A PERDA DA IDENTIDADE NA SOCIEDADE MODERNA DO ROMANCE “O HOMEM DUPLICADO.”

Por Flaviano Santana dos Santos | 17/02/2015 | Literatura

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE LETRAS

 

FLAVIANO SANTANA DOS SANTOS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A PERDA DA IDENTIDADE NA SOCIEDADE MODERNA DO ROMANCE “O HOMEM DUPLICADO.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FEIRA DE SANTANA

2013

 

 

FLAVIANO SANTANA DOS SANTOS

 

A PERDA DA IDENTIDADE NA SOCIEDADE MODERNA DO ROMANCE “O HOMEM DUPLICADO.”

 

 

 

 

 

 

                                       

Artigo apresentado como requisito parcial para a obtenção de créditos na disciplina de Cânones da Literatura Portuguesa, sob orientação da Profª Alana de Oliveira Freitas El Fah.

 

 

 

 

 

FEIRA DE SANTANA

2013

 

Resumo

 

Este trabalho é um estudo sobre o comportamento do personagem Tertuliano Máximo Afonso, dentro de uma sociedade moderna de uma grande cidade, ao se deparar com uma pessoa fisicamente igual, o ator Daniel Santa-Clara. Como suas vidas se fundem, ocorrendo uma inversão de papeis (as vidas são trocadas). Através da analise do romance, pode-se ver como no meio social moderno, com laços de afetividade escassos e desvalorização do individuo que exerce uma determinada função (professor), abre espaço para busca de viver outras vidas (valorização da profissão de ator).

Palavras-chave: sociedade, desvalorização, perda de identidade.

O escritor português José Saramago, se destaca na literatura por seus diversos livros publicados mundialmente, entre eles temos os livros de temática universal como são os casos dos livros Ensaios sobre a cegueira (1995) e O homem duplicado (2002). Nesse romance escrito por Saramago em 2002, pode-se ver os conflitos do personagem Tertuliano Máximo Afonso com sigo mesmo e com a sociedade em que vive (seu emprego de professor de História, seu relacionamento mal resolvido com Maria da Paz, com as coisas e pessoas que lhe cerca), causando assim, grande estremecimento no seu psicológico, a ponto dele iniciar uma busca desenfreada pelo outro “eu” ao encontrar uma pessoa idêntica no filme Quem porfia mata caça.

Para se entender as atitudes do professor Tertuliano Máximo Afonso é necessário buscar a sociedade na qual ele está inserido, sabendo-se que “a sociedade é um tipo especial de sistema social” PARSONS (1969, p.16), pois é nela que se tem o convívio humano, no qual cada um exerce seu papel.  Com isso, cada individuo torna-se um membro dessa “engrenagem” que faz a sociedade funcionar.

No entanto, supõe que é de certo modo “correto” que as coisas sejam feitas de acordo com a ordem institucionalizada. A função de legitimação é independente das funções operativas de um sistema social. Nenhuma ordem normativa é sempre auto-legitimadora no sentido de que a maneira aprovada ou proibida de vida seja apenas certa ou errada, e não admita questões. (Parsons, 1969, p. 24-25).

Dentro desse ambiente pragmático é que Saramago coloca personagens pré-determinados, alguns são denominados pelo papel que exerce na sociedade como são os casos do professor de Matemática e do diretor, personagens importantes, que não são chamados pelo nome próprio, mostrando que o seu valor dentro do contexto social é pelo que pode oferecer para sociedade. A partir desse ambiente das cidades grandes e modernas é que Tertuliano convive com suas angústias e busca nos rumos para sua “enfadonha” vida.

Os conflitos interior de Tertuliano primeiro surgem da condição de simples professor dessa sociedade.

Desse mal, na suposição de que realmente o seja, todos nos queixamos, também eu quereria que me conhecessem como um génio (...) em lugar do medíocre e resignado professor de um estabelecimento de ensino secundário que não terei outro remédio que continuar a ser, Não gosto de mim mesmo, provavelmente é esse o problema. (Saramago, 2012-p.14).

