação ativa ou passiva na prática do ato libidinoso. Também não poderá responder pelo crime de corrupção de menores, já que nesse delito o ofendido é sempre maior de 14 anos. Essa hipótese não se confunde com aquela em que a vítima é obrigada a praticar atos libidinosos em si própria, como a masturbação, para que o agente a contemple lascivamente.
Embora nesse caso não haja contato físico entre ela e o agente, a vítima foi constrangida a praticar o ato libidinoso em si mesma. Surge aí a chamada autoria mediata ou indireta, pois o ofendido, mediante coação moral irresistível, é obrigado a realizar o ato executório pela imposição do agente.
Obviamente que, se o agente constrange a vítima a tirar a roupa para contemplá-la lascivamente, sem obrigá-la à prática de qualquer ato de cunho sexual, há somente o crime de constrangimento ilegal, uma vez que o atentado violento ao pudor pressupõe um ato libidinoso, não se podendo compará-lo ao "olhar libidinoso". (HUNGRIA, 2000, p. 123).
Atentado violento ao pudor. Ausência de contato físico entre o agente e a vítima. Não caracterização do crime. Para a caracterização do crime de atentado violento ao pudor é imprescindível que o agente, na realização do ato libidinoso, mantenha contato corporal com a vítima, pois sem a sua participação física ativa ou passiva, o delito não se configura. Não comete o crime tipificado no art. 214, CP, o ancião que, em face da recusa da vítima, menor de 7 anos, em tocar seu membro viril, masturba-se em sua presença.
2.4.2 Sujeito ativo e passivo do delito
Ao contrário do crime de estupro, no crime de atentado violento ao pudor, tanto pode ser sujeito ativo o homem quanto à mulher. Assim, admite-se a prática do crime contra pessoa do mesmo sexo. Cônjuge como autor: Qualquer dos cônjuges pode ser autor do crime de atentado violento ao pudor.
A razão da proibição é a mesma do crime precedentemente estudado: a(o) esposa(o) não pode ser violentamente constrangida(o) a praticar atos libidinosos, já que cabe a ela(e) o direito de dispor de seu corpo como bem entender. Embora a relação sexual constitua dever conjugal recíproco, não é lícito ao cônjuge lançar mão de meios ilícitos, como a violência ou a grave ameaça, para a obtenção de sua satisfação sexual.
Qualquer pessoa, tanto o homem quanto a mulher, que venha a praticar uma conduta ofensiva de maneira feroz e que esta possa ferir aos bons costumes, a moral ou hábitos de decência social. A lei fala em ato obsceno, não se excluem da proteção legal as prostitutas.
2.4.3 Elemento subjetivo
O dolo, consubstanciado na vontade de constranger outrem, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, ao praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.Além do dolo, é necessário o fim especial de satisfazer a lascívia do agente. Existindo assim divergência na doutrina, segundo a doutrina vigente, vejamos:
Não há necessidade da finalidade especial consubstanciada na vontade de saciar a paixão lasciva, pois o tipo penal não faz menção a ela. O agente deve ter consciência de que pratica ato libidinoso, mas não se exige a intenção de desafogar a luxúria. O motivo pode ser outro que não o de satisfazer a lascívia, como o desprezo, o ridículo da vítima, embora a intenção seja sempre a mesma: praticar ato que lese o pudor. (CAPEZ, 2005, p, 12).
Não basta que o ato seja atentatório ao pudor: é preciso que haja o fim da lascívia. Assim, "colidiria com o próprio sentido das palavras o dizer que comete ato libidinoso o indivíduo que, por exemplo, travando luta com a sua implicante vizinha de habitação coletiva, lhe empunhasse os seios para subjugá-la, ou lhe sungasse as vestes para dar-lhe palmadas no traseiro, expondo-a ao escárnio dos circunstantes". (ZAFARONNI, 2006 p. 258).
Entendemos que o tipo penal não requer qualquer finalidade específica, contudo é necessária a satisfação da lascívia do agente, não se tratando, portanto, de uma finalidade especial e exclusiva, percebida pelo agente, já que, esta não é exigida pelo tipo.
Mas de realização de uma tendência interna transcendente, de forma vinculada e contenda, uma indelével prática para a satisfação de sua vontade, no que tange, aos argumento para a realização e enquadramento de maneira absoluta, da tipificação e conceituação dos delitos em suas formas mais características de classificação e entendimento.
2.4.4 Consumação e tentativa
Consurmar-se-a o crime com a prática do ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Se o agente empregar de violência ou grave ameaça, que são atos executórios do crime, mas se não conseguir realizar os atos libidinosos por circunstâncias alheias a sua vontade, há crime tentado.
Difícil na prática é verificar se o crime ocorrido é de atentado violento ao pudor consumado ou tentativa de estupro. Não comprovada a intenção de estuprar, deverá o agente responder pelo de atentado violento ao pudor. Por exemplo: após arrancar as vestes da vítima e tatear seu corpo, o agente é surpreendido por terceiros.
