A pedagogia do cavalo rifado

Por Antonio Alves da Cruz | 06/07/2012 | Crônicas

A PEDAGOGIA DO CAVALO RIFADO

Seria um dia como outro qualquer se não fosse pela disposição do amigo da minha amiga - ela estudante de pedagogia do Departamento de Ciências Humanas – III, da Universidade do Estado da Bahia, informar para a mesma que o bilhete premiado na rifa que ela participava era o de número 44.

O número 44 significou ali, “cavalo na cabeça”, ou seja; alem do bilhete de número 44 ser uma dezena que representa o cavalo no jogo do bicho, e que pertencia a ela, o prêmio a ser entregue à ganhadora, também, era um cavalo. Um belo cavalo, por assim dizer!

A minha amiga, pedagoga em formação, ficara muito feliz, pois até então nunca havia sido premiada em sorteios, bingos, rifas, loterias ou similares. Comprava rifas apenas para se livrar da chatice das pessoas que vendem rifas – elas são chatas! Comprou a crédito, cinco reais.

No entanto, assombrou-se e houve desconsolo, pois lembrou que até aquele momento não tinha saldado o débito, e esbravejava - Que droga! Não terei direito ao prêmio.

O amigo, que havia concedido o crédito não deu muita importância àquele detalhe, pois já havia tempo que gostaria de se livrar do eqüino. Apenas disse para a ganhadora que o premio era dela.

E assim tendo dito o amigo, a felicidade e o riso afloravam-lhe o rosto. Ganhei, ganhei! Que cavalo massa, lindo! Vou passear a cavalo, vai ser jóia! Não sei montar, mas aprendo – dizia sempre! E continuava dizendo, no seu contentamento, agora vou levá-lo para casa, vou colocá-lo no muro e o meu marido vai ficar contente! E ficou muito feliz o seu esposo. E ela continuava na sua felicidade – um cavalo todinho nosso! Meu cavalo, meu cavalinho, cantarolava alegremente.

Mas, eis que a sua cabecinha de pedagoga, em formação, começou a “catraquear”, raciocinar, e “matutava” como iria colocar o cavalo no muro da casa dela. Pelo telhado não daria, e pela porta da frente teria que passar na sala. Mas e se ele escorregasse no piso de porcelanato? Meu Deus vai quebrar tudo! E a urina, a titica? Teria que limpar! Assombrou-se. E aí começavam os problemas.

Dar banho é fácil – pensava a minha amiga! Será que ele come pão? Mas para encher essa barrigona terei que comprar a padaria inteira. Achou melhor perguntar para quem sabe sobre cavalos. Construía o seu pensamento de forma metódica, hora feliz, hora apreensiva – a sortuda. E assim foi se seguindo o aprendizado.

Nos dias que se seguiram arranjaram-lhe um terreno baldio onde colocou, provisoriamente, o seu premio maravilhoso. Fez um cercado.

Na primeira semana com o premio, já deixara de ir ao trabalho três vezes, pois precisava cuidar e alimentar o animal que comia como tal, e o seu esposo não se encarregaria daquela operação por estar muito atarefado. Restava, então, apenas ela para resolver aquele lide.

E a felizarda, minha amiga, contabilizava o “investimento”. Nos primeiros oito dias, duzentos e setenta e sete reais foram gastos. O xampu natural que comprou para banhar o bucéfalo foi de preço médio 28 reais; um saco de milho importado – transgênico 65 reais; esmalte-base para cascos 16 reais; um secador de cabelos - para crina e rabo 100 reais; uma mochila e babador 68 reais.

Já chegara ao décimo dia com o solípede sem ao menos ter dado uma montadazinha nele. E olhe que já estava endividada na bodega do seu Joaquim – somente com a compra de rapaduras e sal. Cavalos gostam de rapadura e sal, ao menos aquele adorava!

No décimo sexto dia, depois de várias brigas com o esposo por causa do orçamento doméstico do trimestre, decidiram-se, por fim, vender o quadrúpede que recebera como premiação daquela bendita rifa.

Não sabia a educadora que ainda restavam outros pormenores. Seriam eles: avaliar o sílver; encontrar comprador; pagar corretagem; pegar certidão de vacina e antecedentes-animais.

Várias tentativas foram feitas! Mas a minha amiga conseguiu se livrar daquele premio que tanto quisera inicialmente. “Vendeu” aquele lindo corcel por cento e cinqüenta reais – muito bem vendido, por sinal, em três parcelas iguais de cinqüenta reais cada. A entrada, no valor de cinqüenta reais, em espécie, ficou retida nas mãos do corretor pelo serviço prestado na venda do animal e documentação arranjada, e recebeu do mesmo duas notas promissórias no valor de cinqüenta reais cada, para resgate em trinta e sessenta dias, respectivamente.

E foi assim que a minha amiga aprendeu a técnica da Pedagogia do Cavalo Rifado.

 

Antonio Alves da Cruz

Pedagogo, especialista em Educação Ambiental