            Nessa condição ele busca uma autoafirmação e mudanças dentro dessa sociedade, para assim, ele poder se aceitar. Porém, a sociedade condicionada aos costumes, novas ideias causam desaprovação.

Em minha opinião, disse ele, a única opção importante, a única decisão séria que será necessário tomar no que respeita ao conhecimento da história, é se devemos ensiná-la de trás para adiante ou, segundo minha opinião, de diante para trás, todo o mais, não sendo despiciendo está condicionado pela escolha que se fizer, toda gente sabe que é assim é, mas continua a fazer-se de conta que não é. Os efeitos da perorata foram os de sempre, suspiro mal resignada paciência do director, trocas de olhares e murmúrios entre os professores. (Saramago, 2002, p. 46).

            O descaso da sociedade com o novo reflete, o circulo fechado ao qual Tertuliano encontra-se, causando indignação para com a vida que leva, abrindo espaço para que ele pense em abandonar os estudos: mas imagino que seria uma boa ideia, Abandonar o ensino, Abandonar qualquer coisa. (Saramago, 2002 - p.83). Porém, o personagem é dotado de uma inconstância de personalidade e segundo ALVES (2012) a falta de coragem faz Tertuliano recuar em abandonar a docência.

            O marco de mudança de Tertuliano acontece quando ele ver o filme Quem porfia mata a caça e descobre um personagem igual a si, começando assim uma busca desenfreada pelo seu “duplo”. Segundo Connor (1993), viver na incerteza é signo da ironia pós-moderna, bem

como acostumar-se a um mundo incerto, múltiplo e até mesmo absurdo. Esse absurdo da duplicidade, é uma ironia de Saramago, que atribui o fato da desvalorização do individuo, com essa perda de identidade na sociedade moderna e pode ser explicado pelo psicanalista Sigmund Freud na sua Teoria da Identidade. Segundo Freud (1914) nossa personalidade é formada por três instâncias: id, ego e superego.

                                  

 O id é a instância que contém os impulsos inatos, as inclinações mais elementares do

Indivíduo [...] O ego, significa literalmente “eu”, é o setor da personalidade encarregado em manter contato com o ambiente em que cerca o individuo [...] O superego, por sua vez, é um depositário das normas e princípios morais do grupo

social a que o indivíduo se vincula. (Cunha 2008, p. 2)

           

A PERDA DE IDENTIDADE

Assim, pode-se notar que o surgimento do duplicado é uma busca da identidade de Tertuliano Máximo Afonso, que no meio do turbilhão social em que vive não consegue se achar como individuo, buscando construir sua id, que justamente vem a fascinação pela seu duplicado, já que, a profissão de Antonio Claro é ator (Daniel Santa Clara), podendo viver vários personagens. Nessa analise pode-se ver que Tertuliano é um personagem que busca dentro do seu ego uma aceitação de si mesmo e dentro da sociedade, fato que a profissão de ator pode lhe render, devido à desvalorização do seu cargo de professor. Para transpor o mundo em que vive ele recorre ao mundo dos sonhos.

O protagonista não se reconhece na trama enquanto assiste ao filme, todavia depois de dormir e possivelmente acordar, retorna ao espaço do vídeo para se "ver" na película.

O correto numa obra verossímil que se pauta em apresentar fatos do cotidiano de um homem numa grande metrópole, seria que a personagem principal pelo menos durante a exibição levantasse alguns questionamentos sobre o coadjuvante idêntico. (Alves, 2012, p. 6).

Esse “mundo dos sonhos” faz com que, o professor de História se “refugie” na tentativa de outra vida, crescendo a necessidade de encontrar o seu duplicado. O duplicado (Antônio Claro) por sua vez, não dar importância, mas a ideia de ter uma pessoa igual, o faz refletir melhor e ir ao encontro, porém relata que levará um revolver.

Há ainda uma coisa que quero que saiba, De que se trata, Irei armado, Por quê, Não o conheço, não sei que outras intenções poderão ser as suas, Se tem medo de que o sequestre, por exemplo, ou de que o elimine para ficar sozinho com esta cara que ambos temos, digo-lhe que  já que não levarei comigo qualquer arma, nem sequer um simples canivete, Não suspeito de si a esse ponto, Mas vai armado, Precaução, nada mais [...] Estará descarregada (Saramago, 2002, p. 196).