Tais atos por si só são libidinosos e aptos a configurar o crime em estudo; caso não se logre, comprova-se o estupro tentado. Da mesma forma, se o agente desistir voluntariamente de praticar o crime de estupro, responderá pelo crime de atentado violento ao pudor se tiver praticado algum ato libidinoso.
2.4.5 Distinção
Dispõe o art. 61 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.68S/ 41): "Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor: Pena de multa". Já vimos anteriormente que o ato libidinoso não abrange as palavras ofensivas ao pudor, como os gracejos, por exemplo, de forma que aquele que as profere, importunando alguém em lugar público ou acessível ao público, comete a contravenção penal em estudo.
Essa contravenção também abarca a prática de atos ofensivos ao pudor em que não há o emprego de violência ou grave ameaça. Cite-se o exemplo do encostão de frente, sem violência ou grave ameaça; passar rapidamente a mão nas pernas da vítima que está sentada em um trem.
CAPÍTULO III
- A IMPORTÂNCIA DA PERÍCIA PARA A
CONCRETUDE DO DIREITO
Após todas as construções já
feitas nos capítulos anteriores busca-se neste em particular, denotar a
importância da perícia para o real cumprimento e embasamento técnico, para as
decisões de cunho jurídico que tomam os tribunais e seus afins. Como já se
analisou em capítulos anteriores, as decisões dos juízes de Direito, em acordo
com o ordenamento posto, devem por si só terem amparo legal e serem motivadas,
o que margeia o conhecido princípio do livre convencimento.
Como também já foi disposto em capítulos anteriores, na busca de dar concretude e ampliar de forma significativa, o embasamento das decisões que permeiam os crimes sexuais, in foco, fazem-se necessárias algumas intervenções legais, que são tomadas para a identificação de determinados delitos, para a constatação de sua prática. Sendo assim possível, perceber de forma comum, algo que esteja fora do padrão de normalidade.
Estes procedimentos que são tomados para uso judicial, possuem a denominação de Perícias Médicas e são nos casos em foco, estes procedimentos, as principais fontes de prova para a qualificação e tipificação dos delitos neste trabalho abordados. Foi dito mais de uma vez, citando os Códigos de Processo Penal e Civil, que o juiz não está adstrito ao laudo dos peritos; pode com ele concordar, no todo ou em parte; pode "ainda determinar nova perícia". SeJulgar a anteriormente feita insatisfatória.
O exame pericial será livremente apreciado pelo juiz como as demais provas. A perícia, como é dita:
È apenas uma lente que aumenta os objetos, tomando-os mais perceptíveis; mas ao magistrado, é que cabe servir-se dela para verificar se as Imagens apresentadas estão nítidas e inspiram plena confiança. (GOMES, 1993, p.262)
Com sua grande cultura jurídica e adequados conhecimentos básicos, o juiz está em condições de compreender as respostas dadas pelos peritos e será sempre capaz de avaliar, a firmeza de suas conclusões e o fundamento de suas asseverações cientificas. É por esse motivo, que se tem dito que juiz é o "perito dos peritos". Entretanto, ao juiz não será nunca permitido ter caprichos, antipatizar com determinados peritos oficiais e impugnar sistematicamente os laudos que lhe sejam apresentados logo, a lei não permite excessos dessa natureza.
O arbítrio judicial, não significa liberdade absoluta e discricionária de julgar, os magistrados são obrigados a motivar e fundamentar o que decidem. Justificar com razões convincentes, os seus pensamentos ao desprezar o "Laudo Técnico". Além disso, lançando aos tribunais superiores a responsabilidade de decidir, em instância mais alta e serena, fazendo cessar alguns caprichos de instâncias inferiores. Mas antes de estudarmos casos práticos, faz-se interessante entender alguns conceitos.
3.1 Da Conjunção Carnal
A conjunção carnal é a cópula fisiológica, a introdução do membro viril nacavidade vaginal, pouco importando se tenha sido a introdução completa ou incompleta; tenha ou não havido ejaculação; tenha ou não havido rotura do hímen.
A conjunção sexual incompleta constitui o coito vulvar: o pênis não penetra na vagina, limita-se a afastar os grandes lábios e a se atritar com os órgãos genitais externos. O orgasmo geralmente resulta do atrito do clitóris. O coito vulgar poderá determinar a gravidez, desde que o líquido seminal, lançado no vestíbulo, penetre na vagina.
A densidade do esperma, a posição horizontal da mulher, a mobilidade dos espermatozóides e os movimentos da vagina facilitam a penetração e a possível gravidez. A idade da ofendida se assim o for, seu grau de instrução, seu temperamento, sua inexperiência etc., são elementos a serem considerados pelo juiz, para julgar as questões relativas à conjunção. Do ponto de vista da Medicina legal, interessa-nos principalmente o estudo da mulher virgem e o diagnóstico da conjunção carnal.
3.2 Da Mulher e Sua Virgindade
A virgindade gozou através dos tempos, entre povos diferentes, ora de um excepcional prestígio, ora de um absoluto desprezo. Segundo alguns historiadores dentre os quais se destaca o Doutor Afrânio Peixoto que descreve e faz a seguinte interlocução:.
A etnografia se pode dividir em dois imensos grupos de povos: os himenólatras e os misimenistas, os que adoram ou desprezam a famosa membrana. Os Himenólatras são, sobretudo; os semitas, judeus e árabes, os egípcios, gregos, romanos e os novilatinos; da Europa e das Américas. O árabe recém casado leva a esposa à sua tenda e sai com um lenço ensangüentado nas mãos, a mostrá-lo aos parentes e amigos reunidos. Os napolitanos também exibem as cobertas da alcova sujas do sangue da desposada. Os Misimenistas são: asiáticos (chineses, nipões e hindus) e os nórdicos da Europa e os anglo-saxões da América. (GOMES, 1993, p.421)
Há uma pesquisa de um grande tablóide inglês que diz que:
Cerca de 90% dos casais da Europa Ocidental, não acham mais a novidade sexual. No Japão as gueixinhas fazem nos bordéis o dote que depois levam para o casamento. Nos Estados Unidos, dizem ser mais comum um noivo virgem do que a própria noiva. Aliás, faz-se a piada que cairá a ponte de Brooklyn em New York, no dia em que passar uma virgem em baixo.
A evolução social tem desprestigiado a sempre cultuada membrana. A maioria dos jovens hoje, tem se tornado cada vez mais misimenistas, proliferam em certos meios socias semi-virgens, pessoas que já fizeram outros tipos de relações que se parecem, mas diferem da conjunção carnal. Cita-se a seguir alguns exemplos sobre o hímen e sua importância na caracterização do que seria a pureza, segundo um conhecido historiador:
Em Roma existiam as vestais, eram sacerdotisas que eram escolhidas entre a população das quais se cobrava várias condutas sociais, dentre elas o resguardo de sua virgindade, sob pena de serem enterradas vivas se a perdessem. Ainda citando outros povos himenólatras, a legislação Judaica punia com severas penas a mulher que ao casar-se não fosse mais virgem. (VICENTINO, 2002, p.277)
A exemplo da controvérsia deste tema, temos ainda, a versão de outro grande nome da história o professor Piletti (2005)que em seu livro, traz correntes contrárias:
Para os Fenícios, que eram misimenistas, estes enviavam a noiva a um escravo para deflorá-la; os Egípcios faziam uma incisão na membrana antes do primeiro coito, entre certas Raças Selvagens o defloramento fica a cargo de sacerdotes. Nas Filipinas houve o ofício de deflorador, tão antipatizado quanto depois o de carrasco. Em Berlim a virgindade prezada é a uterina ou nuliparidade.
Prevalece ainda, o ponto de vista adotado pelo Código Penal no qual, a mulher deve casar-se virgem, ou seja, com hímen intacto. O defloramento anterior ao casamento e sem conhecimento do outro cônjuge é motivo de anulação de casamento por erro essencial. Daí o fato de o Código Penal incriminar a sedução.
Alguns professores de Medicina Legal, entre eles; Carrero e Peixoto têm criticado o que chamam o absurdo topográfico de colocar a honra da mulher nas dobras da mucosa vaginal.
Uma jovem pode ter íntegra a membrana e ser devassa, ou ter a membrana rota e ser digna. Entretanto, isso é a exceção, a preservação da integridade himenal, via de regra, coincide com a preservação de sentimentos morais e da pureza do corpo. (Apud GOMES, 1993, p. 422)
A integridade himenal é um poderosíssimo dique de contenção moral, quando a membrana se rompe fora do casamento, a observação mostra cada dia, que a rotura física é talvez, o primeiro sintoma de uma rotura moral. Que daí por diante se alarga até os descaminhos sociais, entre outros tipos de comportamento diversos dos que se entendem como morais.
A opinião das famílias brasileiras atualmente, para alguns doutrinadores, felizmente ainda conservam as tradicionais virtudes domésticas dos seus antepassados, em que pesam seu aparente desfalecimento ético. Aliás, acentue-se aqui que a virgindade ainda é algo tutelado pela Lei e que ela severamente protege. Não é apenas anatomicamente, mas sim e, sobretudo moral. Segundo um saudoso doutrinador:
Uma rapariga pode ser ao mesmo tempo virgem e não casta, casta e não virgem, casta e virgem e nem virgem nem casta. A lei protege a que reúne a virgindade à castidade. Seduzir moça depravada e moralmente corrompida, embora anatomicamente virgem, é crime impossível. Mulher virgem é a que nunca copulou, a virgindade tem alguns sinais que a insinuam: a dureza dos seios, a aproximação e coaptação dos grandes lábios, o modo de emissão da urina, a maneira de andar, sinais psicológicos e morais, etc. (FERRÃO, 1987, Apud GOMES, 1993, p. 426).