           

Esse ponto da história é crucial, pois, Antônio Claro não aproveita a situação de eliminar seu duplicado, evidenciando o superego como uma trava dos impulsos emitidos pelo id. A partir desse ponto do encontro ocorre uma perda da identidade dos personagens idênticos, com os papeis se invertendo, se antes Tertuliano queria a vida de Antônio Claro, o ator passa a querer provar da vida do professor e cerca Maria da Paz (que ironicamente se chama assim), namorada de Tertuliano, que finalmente consegue seu amor, acalmando o coração do antes confuso namorado.

O momento de tensão se forma e ocorre a troca de vidas, com Antonio Claro passando-se por Tertuliano e dormindo com Maria da Paz, e este se vinga dormindo com Helena (mulher de Antônio Claro), nesse momento ocorre a principal reviravolta da trama. Ao sair da casa de Helena Tertuliano para no orelhão e liga para Maria da Paz.

                              

Dentro da cabina fazia um calor sufocante. A voz de mulher que perguntou de lá. Quem fala, não era sua conhecida, Desejava falar com a Maria da Paz, disse, Sim, mas, que fala, Sou um colega dela, do banco onde trabalha, A menina Maria da Paz morreu esta manhã, um desastre de automóvel, vinha com o noivo e morreram os dois, foi uma desgraça uma grande desgraça. Em um instante, da cabeça aos pés, o corpo de Tertuliano Máximo Afonso ficou alagado de suor [...] Imóvel dentro da fornalha da cabina, ouvia uma palavra, uma só, a retumbar-lhe nos ouvidos, Morreu, mas logo outra palavra lhe veio tomar o lugar, e essa gritava, Mataste-a. (Saramago, 2002, p 296 – 297).

           

Esse desfecho trágico, põe fim ao personagem do professor de História, já que, Tertuliano se ver obrigado assumir o papel do ator Daniel Santa-Clara, que antes tanto lhe trazia admiração. As vidas antes separada, tornam-se uma, assim como nos sonhos de Tertuliano. Por último, aparece mais um personagens duplicado que da mesma forma que Tertuliano fez a algumas semanas atrás, ele também fez e ligou para marcar um encontro.

                              

Quando, Agora mesmo, dentro de uma hora, Muito bem, repetiu Tertuliano Máximo Afonso pousando o telefone. Puxou uma folha de papel e escreveu sem assinar, Voltarei. Depois foi ao quarto, abriu a gaveta onde estava a pistola. Introduziu o carregador na coronha e transferiu o cartucho para câmara. Mudou de roupa, camisa lavada, gravata, calças, casaco, os sapatos melhores. Entalou a pistola no cinto e saiu. (Saramago, 2002, p.316).

            O final da história mostra a quebra do superego e autoafirmação com a decisão de eliminar o seu duplicado para se perpetuar como o único no mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O homem duplicado é um excelente romance, que abre espaço para diversos tipos de estudos, retratando um dos maiores problemas da sociedade moderna, que é a falta de valorização do ser humano, o medo de se relacionar com o outro e como pode ocorre a perda de identidade. Essa obra de ficção, mistura a realidade de uma vida cotidiana que são a dos personagens Tertuliano e Antônio Claro, com um fantástico fato que é a existência de duas pessoas totalmente iguais, abrindo espaço para o questionamento se todos os fatos não são fruto da vontade do professor de História ou se os fatos ocorrerão de forma extraordinária. O certo é que metaforicamente Saramago mostra que a vida das grandes cidades trazem essa perda de identidade, abrindo espaço para necessidade de assumir um novo ser e alcançar a tranquilidade existencial.

REFERENCIAS

PARSONS, Talcott, Sociedades Perspectivas evolutivas e comparativas, 1969, São Paulo

SARAMAGO, José, O homem duplicado, 2002, São Paulo.

http://www.acervodigital.unesp.br

http://www.ileel.ufu.br

http://www.mackenzie.br