Todos estes sinais citados anteriormente, são extremos e quase semprefalibilíssicos, a tal ponto que a Medicina Legal não lhes confere nenhum valor, o único sinal valioso no diagnóstico da virgindade é o exame do hímen, impropriamente chamado membrana himenal, porque hímen em grego significa membrana.
O hímen possui uma formação anatômica situada na parte anterior da vagina. Não é privilégio só da espécie humana, em certos animais como alguns tipos de macacas também o possuem. A membrana pode faltar inteiramente ou não existir, sendo esta hipótese raríssima e que já foi até mesmo negada por muitos autores.
Atualmente a hipótese anterior não pode mais ser contestada, o hímen das meninas ocupa posição mais profunda, dentro da cavidade vaginal, e vai se tornando mais exterior e periférico à proporção que a menina vai se tornando mulher, até atingir sua sede habitual e natural, que se encontra atrás dos pequenos lábios. A natureza preparou com isto, a mulher para a função reprodutora.
Ao se fazer uma incisão perpendicular histológica no hímen, observa-se que ele é formado por uma mucosa que o reveste, bem como por pequeninos vasos, fibrilas elásticas e até mesmo musculares. Estes vasos têm grande importância, porque a hemorragia que a mulher apresentará depois do defloramento é condicionada, ao calibre destes vasos que se irão romper. Segundo o Professor Del-Campo (2007) quando se estuda o hímen, nota-se que deve ser considerado:
No orifício que a membrana apresenta, o órbito himenal, é a membrana propriamente dita, que ainda constitui a orla himenal. Não sendo é obrigatória a sua existência porque há os chamados hímens imperfurados, em que o orifício não se encontra presente. Quando isto ocorre, o sangue das primeiras regras se acumula dentro da vagina e do útero, formando verdadeiras coleções. Que recebem os nomes de hematólpos e hematométrio.
No sentido do acima citado, é indispensável que um médico pratique a abertura da membrana, para que o ciclo menstrual da paciente não se perturbe, as dimensões do óstio não são constantes e variam de mulher para mulher. Aliás, neste particular é preciso que se diga que não existem duas mulheres com o mesmo tipo de hímen, pois isto caracteriza até uma forma de identidade, sendo que cada mulher apresenta uma forma himenal quase que pessoal.
O óstio himenal em algumas mulheres é puntiforme, em outras é formado por numerosos orifícios, podendo ser um orifício único cujo calibre oscila de milímetros até mais de um ou dois centímetros de diâmetro. Estes orifícios muito largos contribuem para a formação dos chamados hímens complacentes; nos quais na cópula não se realiza rotura da membrana. A forma do óstio himenal é a mais variada possível, servindo de base a numerosas classificações.
Já a orla himenal, às vezes possui dimensões exíguas, podendo ter apenas milímetros, outras vezes adquire maiores dimensões, podendo até exteriorizar-se pela vulva. A orla não é sempre contínua, às vezes se interrompe parcial ou totalmente, constituindo os entalhes e as comissuras. As comissuras são profundas e separam a orla em verdadeiros lábios.
As ranhuras ou entalhes que se formam, são freqüentemente superficiais, limitando-se muitas vezes ao bordo livre da orla. É um problema difícil o diagnóstico diferencial entre um entalhe e uma rotura, e algumas autoridades no assunto como os professores Staassman e Hofman, chega a afirmar que:
É um dos mais difíceis, com os quais o médico-legista pode defrontar como elemento básico para o diagnóstico, e por conta disto, é necessário que só se considere como roturas aquelas soluções de continuidade que atingem a parede da vagina. (Apud GOMES, 1993, p. 426)
Visto isto, entende-se que a borda livre da orla apresenta, às vezes, vários filamentos, dando a esses hímens aspecto filamentoso, recebendo os mesmos o nome de afibrantados. A consistência da orla himenal é também muito variável, existindo hímens com várias consistências, como os que têm consistência carnosa, outros são tendinosos ou cartilaginosos.
Nesta linha de raciocínio, ainda pode-se classificar os hímens cartilaginosos, tipo pode adquirir consistência tão grande que impede a penetração do membro viril, exigindo incisão. Outros são tênues, transparentes, formando verdadeiras teias de aranha. Alguns são tão elásticos que parecem uma orla de cautchu. Alguns hímens carnosos são reforçados pela coluna posterior da vagina, que formam um verdadeiro pilar de sustentação.
3.3 Entendimentos Sobre a Classificação Médico-Legal dos Hímens
A estrutura do ostio himenal e as características da orla são os elementos essenciais sobre os quais se baseiam as classificações dos hímens. Pelo que se pode constatar nesta pesquisa, existem numerosas classificações citar-se-á neste contexto, apenas as dos que são considerados maiores expoentes da medicina legal que são os professores Hélio Gomes e do ilustre Genival França, das quais para Gomes:
Os hímens se dividem em típicos, quando possuem um único orifício e em atípicos, quando possuem vários ou nenhum orifício. Os típicos compreendem os hímens anulares, semialunares e labiados. Os atípicos compreendem os imperfurados, os em ponte, os cordiformes e os crivados.
Já para o professor, França (2005) ensina-os como:
Comissurados, acomissurados e atípicos, conforme tenham ou não solução de continuidade na orla. Os comissurados são; bi, tri, tetra e multilabiados. Os acomissurados compreendem os imperfurados, os anulares, os semilunares, os helicóides, os cribriformes e os septados. Os atípicos constituem os fenestrados, os de apêndice pendente e os de apêndice saliente.
3.4 As Classificações Jurídicas dos Hímens
Para melhor o entendimento dos juristas, os hímens podem ser divididos em ausentes, imperfurados e perfurados no que consiste:
¨Os ausentes como já se explicita, são casos tidos como raríssimos nos quais a mulher nasce sem o hímen, alguns estudiosos antigos relatavam essa hipótese como impossível, idéia já derrubada na atualidade.
¨Os imperfurados necessitam ser perfurados antes da primeira menstruação, mediante adequada incisão. Após sua intervenção deve ser lavrada uma ata judicial, na qual, se assegura o resguardo da honra da menina de eventuais suspeitas futuras.
¨Os perfurados ainda se dividem em resistentes, complacentes, não complacentes e os rompíveis:
1. Os resistentes precisam também ser incisados, a fim de permitirem a conjunção carnal;
2. Os complacentes toleram a introdução do pênis sem se romperem;
3. Os rompíveis são hímens que se rompem por ocasião da primeira cópula;
Os imperfurados e resistentes, após a incisão, tornam-se rompíveis. Entretanto, se a incisão não for bem feita, podem tornar-se complacentes. Cita ainda o professor:
O que a prática médico-legal mostra, porém, é que a maior parte dos hímens é representada pelos anulares, semilunares e labiados. Não se exageraria em dizer que correspondem a mais de 95% dos casos. (DEL-CAMPO, 2007 p. 213)
Hofman e Haberda (1998) uma pesquisa que realizaram, concluíram que em 1.000 defloramentos a ação defloradora foi exercida pelo pênis em 999 vezes. Sobraria, portanto a possibilidade de 1 por 1.000 para outras causas defloradoras como:
a) o empalamento;
b) a masturbação;
c) manobras impudicas;
d) causas patológicas;
e) acidentais
Tais critérios de pensar de modo quase absoluto, que o membro viril, quando se fala em defloramento, tem grande importância, principalmente considerando certas crendices populares. Não se diga apenas do povo, porque já Hofman (1998).
Critico muito as moças de sua pátria, que se diziam defloradas, porque tinham dado um passeio a cavalo, subido uma escada muito depressa, dançada muito, que haviam aberto as pernas com certa violência. (Apud GOMES, 1993, p. 426)
O termo empalamento foi criado pelo imortal jurista Rodrigues (1986), mestre baiano que publicou um trabalho com este nome, onde se encontram alguns casos que conseguiu reunir durante longos anos para designar:
A queda do cavaleiro, neste ínterim a amazona sobre certas pontas ou superfícies pontiagudas. Examinando, de per si, causas mais raras capazes de produzir a rotura da membrana, veremos que o empalamento é de fato, capaz de realizá-la. Esta é, porém, causa tão rara que se apontam os casos assim acontecidos. (Apud GOMES, 1993, p. 426)
Nessas circunstâncias, o diagnóstico é fácil, porque, além da rotura do hímen, existem lesões acentuadas inclusive, lacerações da vulva e mesmo do períneo, que não se encontram no coito. Junto ao empalamento faz-se necessário encontrar a presença de outras violências.
O Dr. Nilton Sales examinou uma menor, em que o hímen tinha sido roto pelo pontapé que um indivíduo calçado de tamanco que lhe aplicara um golpe nas partes genitais. No Instituto Médico-Legal de São Paulo, foi examinada uma menor de dois anos com hímen roto por um cachorrinho. Quanto à masturbação, não se conhece caso de mulher que ao se masturbar, tenha rompido a membrana.
Observações minuciosas, realizadas inclusive em hospícios de mulheres, em que certas pacientes atritam a genitália com verdadeiro furor, não permitiram apurar nenhum caso, o que vem mostrar que se trata apenas de suposição teórica. Manobras impudicas com o quirodáctilo, pênis artificiais e outros objetos, podem sim de fato, causar o defloramento. Desta forma é preciso esclarecer aqueles casos em que médicos inexperientes, introduziram o quirodáctilo ou o espéculo na vagina de pacientes virgens, praticando desta forma, ingenuamente o seu defloramento.
Tal caso supra citado, apareceu no Instituto Médico-Legal de São Paulo, em que compareceu ao exame e se registrou tal conduta atípica. Ainda podem haver causas patológicas, que podem acarretar a destruição ou a rotura himenal e entre elas é preciso considerar os casos de ulceração, gangrena, prolapsos uterinos, etc.
O prof. Afrânio Peixoto cita no seu livro um caso de rotura de membrana por prolapso uterino, que se exteriorizou com violência. Nem sempre é assim, e o prof. Nuno Lisboa escreveu sobre um caso de prolapso uterino em hímen complacente, em que a membrana se conservou íntegra. Vistas as causas que podem condicionar o defloramento, estudaremos a rotura membranal em si mesma.
No que diz respeito à extensão, as roturas podem ser completas e incompletas; no primeiro caso atingem a totalidade da orla e chegam à parede da vagina. No segundo caso, em que a solução de continuidade é pequena, limitando-se às proximidades da orla, são necessárias certas cautelas para não confundi-Ia com os entalhes, conforme já acentuamos.
3.5 Variedades de Hímens
Nos hímens em ponte pode haver seu arrancamento ou conservação. As roturas podem ser únicas ou múltiplas. Não há regra topográfica ou numérica, cada hímen se rompe ao seu modo.
Todavia Tardieu (apud. Gomes, 1993 p. 428) observou que os hímens labiados se rompem nas comissuras, deixando os lábios íntegros, logo depois do defloramento os retalhos do hímen roto têm cor vermelha, sangram, apresentando aspecto irregular e tumefeito. O coito deflorador determina alguma dor, variável de acordo com o temperamento e perda sanguínea, algumas vezes abundante, mas via de regra discreta, podendo mesmo passar despercebida.
Depois da rotura os retalhos não se reúnem mais, sendo inteiramente imaginária a hipótese de sua reconstituição por uma linha cicatricial. Borri, todavia, admite a possibilidade de himenorrafias capazes de restabelecer a continuidade da membrana recentemente rota.
Os retalhos logo cicatrizam e se cobrem de mucosa e esta cicatrização é rápida, levando em média 4 dias. Na prática admite-se o prazo de 21 dias, como o máximo necessário para a cicatrização. Com o hábito sexual e, sobretudo, após o parto os retalhos se retraem reduzem-se a pequenos tubérculos chamados carúnculas mirtiformes verdadeiros calos do ofício.
Na descrição nunca se deve dizer rotura antiga, porque se pode supor que o defloramento data de muito tempo e o crime já esteja prescrito. As expressões a serem usadas são rotura cicatrizada ou não, o que permite supor que o crime data de um máximo de 15 dias ou não.
Além do defloramento podem surgir, às vezes, ferimentos das vias genitais. Para isso é preciso, porém, que haja desproporção muito grande entre os órgãos masculino e feminino. Isto é raríssimo nas mulheres e regra nas crianças. Tanto assim que podemos dizer, com Thoinot, que abaixo de 6 anos o coito é impossível; que nas crianças de 6 a 11 anos a cópula acarreta rotura do períneo e do fundo de saco vaginal, e nas de 11 a 14 anos, as roturas da fúrcula e da fossa navicular.
Após alguns destes conceitos apresentados, para uma melhor noção e entendimento dos crimes sexuais, fazem-se necessárias, práticas diferentes de perícias para cada um dos delitos abordados neste trabalho.
3.6 O Estupro e Sua Caracterização Médico-Legal
O estupro, já supracitado, por ser um crime que deixa vestígios, considera-se indispensável à realização do exame pericial para sua devida comprovação. Há vários pontos a esclarecer na perícia do estupro. Em primeiro lugar, o estado mental do agressor a fim de medir sua capacidade de entendimento ao fato delituoso e, também, averiguar suas possibilidades físicas de constranger e manobrar a vítima aos seus instintos sexuais.
A cópula vagínica deve ser comprovada, em se tratando de mulher virgem, utilizam-se os mesmos meios de diagnóstico para um delito homólogo, o crime sedução. Nos casos de mulher de vida sexual pregressa, a perícia encontrará maiores dificuldades, a presença de esperma na cavidade vaginal ou a dosagem alta da fosfatase ácida e da glicoproteína P30 na secreção vaginal, falam em favor da conjunção carnal.
Há também de se procurarem as provas de violência ou de luta,o que é presença certa nestes tipos de delito, apresentadas pela vítima, nas mais diversas regiões do corpo: equimoses e escoriações, mais evidenciadas nas faces internas das coxas, nos seios, nos braços, na face, ao redor do nariz e da boca - como tentativa de fazer calarem os gritos da vítima. E finalmente, escoriações na face anterior do pescoço, quando existe a tentativa de esganadura ou como forma de amedrontá-Ia.
Para pesquisa de esperma, faz-se entrar em contato com o reagente de Florence o material coletado da cavidade vaginal e/ou do colo uterino e diz-se positiva a reação em que surge no campo microscópico, inúmeros cristais castanho-avermelhados de formato rômbico. O reativo de Florence constitui-se de iodo metalóide, iodeto de potássio e água destilada.
Outro método muito aplicado é o Barbério, que utiliza como reagente uma solução saturada de ácido pícrico em glicerina, e que, quando a reação é positiva, surpreende cristais em forma de agulhas ou alpistes, corados de amarelo, isolados ou em grupos. A reação de Baecchi é feita depois da reação de Florence, após 20 a 30 minutos, quando começam a surgir, da periferia para o centro da lâmina, outros microcristais arredondados e de tonalidade mais carregada que os de Florence.
Atualmente, tem sido empregada a dosagem da fosfatase ácida e da glicoproteína P30, que se mostra em altos níveis no esperma, mesmo nos vasectomizados. No entanto, o diagnóstico de maior certeza é, sem dúvida, a presença do elemento figurado do esperma - o espermatozóide.
Outro método de pesquisa de sêmen é através da observação do líquido coletado com a lâmpada de Wood, que emite luz ultra-violeta filtrada, e libera apenas radiações entre 330 e 400nm, sensibilizando certas substâncias que emitem fluorescência, entre elas o sêmen, que pode ser detectado até 72 horas após a agressão.
3.6.1 Uma análise sobre a perícia de defloramento no estupro
Para realizar-se um exame de defloramento, deve colocar-se a paciente deitada em posição ginecológica, em lugar bem iluminado. Faz-se com o polegar e o indicador de cada mão, uma pinça que apreende, também de cada lado os grandes e pequenos lábios, tracionando-os em direção ao perito, e não para os lados.
A orla deverá ser examinada em todo detalhe no que diz respeito à forma, espessura, consistência, inserção, entalhes, roturas, tamanho do óstio, etc. As roturas devem ser minuciosamente descritas: sua localização; se completas ou incompletas; se cicatrizadas ou não; seu número, etc. Para localizarem-se as roturas, usam-se geralmente, dois processos.
No primeiro, figura-se a adaptação à vulva de um mostrador de relógio. Olha-se a rotura e nota-se a que horas corresponde neste relógio hipotético, uma rotura às 6 horas, significa uma rotura embaixo, próximo à fúrcula. O segundo processo consiste em admitir a vulva dividida em quadrantes: dois anteriores, dois posteriores, dos quais respectivamente; são dois direitos e dois esquerdos. Estes quadrantes podem ainda ser divididos em terços. Por este processo é fácil compreender onde se encontra uma rotura localizada no terço superior do quadrante anterior esquerdo.
O exame com luz ultravioleta é muito útil para precisar o diagnóstico em certos casos, principalmente a distinção entre entalhe congênito e rotura. Além dos elementos já referidos, caracterizam o entalhe a delicadeza e a tenuidade das bordas e o fato de poderem possuir posição simétrica, o que raramente acontece com as roturas.
No exame a que procede na paciente, o perito deverá aproveitar a oportunidade e colher material para confeccionar lâminas, etc, caso se tornem necessários estes exames subsidiários, para afirmar-se não só a presença de esperma, como a contaminação venérea.
Não é raro apresentarem-se as examinadas menstruadas, por ocasião da perícia, é melhor fazê-las voltar, após o término das regras, embora o exame possa ser feito com cuidados especiais, em caso de urgência. A presença de sangue na vagina mascara o aspecto das roturas principalmente quando o defloramento é recente, e elas já sangram por si mesmas. No laudo deve constar ainda exame minucioso da genitália, devendo ser mencionados os aspectos, como a cor, o tamanho, a forma do pênis, grandes e pequenos lábios, fúrcula, mucosa vulvar, etc.
3.7 O Atentado Violento ao Pudor e Sua Caracterização Médico-Legal
No atentado violento ao pudor e em sua forma tentada, a maioria dos doutrinadores seguem a risca a linha que condiz que a perícia deve envolver os dois elementos formadores do crime: o subjetivo e o objetivo.
No elemento subjetivo, o mesmo deve evidenciar no autor, sua capacidade de responder penalmente pela infração, no que se refere à idade e à capacidade intelectiva. Outras vezes, pode o perito evidenciar, pelo exame do autor, determinadas doenças venéreas contraídas pela vítima, o que não deixa de ser uma presunção valiosa, assim como lesões e edemas da glande, do freio e do prepúcio em face do coito violento.
Em outros elementos, os objetivos, o crime irá consignar a forma de ato libidinoso, pelos vestígios deixados pelo ato sexual e pela agressão física ou psíquica recebida pela vítima. A determinação da cópula anal e a constatação da presença de esperma são os elementos mais concludentes nesse tipo de delito de atentado violento ao pudor.
Tratando-se de crime, em certas ocasiões, capaz de deixar vestígios, o exame de corpo de delito é imprescindível e irrenunciável, devendo ser feito o mais recente e breve possível após a interlocução da vítima junto à autoridade policial, não sendo ele suprindo, nem mesmo a confissão do acusado.
Nesse particular, é muito importante fazer a distinção entre os sinais típicos de uma cópula anal violenta e atual e as características da pederastia passiva e habitual. É claro que nos interessa muito mais aqueles primeiros, visto tratar-se de perícia não muito rara e que diz respeito ao atentado violento ao pudor, notadamente na espécie coito anal.
A posição ideal do exame é de "prece maometana", em que nos casos normais, o ânus apresenta-se fechado e em forma de fenda ântero-posterior, em cujo derredor observa-se certo número de pregas conhecidas como "pregas radiadas" e uma pele fina, rosada, lisa e sem implantação de pêlos que forma a chamada "margem do ânus".
Nos casos de coito anal violento, podem-se notar hemorragias por roturas das paredes anorretais e perineais, congestão e edema das regiões circunvizinhas, infecções secundárias, presença de esperma, dilatação brusca do ânus, orifício doloroso ao toque retal, hemorragia e equimoses da margem do ânus, rotura triangular da margem do ânus e vértice no períneo ao nível da união dos quadrantes inferiores, rotura de algumas pregas anais, rotura retoperineal nos casos de maior violência.
Principalmente em crianças de pouca idade presença de "paralisia antálgica da dor" ou sinal da "dilatação anal reflexa", quando se observa o canal anal aberto nas primeiras 2 ou 4 horas da agressão e traumatismo da face interna dos genitais na proximidade do orifício anal.
Em alguns casos relativos ao atentado, podem também ser observados sinais de traumatismos na nuca, no pescoço, no dorso e na face posterior das pernas e das coxas da vítima. O achado mais importante para o diagnóstico do coito anal é a presença de líquido espermático no canal retal.
Nos casos de coito oral, as dificuldades periciais são maiores em face da necessidade de o exame ser realizado mais precocemente possível. As lesões nesta forma de atentado são raras, tanto nos lábios como na cavidade bucal. O diagnóstico é feito através de provas biológicas que identifiquem o sêmen na boca, as possíveis manifestações tardias de doenças sexualmente transmissíveis na mucosa lábio-bucal e, mais raramente, lesões encontradas nos genitais externos do agressor.
No exame pericial realizado em casos suspeitos de atentado violento ao pudor, levando-se em conta as especificidades de cada caso, recomenda-se certos protocolos, segundo o professor França (2001)
Na vítima: exame clínico completo; exploração cuidadosa da estrutura genital ou retal; coleta de amostras de sangue, saliva, secreções ou fluidos do vestíbulo, fúrcula ou ânus; coleta de amostras de manchas encontradas pelo corpo; exame da roupa da vítima e da cama ou do local dos fatos.
No autor: exame clínico completo; exame minucioso dos dedos e das unhas; coleta de amostras de sangue, saliva ou urina nas bordas livres das unhas, da superfície do pênis, do prepúcio, dos pêlos pubianos e das manchas existentes no corpo; além do exame cuidadoso dos genitais externos do suposto agressor e das vestes dele.
Estes exames no suposto culpado, como já foi dito anteriormente, deverá ser feito nas primeiras 24 horas, com a finalidade de encontrar sinais de coito recente, como: presença na área genital de células vaginais (quando a vítima é mulher) pela técnica citológica de Papanicolaou, de sangue de características genéticas iguais às da vítima, de material fecal na glande ou sulco bálano-prepucial, de presença de sêmen pela expressão do pênis e, quando o coito foi realizado com violência, pode-se flagrar edema inflamatório do pênis, roturas recentes do freio da glande, feridas e escoriações dos genitais externos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em se tratando dos crimes sexuais, tema o qual foi exposto e dissecado neste presente estudo, a Perícia deve ser tida como premissa básica, para que se materializem e sejam provados tais delitos, logo, é o resultado das mesmas, que serve de prova, para denotar a existência de vestígios deixados pelo agressor na vítima. Por isto, entende-se que sua verificação e análise são extremamente relevantes.
O Exame de Corpo de Delito, muito conhecido e citado em algumas obras de Direito Penal e de Medicina Legal, é exatamente a constatação médica, de que houve uma intervenção incomum na estrutura intra ou extracorpórea do indivíduo, e que através do chamado Laudo Pericial, dá como verídico os fatos narrados pela vítima, interpondo no mesmo, informações médicas que comprovem o que está sendo alegado, sendo por isto denominado de o instrumento de conclusão pericial.
Por conta desta importância, primou-se pela denotação e interposição através das noções médico-jurídicas, a cerca da Perícia Legal, a qual sem a mesma, se faz impossível enquadrar e classificar os crimes de Estupro e Atentado Violento ao Pudor, por conta da intimidade e do entendido receio, causado por este tipo de agressão, mostrando que só através dela e de seus recursos, faz-se irrefutáveis provas, que servem de base ao julgamento dos magistrados.
Após estes conceitos vislumbrou-se a necessidade da Perícia nos casos aqui citados, atentando-se ainda para a manifestação dos delitos em razão da mesma,o que comprovou a necessidade deste estudo bem mais aprofundado, explicitando as razões pelas quais se interpelou e se demonstrou tanto interesse pelo relevante tema.
Apontar os motivos e a importância da Perícia Legal para o Direito de forma conjunta, foi um desafio e ao mesmo tempo uma prioridade, visto que, a utilização dela, mesmo já estando consolidada no ordenamento, ainda deve ser analisada, com o intuito de que sejam assim garantidos e vislumbrados pelos juristas, novos olhares sobre este tema.
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